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Parece que os helicópteros Kamov, uma joia do Estado (e de que toda a gente ouve falar como instrumentos fundamentais para combater os incêndios), estão parados por avaria ou a aguardar certificação. Mesmo assim, surge a ideia de usar helicópteros para vigiar as auto-estradas em busca de condutores em excesso de velocidade; para ajudar utilizar-se-iam também drones e inibidores de telemóvel. Este aparato impõe respeito para controlar os automobilistas portugueses que insistem em circular acima de 120 kms/h nas auto-estradas. O meu primeiro carro não indicava velocidade superior a 160. Era um veículo modesto e ronronante, cujo motor falhava e que não ultrapassava os 130. O meu carro atual indica um número bastante superior. É este absurdo que não consigo deslindar: se as autoridades europeias insistem numa velocidade máxima de 120 e, em alguns casos, de 110, por que razão insistem os fabricantes em produzir carros que atingem os 240 com facilidade? Não vejo outra justificação que não seja suscitar a utilização de helicópteros – como os Kamov – para vigiar as estradas lusitanas.
[Da coluna no CM]
O Estado está a tornar-se uma ameaça letal. A minha geração, e boa parte da anterior, viveu na ressaca de vários combates contra a excessiva presença do Estado. Muitos lemos um livrinho de antropologia intitulado A Sociedade contra o Estado, de Pierre Clastres – à esquerda e à direita. O Estado foi um dos nossos inimigos. Viver longe da alçada do Estado e da sua burocracia era um ideal nobre. Estranhamente, é hoje enorme o número dos que acham que o Estado se deve substituir às nossas decisões, tomando-as em nosso nome, obrigando-nos a comer apenas o que é saudável, a dizer o que é permitido fazer, a cobrar impostos sobre tudo o que mexe. O Estado proíbe programas de televisão, manda recolher livros e elabora listas de ‘livros bons’, substitui-se aos tribunais, tem vontade de regular toda a nossa vida, determina o que se ensina e de que forma a História aconteceu, cobra impostos excessivos – e falha no essencial (apoiar os mais pobres, lutar contra a doença e o infortúnio, proteger os velhos e punir a violência). Em Portugal essa máquina devoradora tem cada vez mais clientes.
Nos anos 80 foi uma passageira moda novaiorquina: venderem-se apartamentos sem cozinha. Onde não há cozinha não há tentação, e na altura a gastronomia e a culinária eram universos letais, pouco nobres, nada mencionáveis. Passados trinta anos, a comida passou a obsessão. Uma nova categoria de pessoas, ‘foodies’, dedica a sua vida a atazanar-nos com novidades sobre o que deve ser o nosso prato. O caso é que os ‘foodies’ e as ‘foodies’, além dos blogues sobre comida e das nutricionistas apaixonadas pela catástrofe (não coma nem mais uma colher de açúcar ou morre!), não se dedicam apenas a um ramo de negócio; há, por detrás, uma dimensão estética, uma ou várias éticas (aplicam muito a palavra sustentável) e, sobretudo, uma tentação antiquíssima: a de mandar nos outros. Descubro essa tentação aos poucos. Leiam os seus textos. São aguerridos, enumeram proibições, fazem lóbi pela batata doce (a batata comum, fonte de alegria, é a inimiga a abater) e pela quinoa (deite fora o arroz!). Tal como na religião, os recentemente convertidos são os piores: transformam a nossa vida num inferno.
[Da coluna no CM]
A noite de anteontem foi aziaga; levou dois grandes autores: Ursula Le Guin (nascida am 1929, na Califórnia) é um deles. A autora de A Mão Esquerda das Trevas, Lavínia, Despojados ou do absorvente Tão Longe de Sítio Nenhum desenhou nos seus livros – catalogados nas estantes da “ficção científica” – um universo tão assustador como promissor: sitiados pelo “capitalismo industrial”, perdemos muito da nossa natureza e muita da nossa capacidade de sonhar; mas há na nossa imaginação uma grande capacidade de sobreviver aos vários apocalipses que nos ameaçam. O outro nome que desaparece é Nicanor Parra (nascido em 1914 nas regiões montanhosas e vulcânicas do nordeste do Chile, tinha 103 anos – foi Prémio Cervantes), um magnífico poeta chileno, e também matemático, a quem se deve a libertação da poesia latino-americana das suas teias ideológicas. É muito redutora esta caracterização (sobretudo diante da glorificação do seu compatriota Neruda, que escrevia poemas a bajular Estaline), mas serve para designar a sua busca de liberdade, de simplicidade e de afirmação da poesia.
Ao longo do segundo mandato de Lula sucederam-se os escândalos e os processos judiciais por corrupção. Hoje parece que toda a gente já esqueceu o mensalão e toda a rede de malfeitores que nasceu da tentativa, bem sucedida, de aprisionamento do aparelho de estado pelo PT (recordem-se os nomes: José Dirceu, José Genoíno, Marcos Valério, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, etc.). A aliança entre o PMDB, os evangélicos e o PT era contranatura, mas serve para dar uma ideia de como o PT estava disposto a sacrificar tudo para subir ao poder e mantê-lo, numa rede em que entravam, além do PT, o PP, PPS, o PSB ou o PRP). Valeu tudo: manietar a polícia, a justiça e o estado central; atacar a imprensa e fazer alianças com os inimigos de classe, generosamente recompensados (de Maluf a Delfim Netto, de Sarney a Edir Macedo); constituir o PT como máquina de arrecadação e domínio; crime e difamação; perseguições (vale a pena reconstituir a perseguição racista a Joaquim Barbosa, presidente do Supremo) e favorecimentos ilícitos (a começar na Petrobras). Dilma foi um prodígio de incompetência; um interregno no projecto mais vasto de Lula, que era regressar ao poder. A sua aliança com o PMDB – um casulo de corrupção medonha – resultaria nisto. Quando o PT quis recorrer à rua, percebeu que esta não só já não era um exclusivo seu, e que, do outro lado, uma nova geração de juízes e magistrados tinha chegado aos tribunais brasileiros, livres do jargão esquerdista e da herança da ditadura (o PMDB é uma herança envenenada da ditadura, nada tem a ver com o partido de Ulysses Guimarães ou Tancredo). Os processos actuais põem à vista uma rede que visava a eternização do PT e dos seus aliados no poder – bem como formas de corrupção que atingem todo o Estado. Durante as sessões de Porto Alegre, o PT ameaça radicalizar (vejam-se sobretudo as declarações de Gleisi Hoffmann, a presidente do partido, envolvida no escândalo Petrobras) e é possível que seja o único caminho. Seguir-se-ão as jornadas de luta e de desagravo por intelectuais, sindicalistas, cantores e “amigos do Brasil” (geralmente, pessoas que gostam de bossa nova e confundem Ipanema com a Rondónia) – mas a verdade é esta, dita hoje de manhã por Fernando Gabeira: “A tática da defesa do Lula e toda essa opção da esquerda nos colocou diante de um descaminho histórico. Porque ao invés de reconhecer todos os escândalos que aconteceram e buscar um caminho mais longo de recuperação através de uma crítica, de uma autocrítica, ela decidiu negar o conjunto dos fatos.” Um dos argumentos é o de que a justiça está a atacar a esquerda, o que é falso (veja aqui a lista de dirigentes de outros partidos, como o PMDB, PTB e PP já condenados no processo LavaJato); tem sido a esquerda brasileira a condenar-se a si mesma num país em que o PT chegou ao poder vestindo a roupagem da superioridade moral. Posso enganar-me, mas Lula – que sabia de tudo, que soube sempre de tudo, mas que se achava ungido com a estrela de guia e messias do proletariado brasileiro a quem tudo seria perdoado – será condenado, ou seja, será confirmada a condenação anterior. O pior para Lula, de facto, ainda está para vir. Mas eu tenho-o dito desde 2003.
P.S. - Ironia do destino este julgamento estar a realizar-se em Porto Alegre, em outros tempos um bastião do PT.
Excelente texto de Luís Naves no Delito de Opinião: «Estamos sobretudo a assistir a uma mudança significativa do modelo da União. Até agora, a UE foi uma aliança de nações. No futuro, os federalistas dirão que os seus «valores europeus» são incompatíveis com os nacionalismos. A preparar o terreno, eles têm feito a distinção entre patriotas e nacionalistas (como se fossem dois conceitos, não dois sinónimos), olham com simpatia para movimentos secessionistas conduzidos por elites razoáveis, como parece ser o caso dos catalães, levados ao colo pela imprensa oficial da Europa, a mesma que repete em cada parágrafo essa irritante treta dos «regimes iliberais» do Leste. […] Há países que não cedem na defesa dos seus interesses e têm de ser disciplinados. Por outro lado, a Europa tenta avançar com um projecto político onde as nações terão menor espaço, um projecto onde não cabem os nacionalistas (os mais assanhados, polacos e húngaros, caem na categoria de xenófobos), um projecto que não se resume aos mercados livres que os britânicos defenderam, mas a verdadeira convergência (a iliberal Hungria tem um IRC de 9%, que Macron já criticou, por achar muito baixo). Haverá harmonização fiscal e os parlamentos nacionais vão perder parte dos seus poderes orçamentais.
Então, o que é que a Polónia tem a ver com a Catalunha? O caso catalão mostra-nos o que poderá acontecer às nações que não contam: a Espanha será uma manta de retalhos, como provavelmente a Itália acabará por ser (um governo com Berlusconi, Liga Norte e ainda uns ultra-nacionalistas promete travar os populistas). A Polónia quer evitar a menorização, vê-se como grande nação regional, defensora da civilização cristã, num patamar semelhante ao da França. A Polónia delira, a Espanha apanhou gripe catalã, a Itália, essa, está na mesma.
E, mesmo assim, há uma agitação no Danúbio. Em vez de aceitarem a generosidade alemã, os países de Visegrado querem resistir e juntam-se num clube que lembra cada vez mais o império Habsburgo, lembram-se? aquele que acabou em Sarajevo. Ao mesmo tempo, o caso catalão, sendo um exercício de alta criatividade artística dos seus dirigentes, está a dar ideias. Já ouviram falar da impronunciável Szekely Fold e da resposta que deu o PM romeno? Claro que não. E há mais micro-regiões que até agora só existiam em mapas obscuros desenhados nas húmidas catacumbas do castelo de Kafka.
Em resumo, e termino, a Europa não se sabe bem para onde vai, mas vai levada por elites que já não querem ouvir as suas próprias populações. Os catalães votaram, mas serviu para alguma coisa? Os polacos também votaram, mas ninguém quer saber. Os alemães votaram em Outubro e disseram que os social-democratas iam para a oposição, e que vemos, os populistas lideram a oposição? As eleições na República Checa, onde venceram os populistas, já deram em governo? E em Itália, votar servirá para alguma coisa? E na Hungria, onde Orbán tem sondagens a dar maioria qualificada, vão dizer que não conta? Não, votar já não serve para nada, nós estamos a ser dirigidos pelos 32% da CDU alemã e pelos 35% (se não me engano) do movimento de Macron na primeira volta das legislativas francesas. Só há coligações negativas, grandes entendimentos entre derrotados, geringonças e minorias. É disto que estamos a falar: votar já não conta.»
Regra essencial: sempre que alguém iniciar ou concluir uma indignação em nome dos “sagrados princípios”, da moral, da ética, às vezes do Estado de Direito – desconfie. Geralmente é palhaçada. O caso da SuperNanny (que não penso ver) é o mais recente. Eu gostaria, antes, de me defender das crianças sempre que oiço as suas vozes, já devidamente idiotizadas, a fazer publicidade na rádio e na televisão a produtos financeiros (lembram-se daqueles mais ruinosos e aldrabões?), a saldos nos hipermercados e lojas de informática, a telemóveis e férias no Algarve, sem que “as instituições” saltem para a rua, indignadas, em saiote e camisa de noite, a fingirem de mamãs fofinhas e a servirem-se do seu estatuto intocável para ameaçar e silenciar. Ah! E quero que “as instituições” vigiem muito bem aqueles programinhas de rádio e colunas de jornal assinados por pedagogos e psicólogos, geralmente marcianos em trânsito, cujo único objetivo é destruir a vida dos pais, explorando o seu sentimento de culpa. Isso sim, era um grande favor. Isso e agilizarem os processos de adoção e deixarem de pregar.
[Da coluna no CM]
Adenda: 1) Quando este texto foi publicado na edição em papel do CM, esta manhã, recebi cinco mails de protesto e alguns amigos enviaram-me «reacções do Facebook». Eu gosto particularmente das «reações do Facebook», que me acusam de «apoiar» o programa de televisão, que não vi – nem penso ver. Não passa pelas pobres almas que «reagem no Facebook» a ideia de que o assunto me é indiferente desde que me não obriguem a ver o programa. Já passaram pela TV tantas indignidades, tantos Big Brothers, tantas coisas que fariam corar de vergonha os produtores de SuperNanny, que – sim – corro o risco de vir defender o programa que não vi nem penso ver. Mas o mais hilariante foi a reação de um grupo de médicos ou psicólogos que a redação de lifestyle do Observador convidou para ver o programa e que chegou à fantástica conclusão de que «o happy end do último programa» não era «verdadeiro». Tamanha descoberta encheu-me de piedade. Pois se é televisão! Pois se é um «big brother»!
2) Quanto aos «programinhas de rádio» que menciono, não tenho nada contra as pessoas que os fazem – profissionais dedicados e complacentes que dão conselhos exactamente como SuperNannies. Num dos últimos que ouvi, por alturas do Natal, os dois psicólogos disputavam o papel de marciano, relembrando aos pais-ouvintes que nas férias de Natal não podiam deixar «os filhos ao abandono, em casa, e que, pelo contrário, deviam acompanhá-los «nesta temporada» provavelmente para não os traumatizar. Portanto, as pessoas «metiam férias» e seguiam os conselhos dos psicólogos – ou ficavam a alimentar a culpa por não poderem fazê-lo. Marcianos e é já com bonomia.
Há exatamente 210 anos, a armada portuguesa transportando a família real portuguesa, que fugia da ameaça francesa, chegava ao Brasil (primeiro a Salvador e, depois, ao Rio). Um ano e meio depois, a 7 de julho de 1809, George Gordon Byron, Lorde Byron, fazia escala em Lisboa aproveitando a presença militar inglesa; se na sua biografia a visita (uma quinzena, a caminho de Gibraltar) foi pouco importante, já a sua passagem por Sintra entra na nossa «mitologia dos famosos», salpicada por uma ou outra frase entusiástica («a mais bela do mundo», «glorioso Éden», etc.). Byron nasceu há 230 anos, assinalados hoje, e é uma das grandes figuras do romantismo europeu – o vértice, aliás, de todos os seus pecados e virtudes. A ideia do «herói byroniano», aventuroso e arrogante, destemido e belo (para mulheres e homens), uma estrela cuja popularidade extravasa o mundo das letras, rebelde e auto-destrutivo, está ligada à sua obra – e a uma vida que terminou na Grécia, combatendo no campo militar, longe da Inglaterra, que tratou com soberba. Para Byron, a vida estava sempre noutro lugar.
[Da coluna no CM]
O desejo de limpar o passado e de o ver à luz do que pensamos hoje, ou do que hoje é a verdade oficial, faz-nos correr riscos divertidos. Basta fazer as contas (mas mantendo a calma e evitando rir). Depois de uma universidade americana ter aceite os protestos de uma aluna de arte que se sentia ofendida por ter de olhar o quadro ‘La maja desnuda’, de Goya, e de ter retirado uma cópia da obra, já se fez o mesmo com um quadro de Egon Schiele e se tentou com Balthus. Leonardo Da Vinci será visto como pedófilo e proibido; Neruda e Rafael Alberti escreveram poemas exaltando Estaline; Mark Twain é o que se sabe. Quando a Sade, não vale a pena falar – vamos proibi-lo. Eça era um racista. Simone de Beauvoir ter-se-á apaixonado por duas alunas, e deve ser queimada em efígie. Ghandi gostava de jovens. Camões festejava os combates contra sarracenos. Melville é, como todos sabemos, um inimigo das baleias. Quanto a Lewis Carroll, bom, bom. Fernando Pessoa elogiou Salazar. Hemingway era um machista bêbedo. Jesus contava piadas sobre Deus. E por aí fora. É um admirável mundo novo e limpo.
[Da coluna no CM]
Devem os políticos consagrar-se exclusivamente à política? Tenho dúvidas – não certezas. A principal das dúvidas decorre do facto de a política precisar, cada vez mais, de perguntas vindas de fora do sistema partidário e da sua rede de negócios, pressões, apoios e especialidades. Políticos consagrados aos corredores do parlamento e dos seus recantos e comissões (e, pior, da sua má gramática e dos seus lugares-comuns), que não conhecem a vida das empresas e sabem das pessoas aquilo que os “contactos políticos” permitem, podem ser uma vantagem para a manutenção da pequena oligarquia que conhece procedimentos e influências, mas que tem a tendência brutal para constituir uma casta de pessoas isoladas e incomunicáveis, com poder a mais para os conhecimentos e a experiência de que dispõe. Uma coisa é impedir que a política seja um trampolim para o mundo do mau dinheiro e do favorecimento de grupos e corporações; mas privilegiar os que há mais de uma década só têm um lado do cérebro a funcionar, e que sofrem de analfabetismo disfuncional, é um risco que vale a pena ser contrariado.
[Da coluna no CM]
Estava a ler uma entrevista com Alain Delon (o ator fantástico de O Leopardo ou de Rocco e os Seus Irmãos, de Visconti) e lembrei-me de um dos mais pirosos duetos da história da “canção francesa”, o de Delon com Dalida, “Paroles” (os mais famosos são os de Gainsbourg com Jane Birkin ou com Catherine Deneuve – ‘Je t’Aime Moi Non Plus’, claro, e ‘Dieu Fume des Havanes’, uma preciosidade). Dalida faria hoje 85 anos e seria uma senhora – foi sempre. Tinha aquela bela severidade da sua terra natal, o Egito (foi Miss Egito em 1954), a leveza de uma mulher que atravessou todas as tragédias (bastantes), e a herança ruidosa de uma família italiana. Hoje ninguém se lembra de Dalida. É uma pena (morreu aos 54 anos, em 1987). Cantou em francês, italiano, espanhol, árabe, egípcio, grego, hebraico, levantino ou alemão. Canções como ‘Gigi l’Amoroso’, ‘Ballade à Temps Perdu’, ‘Le Temps des Fleurs’, ou duetos com Aznavour, Sacha Distel ou Enrico Macias, hoje fazem-nos sorrir com a sua inocência nervosa e sensual. No livro das minhas recordações o seu nome é uma marca cheia de perversidade.
[Da coluna no CM]
Coisas evidentes precisam de ser lembradas: assinalou-se ontem o 89.º aniversário de Martin Luther King – nascido em 1929 e assassinado a 4 de Abril de 1968, há 25 anos. Insistir no óbvio não o faz ser mais óbvio, mas a luta dos negros americanos pelos seus direitos civis faz parte da chamada “caminhada da humanidade”. No domingo, um canal de cabo transmitiu Hidden Figures (Elementos Secretos), o filme com a maravilhosa Taraji P. Henson (além da divertida Octavia Spencer e da inesperada Janelle Monáe). As duas coisas estão ligadas: a luta de Martin Luther King e os factos reais por detrás do filme que conta a vida de Katherine Goble Johnson e de Dorothy Vaugham, duas mulheres negras a trabalhar nas áreas de matemática e informática da NASA durante os anos 60, na segregacionista Virgínia. É impressionante pensarmos que apenas há cinquenta anos, nos EUA, uma matemática genial como Goble Johnson, responsável pelos cálculos das órbitas das primeiras viagens à volta da Terra, tinha de percorrer 600 metros entre a sua secretária da NASA e uma casa de banho para pessoas de cor, ou que a sua cafeteira, isolada naquela sala cheia de cientistas, era apenas para negros.
[Da coluna no CM]
«A doutora Maria Helena da Rocha Pereira, a quem ouvi raríssimas – por isso mais valiosas – palavras de absoluto louvor às traduções homéricas do Frederico, disse um dia estas duas curtas frases que contêm milhares de livros dentro: “Eu vivo com os Gregos e sei disso. Mas vocês vivem com os Gregos e não sabem”. Adoentada, apenas oralmente e aos mais próximos transmitiu o seu júbilo pela atribuição do prémio. Um júbilo comum a todos nós.
O Frederico Lourenço é um conforto nos nossos tempos tão ameaçados. Quando a iminência da destruição de tudo o que foi belo e bom e justo sopra a sua trombeta à nossa porta, vemos este homem, que parece tranquilo, prosseguir a sua caminhada entre explosões.» Ler o texto completo aqui.
Margaret Atwood (criticada nas, como se chama aquilo?, redes sociais) sobre o movimento #me too, depois de um contorverso processo de acusação — não provado — contra um professor universitário: “In times of extremes, extremists win. Their ideology becomes a religion, anyone who doesn’t puppet their views is seen as an apostate, a heretic or a traitor, and moderates in the middle are annihilated.” Também Atwood fala nas bruxas de Salem.
Depois de um frango à José Sá e de um grande golo do Estoril, não admira que a bancada viesse abaixo.
É absolutamente peregrina a ideia de que cabe ao PSD a tarefa e a vocação de resgatar o PS dos tentáculos da perigosa extrema-esquerda, devolvendo-o ao convívio com os salões da boa sociedade – onde, de acordo com o que vejo e oiço, se poderá dedicar (já em roda livre e de braço dado com o PSD) a dançar minuetes. Basicamente, o PSD estaria na calha para substituir o BE (ao PCP ninguém o substitui).
E não, isto não tem a ver com a experiência alemã.
Esta manhã, ao pequeno-almoço, pus-me a ler o artigo do Sebastião Bugalho sobre a liderança do grupo parlamentar do PSD. Toda a gente sabe que – mesmo antes de Rio – já existia o problema Hugo Soares. Mas, para além do problema Hugo Soares, há o problema da própria bancada parlamentar. Depois de ter sido dizimada pelos anos da troika, a bancada foi ainda seviciada pelo isolamento de Passos Coelho; e resultou nisto.
Esta foto é mais pequena do que a da edição em papel mas vê-se o essencial, e é assustadora. Provavelmente, a bancada do PS também me assustaria. Acontece que, no último ano, entre a maior parte destas almas (podem observar-se distintamente), não surgiram «mais do que meia dúzia de ideias», e isto para sermos generosos em relação a um partido que tinha deixado de existir e cujo grande triunfo conhecido foi o diploma sobre o financiamento dos partidos. Portanto, o problema de Hugo Soares é o problema menor que existe na bancada parlamentar.
Já se disse quase tudo sobre as questões de assédio sexual na “elite americana” e sobre os homens que praticaram esses abusos (de Weinstein a Clinton e Trump) e que devem ser castigados. O espectáculo dos Globos de Ouro também mostrou a imagem das novas bruxas de Salem, mas mais decotadas, vestindo de preto, que é sensual e conforme tanto à cerimónia como ao vigilante puritanismo americano que, geralmente, se conclui com pornografia. Acontece que a discussão sobre o assédio sexual em Hollywood só é produtiva se ultrapassar o nível a que está agora a ser reduzido (quem apalpou quem, quem bebeu demais, quem tentou seduzir quem, quanta coca consumiu); de contrário, será prejudicial à própria criminalização do assédio – porque se trata de gente poderosa, milionária, famosa, que muitas vezes aproveitou a circunstância (que não deixa de ser humilhante). Em breve será aproveitada pela própria máquina de Hollywood (que belos filmes!) e fabricará as suas vítimas debaixo do fogo da nova inquisição. Antes disso, os homens e as mulheres livres serão as primeiras vítimas desse puritanismo.
[Da coluna no CM]
Descobri agora este pequeno vídeo da minha velha faculdade; nessa altura não proibíamos conferências ainda que ocasionalmente fumássemos charros. Nas imagens (fumando, como sempre, enquanto falava de filosofia medieval), um dos meus mais queridos professores, João Morais Barbosa (1945-1991), uma das pessoas que mais me deixa saudades desses tempos — e a quem tanto devo.
Em cada português existe um sociólogo desperdiçado noutras profissões vulgares. Durante os anos da troika, por exemplo, não havia comentador a quem faltassem explicações para a baixa natalidade; ou seja, os portugueses não tinham bebés por causa da ameaça da troika – chegados à hora da fecundação, se me permitem a imagem, portuguesas e portugueses, digamos, encolhiam-se. De nada servia lembrar que, ao fim de uma curva descendente que vinha da última década do século passado, os números da natalidade começaram a subir em 2014, subiram em 2015 e subiram em 2016. E desceram em 2017 – menos sete bebés por dia (menos 2700), um número inaceitável para os catedráticos em sociologia de algibeira que, a falar verdade, se sentem traídos pelos portugueses, pouco solidários com Mário Centeno. Eles esperavam que os jovens casais, mal ouvissem falar dos virtuosos números da economia e das novas conquistas do socialismo, desatassem a reproduzir-se a um ritmo festivo. Só que os ritmos da demografia são longos, e um bebé não nasce de uma máquina mas de pais educados para a vida que há de vir.
[Da coluna no CM]
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