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São cada vez mais populares na Austrália, segundo o The Guardian (por isso não desconfiem já de mim), as aulas e cursos livres de gramática. Leram bem. Gramática. É uma ocupação de classe média e grupos tão diversos como advogados, editores, professores ou médicos e responsáveis da administração pública recorrem a esses cursos. E porquê este interesse por orações subordinadas, complementos diretos, verbos irregulares ou apenas pura ortografia e filologia? Porque, escreve Kate Jinx, escritora e realizadora, a gramática foi desvalorizada e eliminada dos currículos escolares a partir dos anos 70 – e surge, desvairada, a “síndrome do impostor”, ou seja, a sensação de que, independentemente do grau de sucesso da sua carreira profissional, há uma clara falta de bases lá atrás, e por culpa do sistema de ensino. Escrever corretamente, escrever em bom Português, apreciar as lições dos mestres, também deixou de ser uma preocupação geral; basta a “competência comunicativa”, uma coisa que permite que um cachorro estenda a pata à dona ou que saibamos onde é a casa de banho num hospital.
[Da coluna do CM]
Há uns tempos apareceu na baixa lisboeta um grafito que anunciava o seguinte: “Camões, o totó do imperialism [sic] colonial esclavagista.” A acompanhar a frase, uma suástica. Agora, vieram os protestos (organizados por uma associação intitulada Descolonizando) contra a colocação de uma estátua do padre António Vieira no Largo Trindade Coelho, também em Lisboa – por parte, diz a ficha, de “investigadores, professores, artistas e activistas de diversas nacionalidades”. Trata-se da tendência, importada – e sem tradução – dos EUA e de Inglaterra sobretudo, e que visa limpar o passado dos sinais do passado, sobretudo dos seus autores. É claro que, tanto no caso de Camões como no de Vieira (considerado estupidamente um “esclavagista seletivo”) – como no de Diogo do Couto ou Fernão Mendes Pinto, para abreviar, mas a lista pode estender-se – não interessa aos justiceiros estudá-los ou situá-los no seu tempo, mas arrematar uma bandeira e colar-lhes o labéu de criminosos. Eça era um machista, Camilo um miguelista e, se não me engano, a Língua Portuguesa um trapo fascista. Vamos para bingo.
[Da coluna do CM]
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