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Naquele filme divertido de John Huston, ‘A Honra dos Padrinhos’, Jack Nicholson e Kathleen Turner jantam e trocam uma primeira promessa de amor ao som de ‘Noche de Ronda’, em versão ‘mariachi’ – mas é um bolero, um dos mais belos. Ninguém deu pela canção – mas é de uma beleza única. O seu criador, o mexicano Augustín Lara, é também o intérprete eterno de ‘Arráncame la Vida’ (um tango imortal), de ‘Granada’, ‘Piensa em Mí’ (que tem uma versão almodovariana de Luz Casal), ‘Veracruz’ (que deu o título do romance de Enrique Vila-Matas), ‘Solamente una Vez’, ‘Amor de mis Amores’, a lista é imensa, e as suas canções mereceram a voz dos grandes intérpretes de música latina – e de boleros, a grande canção da tristeza amorosa. Na sua monumental antologia de poesia mexicana, Gabriel Zaid incluiu Agustín Lara (nomeadamente o poema ‘Janitzio’) – justíssima homenagem da literatura a um dos grandes poetas da música mexicana (“Arráncame la vida, con el último beso de amor.”), nascido há 120 anos, cumpridos hoje (1897-1970). Vão ao Spotify, vão ao YouTube, mas oiçam Agustín Lara. É único.
Trata-se de um desporto nacional cujas consequências são sempre as mesmas: nem uma pedra se movo no ediício do Eurogrupo. Agora, foi o CDS que decidiu bater em Dijsselbloem porque o seu mandato foi prolongado por motivos «técnicos» (ninguém quer ficar com aquilo, e o contabilista de mercearia que está guardado ainda não pode ir), fazendo boa figura junto do povo e tentando livrar-se da sua própria história. Mas, na verdade, Dijsselbloem é uma espécie de Bei de Tunes – há falta de tema?, bata-se em Dijsselbloem. Nem ele tem importância, nem ninguém leva a mal se se bater nele um tantinho. Tirando o facto de Dijsselbloem ter razão no que disse e no que diz.
Em Cambridge vai uma grande discussão em torno dos autores BAME (sigla de ‘black, asian and minority ethnic’, negros, asiáticos e minorias étnicas) – e da ideia de “descolonizar” o currículo de autores estudados na universidade. Ao contrário do que é suposto acontecer, e antes que apareçam patetas de imitação, é bom lembrar que Portugal tem uma experiência interessante nessa matéria, não só pela proximidade em relação a autores não europeus que publicam na nossa língua (Mia, Agualusa, Pepetela, Germano Almeida, Chiziane, Ba Kha Khossa, J.L. Tavares, Luís Cardoso), mas também pelo facto de a edição portuguesa dar destaque a autores das áreas BAME, de Chimamanda Ngozie Adichie a Teju Cole, de Arhundati Roy a Toni Morrison ou Madeleine Thien. O grande problema é que a universidade preguiça bastante entre nós, ao contrário da chamada “sociedade civil” – e o seu problema não é tanto o da abertura aos autores BAME como o da existência de leitores disponíveis dentro daquelas paredes, sendo que alargar o cânone de autores não significa assassinar os já estudados. Mas esse é outro combate.
[Da coluna no CM]
Não demos o devido destaque à nomeação do ditador Robert Mugabe, o nazi de Harare, Zimbabué, como “embaixador da boa vontade” da Organização Mundial de Saúde. Na verdade, a notícia não é essa mas sim o facto de a OMS ter “repensado” a sua decisão e ter-lhe retirado o honroso encargo. Isto foi tão chocante que deixou o mundo em silêncio. Bem vistas as coisas, Cuba, China, Venezuela, Congo e Arábia Saudita estão no conselho de direitos humanos da ONU – Mugabe podia ser nomeado rainha de Inglaterra que ninguém ia protestar. Aliás, Mugabe (acusado de roubo, genocídio, limpeza étnica e massacres contra a oposição) foi nomeado pela ONU, em 2011, embaixador para a área do turismo (não riam já), ao lado de personalidades como Drew Barrymore, David Beckham, Orlando Bloom ou Ricky Martin. A ONU tem vindo a servir-se do dinheiro de todos os países para promover agendas ideológicas particulares (no caso da UNESCO) e prestar servicinhos a tudo quanto é ditadura da linha da frente. Se este recuo da ONU se fica a dever a António Guterres, trata-se de um grande triunfo do seu mandato.
[Da coluna no CM]
Um tribunal do Porto cita a Bíblia – e um precioso código de antanho – para despenalizar a violência de um marido que já não o era. Justifica-se: há partes da Bíblia que decretam a pena de morte por bem menos, e estou a ver os juízes a usar o Levítico e o Deuteronómio no dia a dia, decepando filhos e noras por comerem toucinho. Eis o que aconteceu segundo o relato do meritíssimo: Y, rejeitado amante de A, raptou-a, trancando-a no carro – e chamou o marido traído, X; este, comparecendo de moca, agrediu a antiga esposa, enquanto Y desandava. Isto é uma história de Camilo Castelo Branco em Felgueiras: um amante cobardolas mancomunado com um ex-marido despeitado (o que há mais). Que seja assim na literatura, ou na vida real, ou num filme de Almodóvar, entende-se; mas que um juiz decida que, para cumprir o argumento canalha (e não a lei), seja necessário humilhar e desrespeitar uma mulher livre, desculpabilizar amante e ex-marido (porque andavam deprimidos por causa do adultério), é caso de manicómio. Em Camilo, ao juiz, ao amante e ao ex-marido, já lhe tinham traçado o destino. E bem.
[Da coluna no CM]
Duas medidas simples. A primeira: sensibilizar os portugueses para a ideia de árvore. Para o conhecimento das árvores, a proteção das árvores – uma educação para a árvore e para a sensibilidade. Milhares de portugueses das “novas gerações”, criados entre quatro paredes e bairros urbanos, apesar de atribuírem (erradamente) todas as culpas ao eucalipto, não sabem que variedades existem, desconhecem o seu porte, ignoram o desenho da árvore. Bem como do pinheiro. Do carvalho ou da nogueira, do plátano ou do liquidâmbar. Não podem conhecer o valor da floresta se não comunicarem com as árvores e não perceberem como é importante amar as florestas e as árvores urbanas (como em Guimarães ou no Porto – onde há belas árvores nas ruas). A segunda (o Presidente falou dela): conhecer o interior do País, mitigar a solidão do interior – aqueles dois terços do território onde vive um quarto da população. No início, havia jornalistas que não sabiam onde era Pedrógão, a Sertã, Gouveia ou nomes que entretanto – infelizmente – entraram no nosso léxico. Em ambos os casos, trata-se de ignorância.
[Da coluna no CM]
Ninguém se recorda hoje de Jean-Pierre Melville, não só por ser francês, mas também porque a sua obra nunca foi verdadeiramente popular, tirando talvez o caso de Cai a Noite Sobre a Cidade (de 1969), uma tradução livre para Un Flic (Um Chui), com Alan Delon e Catherine Deneuve. É uma história de maus e bons que amam a mesma mulher (o ‘mau’ é Richard Crenna, que mais tarde apareceria em Rambo ou em Noites Escaldantes, de Lawrence Kasdan). O mundo dos ‘maus’ aparece frequentemente em Melville, como em Ofício de Matar (Samurai, 1970), também com Delon, que é o primeiro rosto de O Círculo Vermelho, com Gian Maria Volonté e Yves Montand. Melville (o apelido verdadeiro é Grumbach, mas quis homenagear o autor de Moby Dick) é uma das estrelas do film noir, o policial francês. A sua dimensão literária é permanente (em 1949 realiza Le Silence de la mer, adaptando o romance de Vercors); melancólico, nostálgico, depressivo, o seu olhar capta a solidão de heróis perdidos e funestos. Passam hoje 100 anos sobre o seu nascimento e, tal como a própria melancolia, é um nome fora de moda.
[Da coluna do CM]
Tristão da Cunha, primeiro vice-rei da Índia (e primo do seu sucessor, Afonso de Albuquerque), nunca pôs o pé na ilha de Tristão da Cunha, que descobriu em 1506, e que é hoje domínio inglês (aliás, cegou e não chegou a ocupar o cargo na Índia, acabando por ser ele o organizador da embaixada de D. Manuel ao papa Leão X). A mesma coisa aconteceu com Gonçalo Álvares, navegador de Vasco da Gama, que nunca pernoitou na ilha de Gonçalo Álvares, a 400 quilómetros. Nenhuma destas ilhas (6 no total), parte do arquipélago de Tristão da Cunha, tem aeroporto; é preciso apanhar um navio na África do Sul, mas sem carreira regular. A 2400 quilómetros fica Santa Helena (4 mil habitantes), a capital do território britânico de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha. Quem descobriu Santa Helena, onde Napoleão morreu no exílio? Um navegador ao serviço de Portugal, João da Nova, que também descobriu Ascensão (1501). O primeiro ocupante da ilha foi o soldado português Fernão Lopes, que aí viveu em completa solidão por 30 anos depois de ter sido desfigurado às ordens de Albuquerque por, em Goa, se ter passado para o inimigo e se ter convertido ao Islão. Resumo da história: no sábado passado foi inaugurado o aeroporto de Santa Helena. Digam lá se não dava um filme.
[Da coluna do CM]
Segundo o Expresso: «Moção de censura é uma “manobra” com “objetivos partidários”, diz PCP.»
O Bloco de Esquerda, essa grande picareta que há anos pedia demissões aos gritos, dia sim, dia não, vem com ar compungido, dizer que a demissão da MAI não resolve nada. Se a hipocrisia contasse, o BE tinha maioria absoluta entre os caras de pau.
É um estado de guerra e de dor no país. 38 mortos. No domingo atravessei-o, entre colunas de fumo e de fogo; quem ouvisse as autoridades – pelo rádio do carro – dir-se-ia ser inevitável: trágico, terrível, não há nada a fazer, “vai ser pior”. Temi que tivessem endoidecido quando um tipo sensato como Jorge Gomes entrega as armas do Estado e diz que temos de nos autoproteger e não esperar ajuda dos bombeiros ou dos aviões. Ou seja, as mesmas autoridades que decidem que temos de comer mais arroz carolino do que quinoa falham depois na tarefa essencial de proteger aldeias, bens e pessoas – e uma ministra em estado de negação lembra que por ela até se demitia para ter as férias que lhe devemos. Ah, a dificuldade de governar. Ah, a ingratidão pela “maior reforma nas florestas desde D. Dinis”. Ah, a reforma da proteção civil. Desejam-se inquéritos para salvar a pele dos camaradas – mas não para esclarecer os governados e honrar os mortos e sobreviventes. E era difícil prever isto? Não. A meteorologia tinha-o escrito. A arrogância e o desprezo que têm pelo país está a fazer o resto.
[Da coluna do CM]
O primeiro-ministro compareceu hoje na conferência de imprensa sobre os incêndios para dizer que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil. A cada pergunta colocada, o primeiro-ministro respondia que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil. Quando alguém lhe perguntou se iria manter a ministra da Administração Interna, o primeiro-ministro respondeu que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil. A propósito das falhas registadas durante este fim de semana, o primeiro-ministro lembrou que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil. No caso das competições europeias de futebol desta semana, o primeiro-ministro lembrou que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil. Quando uma jornalista lhe perguntou se gostava mais de arroz carolino ou de quinoa, o primeiro-ministro recordou que o governo vai realizar um conselho de ministros extraordinário a fim de analisar o relatório que lhe foi entregue e avançar para a reforma das florestas e da protecção civil.
Qual o verdadeiro tamanho do pénis de Romelu Lukaku, o futebolista belga contratado pelo Manchester United por 100 milhões de euros? Segundo um grupo de adeptos das bancadas de Old Trafford (quase todos branquelos, se me permitem o abuso), rondaria os 61 centímetros (ou seja, 24 polegadas, medida inglesa). Pelo menos é isso que garantem num cântico que celebra os sete golos que Lukaku marcou em sete jogos (se tirarmos o que marcou na seleção belga): “Ele tem um pénis de 61 centímetros [He’s got a 24inch penis]”, ouve-se a certa altura. Num verso é preciso ter em conta a métrica. No entanto, o grupo de luta anti-discriminação racial Kick It Out considera que o cântico dos fãs é ofensivo e discriminatório para Lukaku, uma vez que assenta no estereotipo racista de que os negros têm um pénis maior – e, além de preparar denúncias à polícia contra quem entoar o “cântico discriminatório”, pretende que o assunto seja discutido numa reunião do grupo com a federação de futebol e o Manchester United, a fim de pôr fim ao verso racista e, quem sabe, aparar um pouco do próprio Lukaku.
Houve um tempo em que a Finlândia era o modelo. Se na pátria de Sibelius as turmas de liceu tinham 17 alunos, nós expulsávamos o 18.º. Se na Finlândia tinham deixado de estudar sentados, em Portugal eliminavam as cadeiras. Se lá escreviam tudo em tablets, nós queimaríamos os cadernos. Lembro-me de um primeiro-ministro, orgulhoso de as crianças da primária passarem – como na Finlândia – a desenhar formas geométricas nas aulas, não com giz num quadro, mas com a ajuda de um computador. Ainda houve quem dissesse que desenhar um hexâmetro à mão era pedagogicamente mais indicado – mas para quê? Havia a Finlândia, onde, aliás, deixaria de se escrever à mão. Ora, a Finlândia é um país belíssimo, mas tem muitas coisas idiotas. O CM de anteontem comoveu-me com a imagem de Prakriti Malla, uma nepalesa de 14 anos que tem a mais bela caligrafia do mundo; a sua letra é maravilhosa, perfeita, pode ser lida por todos. Sou um fanático de “escrever à mão”: a letra manuscrita completa-nos, ajuda-nos a pensar melhor, a compreender melhor e cuidar da nossa língua. Vão lá à net ver a caligrafia de Malla.
[Da coluna do CM]
A “Operação Marquês” vai arrastar-se pelos tribunais nos próximos dois anos – será pasto de “manobras judiciais”, discussões sobre provas, suspeitas e desmentidos, argumentos e barulheira. Mas é sobretudo um retrato do país e das oligarquias que se instalaram em redor do Estado e lançaram as suas redes por todo o lado – porque, também elas, têm horror ao vazio. É uma misturada: capital financeiro, negócios favorecidos pelo Estado e pelas grandes corporações, capacidade de influenciar e de destruir, de roubar e de tirar partido mas, sobretudo, de usar o poder em nome das suas famílias. No fundo, dois séculos de história. Pega-se num fio, e vamos dar aos arrivistas que chegam à política vindos da província e que querem enriquecer “como os outros”, que já são ricos e têm pé de meia. Pega-se noutro, e chegamos à perigosa endogamia da banca e dos negócios – gente que sabe pagar os seus serviços. Pega-se num outro e deparamos com serviçais que aprenderam a fazer empresas de papelão. Milhões. É um processo de milhões que se colam ao nome de gente poderosa para quem o país é um obstáculo.
[Da coluna do CM]
O Prémio Maria Isabel Barreno é atribuído a “mulheres criadoras de cultura” e não cabe aqui discutir o mérito de cada uma das premiadas (nas edições de 2013 e de 2016 – a lista foi anunciada ontem), segundo a avaliação da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e de um departamento do Ministério da Cultura. Pelo contrário: há quase unanimidade na apreciação desses nomes – e escolher Paula Rego ou Joana Carneiro, Elisabete Matos ou Bárbara Bulhosa, Joana Villaverde ou Cristina Paiva apenas entre 52% da população (ou mulheres portuguesas da “cultura portuguesa”) acaba por, injusta e involuntariamente, reduzir-lhes o mérito: elas distinguem-se entre os 100% de portugueses, homens e mulheres. Portanto, premiar mulheres distintas por serem mulheres não é valorizar o seu lugar. Na literatura como no cinema, na edição, nas artes plásticas, no jornalismo, na invenção da vida de todos os dias, as mulheres têm um papel cada vez mais importante, decisivo – e também maioritário. Lutar pela igualdade de género “nas artes” é ridículo. As mulheres estão lá por mérito e na primeira linha.
[Da coluna do CM]
São cada vez mais populares na Austrália, segundo o The Guardian (por isso não desconfiem já de mim), as aulas e cursos livres de gramática. Leram bem. Gramática. É uma ocupação de classe média e grupos tão diversos como advogados, editores, professores ou médicos e responsáveis da administração pública recorrem a esses cursos. E porquê este interesse por orações subordinadas, complementos diretos, verbos irregulares ou apenas pura ortografia e filologia? Porque, escreve Kate Jinx, escritora e realizadora, a gramática foi desvalorizada e eliminada dos currículos escolares a partir dos anos 70 – e surge, desvairada, a “síndrome do impostor”, ou seja, a sensação de que, independentemente do grau de sucesso da sua carreira profissional, há uma clara falta de bases lá atrás, e por culpa do sistema de ensino. Escrever corretamente, escrever em bom Português, apreciar as lições dos mestres, também deixou de ser uma preocupação geral; basta a “competência comunicativa”, uma coisa que permite que um cachorro estenda a pata à dona ou que saibamos onde é a casa de banho num hospital.
[Da coluna do CM]
Há uns tempos apareceu na baixa lisboeta um grafito que anunciava o seguinte: “Camões, o totó do imperialism [sic] colonial esclavagista.” A acompanhar a frase, uma suástica. Agora, vieram os protestos (organizados por uma associação intitulada Descolonizando) contra a colocação de uma estátua do padre António Vieira no Largo Trindade Coelho, também em Lisboa – por parte, diz a ficha, de “investigadores, professores, artistas e activistas de diversas nacionalidades”. Trata-se da tendência, importada – e sem tradução – dos EUA e de Inglaterra sobretudo, e que visa limpar o passado dos sinais do passado, sobretudo dos seus autores. É claro que, tanto no caso de Camões como no de Vieira (considerado estupidamente um “esclavagista seletivo”) – como no de Diogo do Couto ou Fernão Mendes Pinto, para abreviar, mas a lista pode estender-se – não interessa aos justiceiros estudá-los ou situá-los no seu tempo, mas arrematar uma bandeira e colar-lhes o labéu de criminosos. Eça era um machista, Camilo um miguelista e, se não me engano, a Língua Portuguesa um trapo fascista. Vamos para bingo.
[Da coluna do CM]
Procedem-se atualmente a grandes reflexões acerca da derrota do PCP nas eleições autárquicas (sendo a do PSD muito mais fácil de explicar) – personagens graves, hirsutas, compenetradas, invocam as sibilas para tentarem perceber o que levaria tantos cidadãos e munícipes a negarem o seu voto ao PCP. O secretário-geral do partido recusa esse debate; não lhe interessa – mas, em vez de uma grande intervenção à maneira de Bertold Brecht (“dissolver o povo e eleger outro”) deixa o aviso: os apóstatas vão arrepender-se em breve, porque lhes vai faltar o braço do Partido e a áspera sapiência dos seus autarcas. As explicações são muito em surdina e assentam em vários ordenamentos sociológicos e ideológicos, como por exemplo a traição pesada que representa a aliança comunista com os socialistas, uma espécie de subserviência que os velhos militantes leninistas vituperam. Argumento sólido, sem dúvida. Mas, no meio disto, ninguém põe sequer a hipótese de os eleitores terem finalmente considerado que, cem anos depois da revolução soviética do seu destino, já não querem votar no PCP.
[Da coluna do CM]
Portanto, em dia de futebol, a abstenção desceu.
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