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Um exemplo que só esqueceremos daqui a muitos anos.

por FJV, em 26.12.17

As palavras e as visitas do Presidente da República podem tornar-se demasiado “omnipresentes e permanentes” – e hão de parecer excessivas. Mas é preciso deixar-lhe um elogio quando se fala de Pedrógão Grande. Não fosse Marcelo, e a tragédia de Pedrógão seria diluída pela máquina de comunicação do Estado (mesmo assim, para alguns ‘aparatchiks’, os marcianos “da situação”, mencionar Pedrógão é “fazer oposição”) – mas o número de vítimas é poderoso. São nossas, portuguesas; nossos vizinhos; usavam a nossa língua; liam este jornal. Somam-se às de outubro, é certo, mas são um exemplo que só esqueceremos daqui a muitos anos. Neste Natal, Marcelo não permitiu que fossem esquecidas ou diluídas pela propaganda. E fez mais: pediu que visitássemos o interior, que déssemos vida às florestas e às vilas e aldeias do interior, esses três quartos de território onde vive um quarto da população. E chamou a atenção para a resposta de Pedrógão à tragédia de Pedrógão – como o Interior tem de responder, também, à sangria do Interior. Não sei como. Mas tem de ser uma das preocupações do novo ano. 

[Da coluna no CM]

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Longe de casa.

por FJV, em 22.12.17

Em 2005 – desculpem falar de mim – publiquei um romance acerca dos portugueses que não querem regressar a Portugal, Longe de Manaus. Dos que estão em todo o lado, África e Américas, e evitam regressar; e dos que “triunfam” lá fora e nunca poderiam triunfar dentro das quatro paredes de Portugal. Conheci-os também em todo o lado. Do delta do Orinoco à Austrália passando pela China e pela Argentina. Por isso, a fábula da emigração dolorosa nunca me comoveu mais do que por uns instantes: os portugueses buscam a vida onde ela está. Foi sempre assim. Ontem, num encontro do Conselho da Diáspora, disseram-se coisas interessantes sobre a facilidade com que os portugueses se integram noutros lugares, e o ministro dos Estrangeiros acha que se trata de um “caso de estudo”. Há mais de quinhentos anos que é um “caso de estudo”. Há quem pense que vileza da pátria pode sarar de tempos a tempos, mas no geral temos raízes flutuantes. Somos como Zellig, aquele personagem de Woody Allen que se metamorfoseava consoante o lugar e a época em que se encontrava. Isso é um bem inestimável.

[Da coluna no CM]

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Branca de Neve.

por FJV, em 20.12.17

Passam amanhã 80 anos sobre a estreia de Branca de Neve e os Sete Anões, a primeira longa-metragem animada dos estúdios Disney. Confesso: acho tudo insuportável, tanto o filme como a história original, dos irmãos Grimm (de 1812, supõe-se), inspirada em histórias orais alemãs. Prefiro uma versão albanesa em que a princesa vive rodeada de 40 dragões e não é envenenada por uma maçã mas pela picada de um anel. Mas sim, é um marco – e uma história infantil que satisfez milhões de crianças, inspirou a imaginação de psicanalistas e de romancistas (como Donald Barthelme, Angela Carter ou A.S. Byatt) e entrou na nossa cultura de forma afável e duradoura. Há cerca de um mês, no entanto, uma mãe inglesa pediu que o filme não fosse mostrado ao seu filho de seis anos (e iniciou uma petição pública para que a proibição se estendesse) porque o momento em que o príncipe desperta Branca de Neve com um beijo configura uma situação de “abuso sexual” – e ela não queria que o seu jovem rebento pensasse que as raparigas podem ser beijadas enquanto dormem. Portanto, já não sei o que vos diga.

[Da coluna no CM]

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A IURD, antes disto.

por FJV, em 20.12.17

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Ricas, ricas companhias.

O aparato da IURD faz dela um alvo tremendo – e justificado. As reportagens que têm sido publicadas pelos jornais e emitidas pelas televisões evidenciam a prática de crimes a ser rigorosamente investigados. De nada vale invocar o nome ou a condição de “igreja”; no Brasil, a IURD é um colosso mediático e financeiro cujo poder ultrapassa em muito o do poder político propriamente dito. Em 2004 comecei a acompanhar no Brasil a atividade da congregação depois de um bispo queimar imagens de santos cadastradas pelo instituto do Património Histórico e Artístico. Em 2005, colocou-se a hipótese académica de, caso Lula se demitisse, a presidência ir parar às mãos da IURD depois de o vice-presidente Alencar se ter filiado no PMR, um partido dessa igreja. Aliás, foi a aliança de Lula com a IRUD (23 televisões, 50 estações de rádio da Rede Aleluia, etc.) que lhe permitiu apoio para o seu segundo mandato – aparecendo de mãos dadas com Edir Macedo, o tal. Portanto, não invoquem o nome de Deus nesta história – mas de negócios, política, dinheiro (rios dele) e, claro, suspeita de crime.

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Frederico Lourenço: a nova religião que nasceu com os Evangelhos.

por FJV, em 20.12.17

Frederico Lourenço, no seu Facebook, faz um resumo da nova religião assinalada no Natal.

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Carros para totós.

por FJV, em 18.12.17

Se há coisa de que não entendo praticamente nada é a da indústria automóvel; mas, menos ainda, a dos apaixonados pelos carros da chamada “condução autónoma”, ou seja, sem intervenção humana. Um recente estudo de mercado dá-me razão: parece que 70% dos europeus querem continuar a guiar os seus carros, mesmo que o sistema de controle dos carros sem condutor seja fiável. Compreendo: nós conduzimos um carro, entre outras razões, porque temos prazer nisso, porque podemos decidir o nosso próprio grau de autonomia – e porque não gostamos de abdicar dela. É ridículo meter três pessoas num carro entre Lisboa e o Porto, circulando pela auto-estrada a 120 km/h, quando se pode viajar mais rápida e comodamente num comboio ou num avião. Imagino o que fazem essas três pessoas lá dentro, sem ninguém a conduzir; falam do carro que ninguém está a conduzir. “Olha como ele acelera”, ou “será que ele vai ultrapassar?” – assim seriam as conversas, ainda mais ridículas a meio de um congestionamento. Se alguém não gosta mesmo de conduzir um carro, então que não empate. Não faça é figura de totó.

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Costumes.

por FJV, em 17.12.17

Sara Sampaio e a sua ousadia, «cansada, a resfolegar, mas submissa». Crónica de J. Rentes de Carvalho.

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Estar na mó de cima. Ela sabia.

por FJV, em 15.12.17

A presidente da Raríssimas definiu bem a coisa: “O guito há de aparecer.” Ela sabia – porque aprendeu com as dificuldades – que é preciso estar na “mó de cima” e que para isso é bom ter “os amigos certos”. No episódio político da Raríssimas está uma história patética do regime e da oligarquia dominante. Ela compreendeu bem a natureza do nepotismo e da endogamia portuguesas (querem dar uma olhadela às genealogias da banca, da administração pública e da vida política?), estendeu as armadilhas apropriadas e teve benefícios que julgava normais (“os que se praticam” habitualmente, e a preço de mercado, como percebeu). Podemos criticar-lhe tudo (e há bastantes motivos) mas não a intuição e a clareza ao lidar com a oligarquia a fim de “estar na mó de cima”, como ajuizadamente escreveu. Nada existe de novo no “caso Raríssimas” que não exista no regime familiar que vem de 1834 até hoje, com poucas e inócuas convulsões. Lições para o futuro? As que vêm na literatura desde há séculos: ela regressa a casa e assistirá ao desfile dos que vão dizer que, afinal, não a conheciam.

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I hate the internet & the working class.

por FJV, em 14.12.17

Na cama, Bret Easton Ellis lê I Hate the Internet.

 

É um livro delicioso, I Hate the Internet (Odeio a Inernet, sai em Portugal em janeiro) de Jarett Kobek, um turco-americano que descreve as desventuras de uma vintena de personagens da costa leste os EUA, cujas vidas se transformam num inferno graças ao Facebook, ao Twitter e ao Instagram. Basicamente, é um romance sobre economia política, feminismo e internet. Há uma passagem em que Kobek explica que os grandes patrões da internet adoram as indignações generalizadas de natureza política e social – elas alimentam e acrescentam o tráfego, captando mais anunciantes para a Google, o Facebook ou o Twitter. Quanto mais protestos se leem, quanto mais guerra anticapitalista melhor para os acionistas, que enchem os bolsos com cada página da net. Veja-se o caso do grande patrão da Penguin Random House inglesa, Tom Weldon, que exortou a indústria da edição a responder ao “imperativo comercial urgente” de “fazer refletir em romances as experiências da classe trabalhadora”. É maravilhoso ver os tubarões da indústria a querer vender obras sobre a classe trabalhadora a fim de aumentar os lucros dos acionistas.

[Da coluna no CM]

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É uma espécie de longa travessia do deserto.

por FJV, em 13.12.17

O Webster, o dicionário dos dicionários em língua inglesa, elegeu “feminismo” como a palavra do ano. Também podia ser “assédio”, “abuso”, “denúncia”, e compreender-se-ia que se tratava de feminismo. 2017 foi o ano de tudo isso, e foi uma longa marcha desde o século V, quando a matemática, astrónoma e filósofa Hipátia foi assassinada em Alexandria por uma horda de cristãos em fúria, que a queimaram – ou, recuando, desde que Fatima Al-Fihriya Al-Qurashiya, filha de um mercador de Fez, fundou nesta cidade a biblioteca de Al Quaraouiyine no século IX antes da nossa era. Ou desde que, em 1678, A Princesa de Clèves foi publicado anonimamente, ou quando, em 1847, Charlotte Brontë publicou Jane Eyre, trinta anos depois de Mary Shelley, também anonimamente, ter publicado Frankenstein. Cada um destes nomes é hoje analisado, estudado e admirado independentemente de ser mulher – mas o caminho até à dignificação (das investigadoras do Centro 3B da Universidade do Minho como do futebol feminino) não é fácil. É uma espécie de longa travessia do deserto que nos deve encher de orgulho.

[Da coluna no CM]

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Pobre Balthus.

por FJV, em 13.12.17

Apesar dos protestos, que voltaram depois de uma acalmia, o Met, Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, recusou retirar uma pintura de Balthus, “Thérèse Sonha”, das suas paredes. Uma petição pública exigia que fosse retirada porque o retrato (de 1938) levava o Met a “romantizar o voyeurismo e a objetificação das crianças” – e a “desculpabilizar a onda de agressões sexuais a que estamos a assistir”. Pobre Balthus (1908-2001), o protegido de Rilke, de Gide e de Cocteau, o admirador de Piero della Francesca, o amigo de Camus e de Saint-Éxupéry, Malraux ou Man Ray. Para o que as coisas e as obras do passado estão guardadas. Já tínhamos visto o primeiro-ministro italiano mandar tapar as esculturas do Renascimento para receber o seu homólogo iraniano, entre outros casos de imbecilidade temporária – que ameaçam tornar-se mais prolongados. Para substituir o quadro de Balthus, a petição propunha apenas que se usasse uma obra de uma mulher, do mesmo período. Podíamos recuar até Artemisia Gentileschi, no século XVII, que despedaçava cabeças, mas enfim.

[Da coluna no CM]

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Madonna, “Os Maias”, o Ramalhete.

por FJV, em 13.12.17

Não sabia que Madonna ia viver entre as paredes do que podia ter sido “o Ramalhete”. A imprensa noticiou vagamente que um hotel de Santos, em Lisboa, ia recolher a cantora durante um ano, mas a minha filha lembrou que se tratava do Ramalhete de Os Maias, o palacete que tão funesto seria para a família criada por Eça de Queirós, com os seus cretones e salas acolhedoras. Ontem, nestas páginas, Leonardo Ralha voltou ao assunto, e bem, porque foi também o dia em que se soube que Portugal tinha sido eleito “o melhor destino turístico do mundo”, distinção que tanto nos honra como responsabiliza para os anos futuros. Há uma ligação entre Os Maias e o melhor destino turístico do mundo – ou se é um areal cheio de dinheiro, como o Dubai, ou se é um território com história, passado, literatura e velhas mitologias que se instilam nos visitantes, a receber com galhardia e sentido do lucro. O turismo é isso. Quer dizer, “o nosso turismo” é isso: mitologias cedidas por empréstimo. Ter Madonna a ler Os Maias seria uma coisa tremenda, capaz de fazer inveja à rapaziada do secundário.

[Da coluna no CM]

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O cantinho do hooligan. As pombinhas e o lado negro do futebol.

por FJV, em 12.12.17

Passaram um dia inteiro a discutir se o Edinho se desequilibrou quando se encostou ao Aboubakar ou se o Aboubakar o agrediu perigosamente, e porem isso na primeira página depois de um 0-5 incontestável. Os mesmos que no passado dia 2 desvalorizaram um golo mal invalidado e dois penáltis (pronto, um) não assinalados. Deve ser isto que certas pombinhas designam como o lado negro do futebol.

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“Somos os nórdicos do século XXI.”

por FJV, em 08.12.17

Bergen, a cidade mais chuvosa da Noruega.

 

Há dois dias, logo na primeira página do El Pais esta vibrante declaração de Marcelo Rebelo de Sousa: “Somos os nórdicos do século XXI.” As palavras do PR acompanhavam uma peça sobre os êxitos internacionais da diplomacia silenciosa portuguesa – da eleição de Guterres à escolha de Centeno.  Sermos os nórdicos do século XXI é coisa que me seduz: gente discreta, criadora de riqueza, liberal nos costumes, liberal na economia mas protegendo os cidadãos e os seus direitos sociais, respeitadora das leis, rigorosa, poupadinha (bom, ligeiramente sovina), com um amor severo pela natureza e pela paisagem, capaz de mobilizar recursos tendo em vista o “interesse nacional” – tudo isso me agrada. Mas o PR insistia, afinal, na capacidade de mediar conflitos, de estabelecer pontes entre opiniões diferentes, com flexibilidade e tolerância, o que já não é mau. Ainda no El Pais, mas no dia anterior, menção ao facto de os agricultores portugueses serem os mais velhos da Europa; um dia depois, um retrato da deprimida freguesia de Rabo de Peixe, nos Açores: “No hay recursos, pero, bueno, hay wifi.”

[Da coluna no CM]

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Os demónios da destruição.

por FJV, em 07.12.17

É um dos livros do ano – Tempo de Raiva, do anglo-indiano Pankaj Mishra (Temas e Debates) analisa os laços da violência entre as várias utopias, do comunismo ao nazismo, do populismo aos vários messianismos. Mishra situa essa onda de raiva lá mais atrás, no século XVIII, e lê de uma forma mais perversa as implicações do Iluminismo, marcado pelo ressentimento de figuras afinal pouco exemplares, como Voltaire ou Rousseau, que se julgavam iluminados – ou pelo saber ou pela casta a que pertenciam, a dos inteletuais da era da Razão. No seu novo livro, Bárbaros e Iluminados. Populismo e Utopia no Século XXI (D. Quixote), outro dos livros do ano, Jaime Nogueira Pinto aborda o problema de forma semelhante e desenha um confronto entre bárbaros e iluminados – em que estes são os herdeiros das utopias e da Razão, cercados pelos bárbaros (de Trump aos populistas europeus) e inimigos das Luzes e das suas conquistas, num mundo em que cresce a tentação pelo autoritarismo. Ondas de raiva, tempo de ressentimento – periodicamente somos assaltados pelos demónios da destruição.

[Da coluna no CM]

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Convidar Dijsselbloem para uns copos.

por FJV, em 06.12.17

Tenho uma morigerada simpatia por Mário Centeno. Aliás, tirando certa espécie de indivíduos (que vegetam entre a intriga no partido, a chefia de uma secretaria e a subida na atenção dos chefes, sempre com ar hirsuto), tenho simpatia por quem se atreve a servir num governo, espatifando a sua vida em nome da chamada pátria. Portanto, não percebo a vantagem de presidir ao Eurogrupo tirando a de ser português e de desmentir Marques Mendes. Em primeiro lugar, trata-se de substituir um socialista por outro (embora o PS tenha vendido a ida de Centeno como uma espécie de revolução dos povos, Dijsselbloem é socialista), abençoado pelos ocupantes de Berlim e Bruxelas (como Merkel), esses fascistas a quem Centeno vai explicar o que são cativações. Depois, toda a irrelevância de que o Eurogrupo foi acusado pelos socialistas locais não deixará de manter-se, a menos que mordam a língua (o que fazem com frequência) – sim, foi a maldosa Europa “que não é séria” a escolher Centeno, incluindo Dijsselbloem, que foi um bom presidente, e a quem há de convidar para uns copos. Pagando, claro.

[Da coluna no CM]

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Gershom Scholem, 1897-1984.

por FJV, em 05.12.17

  

 Gershom Scholem nasceu há exatamente 120 anos em Berlim (a 5 de dezembro de 1897), e morreu em Jerusalém em 1984 – na ocasião coube ao filósofo Jürgen Habermas fazer seu elogio fúnebre: a descrição de um sábio, um leitor impenitente (lia alemão e inglês, hebraico, grego, latim e aramaico), um homem rigorosamente do seu tempo (amigo de Walter Benjamin e de Leo Strauss) que foi ao passado buscar as raízes do mais radical dos misticismos, a cabala judaica. Um dos seus irmãos era de direita, outro era comunista – Gershom foi um místico dedicado à história do judaísmo, ao estudo da relação entre o finito e o infinito, entre o mortal e o imortal, e a estabelecer o edifício de uma nova religiosidade que existe para lá da ortodoxia. Jorge Luis Borges, que foi um seu leitor dedicado, recebeu a sua inspiração, tal como George Steiner, Umberto Eco ou Derrida reconheceram o seu génio e a sua influência como um génio da imaginação. Susan Sontag falava da sua capacidade para detetar a tristeza (que ele tanto via em Benjamin), um dos sinais do século XX. Sim, os seus livros estão esgotados.

[Da coluna no CM]

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Dez anos de parvoíce ninguém nos tira.

por FJV, em 04.12.17

Durante a bela conversa (700 pessoas ao ar livre, ao princípio da noite de sexta-feira passada, 4 graus, mantas nos joelhos) entre Michael Palin e Ricardo Araújo Pereira, no Festival Literário de Viseu (Tinto no Branco), o membro dos Monty Python referiu-se ao ‘politicamente correto’ (PC) e ao medo de dizer o que se pensa – porque pode suscitar “ondas de indignação”. Só um louco se atira de frente contra essa muralha. Mas o PC não tem apenas a ver com a correção política e “sentimental” dos tempos que correm. Veja-se a celebração do Natal, uma festa religiosa global, é certo, mas de raiz cristã – as empresas, as instituições, as pessoas, evitam desejar ‘Bom Natal’ e passaram a mencionar “as festas” para não “ofender os excluídos”, como se a celebração do Ramadão me tornasse um “excluído” ou não assinalar o Yom Kippur me transformasse num marginalizado. O PC é uma muralha letal que tanto proíbe o “quadro de honra” nas escolas como falsifica a História para que ninguém se queixe de ter sido derrotado ou ninguém tema ser quem é. Dez anos de parvoíce ninguém nos tira.

[Da coluna no CM]

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Zé Pedro. Ponto.

por FJV, em 01.12.17

O Zé Pedro era um cavalheiro do rock. Com tudo o que isso transporta – vários grãos de loucura que o acompanharam nos seus passos pelo lado errado da vida; e outros tantos de elegância e generosidade. Era um guerreiro do rock que não se converteu ao pop (nunca perdeu os seus laços com o punk), e isto é um grande elogio; um dos rostos mais ilustres do palco, dentro – naturalmente – e também fora dos Xutos. Conheci-o para falarmos de livros – ele lia bastante, como tem de fazer uma boa estrela do rock – e fiquei surpreendido com a sua erudição, o seu conhecimento da história da música e da história da literatura ou o seu interesse pela poesia. Um dia tive a sorte de assistir a uma conversa deliciosa do Zé Pedro com Tony Bellotto (guitarrista e compositor dos Titãs, a banda brasileira, autor de romances policiais – o Zé Pedro apresentou um desses livros): foi uma grande lição sobre a natureza, a identidade e a densidade do rock dada por um homem genuinamente bom, informado, jovial, que era agradável ouvir. Fiquemos em silêncio por instantes, como um último acorde.

[Da coluna no CM]

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