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Era um dos meus atores preferidos – por causa de Os Eleitos (1983), sim, o filme de Philip Kaufman (a partir de um livro de Tom Wolfe). E não por causa de Chuck Yeager, o personagem, mas do próprio Sam Shepard (1943-2017), o ideal naquele papel sedutor. O cabelo, o olhar, a roupa, os aviões, a dolência, as cervejas, a insistência em sonhar (e o casamento com Jessica Lange ou o namoro com Patti Smith) – tudo o indicava para ser o modelo de um aventureiro tranquilo, aquilo que nós queríamos ser na minha geração. Mas Shepard era também um guionista de eleição, literário, melancólico (como acontece com ‘Zabriskie Point’, de Antonioni), desesperado (como é o caso de ‘Paris Texas’, de Wim Wenders) ou ainda sobre tudo o que falha na vida (escreve a peça de teatro e, depois, o guião de Fool for Love, de Robert Altman). Pulitzer de teatro, Shepard é também o autor de dois belos livros de histórias, Crónicas Americanas (Motel Chronicles) e Atravessando o Paraíso, ambos dos anos 80 – o tempo de que foi um ícone de beleza e perdição. A sua morte, anteontem, não estava prevista.
Se se lembrarem de ‘Viva Maria’ (1965), de Louis Malle, hão-de recordar-se de Jeanne Moreau ao lado da sex symbol da época, a Bardot. Ao contrário desta, que respirava uma energia visível, um perfume juvenil e corporal, Moreau pairava mais atrás, como uma beleza sem descrição, tão subtil como em A Noite, de Antonioni (1961), com Mastroianni e Monica Vitti (o seu contraste), tão perversa como no filme-escândalo da temporada, Les Amants (1958), de Louis Malle (onde interpreta o papel de uma mulher casada que trai o marido e o amante) ou tão inesperada que só podia ser retocada por mão de mestre em Jules e Jim (um triângulo amoroso) pela sensibilidade de Truffaut (de 1962), que havia de amadurecê-la em A Noiva Estava de Luto (1968), depois de passar pelas mãos de Luis Buñuel no cru Diário de uma Criada de Quarto (1964). A sua beleza era pérfida (veja-se Ligações Perigosas, de Roger Vadim, 1959), difícil e de um erotismo malvado (Orson Welles coloca-a em Macau em Uma História Imortal, adaptação do texto de Karen Blixen) – não era para meninos, se me faço entender.
Em 1871, a fim de resolver “o problema das colónias”, Eça de Queiroz recomendava que as vendêssemos (ao metro quadrado, que era mais lucrativo). A ideia não vingou e “o problema das colónias” estendeu-se por mais cem anos. A fim de informar os portugueses sobre “o problema dos incêndios”, o governo mandou que toda a comunicação se concentrasse em Carnaxide, de onde a Proteção Civil poderá falar sobre paragens que os portugueses também não conhecem (e não é por isso que a informação prestada é melhor; pelo contrário, está cheia de manipulação). Vamos lá: trata-se de dois terços do território onde vive menos de um quarto da população. O vice-presidente da Câmara de Mação, António Louro, pôs o dedo na ferida: não só há um falhanço completo no combate aos incêndios, como há uma falência da nossa paisagem rural bem como um avanço da desertificação rural e do abandono do território. Coisas que estão ligadas. Uma das formas de resolver a situação (“o problema do interior”) é vendê-lo ao metro quadrado, ficando parte dos lucros destinado a promover o festival da Eurovisão em Lisboa.
Periodicamente, os tribunais portugueses produzem textos magníficos – à semelhança do que acontece em outros países onde os acórdãos vêm com suplementos de rococó e os seu redatores têm pontaria para a má gramática. Neste caso, de que os leitores se recordam e de que ontem o CM se fez eco, um tribunal considerou que a indemnização a uma senhora de 50 anos – depois de uma intervenção cirúrgica mal sucedida e que praticamente a impedia de ter relações sexuais –podia muito bem ser reduzida porque, vamos lá, nessa idade “a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens”. Sim, há outras coisas (a cozinha, as conferências da Proteção Civil, o voyeurismo, o tai-chi, a lista vai por aí adiante), mas a sexualidade aos 50 anos é muito interessante. Reduzi-la a uma prática para adolescentes e procriadores não me parece decente. As heroínas de Balzac, que no Séc. XIX tinham 30 anos, teriam hoje 45, a idade em que tudo recomeça e que, valha-nos Deus, torna as pessoas interessantes. O Tribunal Europeu condenou Portugal por discriminação sexual. Devia ser por inanidade.
Não vale a pena – por ser tão óbvia – discutir a duplicidade de critérios usada pelo Bloco de Esquerda para as questões “da cultura” há três anos e hoje. Mas há uma questão levantada ontem por Catarina Martins que merece reflexão (e na qual, como de costume, a líder do partido mistura tudo): a necessidade de investir mais dinheiro no património cultural edificado. Um estudo realizado pelas estruturas do turismo do Porto e Norte, já em 2012, mostrava que cerca de 60% dos turistas estrangeiros apontavam o património como a razão principal da sua visita. Ora, uma percentagem considerável do orçamento da cultura é aplicada no restauro e proteção do património – mas não basta, nem é justo que seja apenas esse orçamento diminuto a suportar as despesas. É necessário que o sector do turismo pague a sua fatura – e é, enfim, uma das razões válidas para a existência de uma “taxa turística” (que a hotelaria se apressa a criticar hipocritamente) a aplicar na proteção do património. Até agora tem sido apenas a cultura a suportá-lo. Mas a indústria tem de perceber que o seu sucesso tem um preço.
O respeito pelos mortos não pode ser limitado pelo segredo de justiça. Sublinhemos o “não pode” mesmo se isso contrariar certos juristas – porque há um sentido para a dignidade dos vivos e dos mortos, e nós temos o direito de conhecer essa condição. A forma inábil como as autoridades lidam com este problema deve-se ao facto de pensarem que tudo é responsabilidade Estado e que a verdade põe em causa a sua autoridade. Por isso, e independentemente de se duvidar da existência de uma “lista secreta” (que seria uma indignidade de patife, como escrevi ontem), não é possível nem decente invocar o segredo de justiça para impedir o esclarecimento integral do número de mortos causados pela tragédia de Pedrógão. Espanta-me a indiferença do meu país (que se escandaliza por tantas ninharias) diante deste caso. Escandaliza-me a invocação do segredo de justiça para não ser dado um nome a cada uma das vítimas. Hélia Correia escreveu um livro intitulado O Número dos Vivos; mas o país desceu tão baixo que não se inquieta com o número dos mortos nem com os que andam a silenciar os sobreviventes.
Em 2006, o governo pressionou a RTP a censurou a informação sobre os incêndios. Fez censura. Esperava-se que as autoridades tivessem aprendido alguma coisa com essa grosseira tentativa de manipulação da opinião pública. Não só não aprenderam como a Proteção Civil tenta agora manipular de novo essa informação; é um velho hábito. O problema é que, desde o primeiro minuto, ninguém acredita na fiabilidade das informações oficiais. Como o desastroso Siresp, vão falhando sucessivamente. Até chegarmos ao número das vítimas mortais. Neste fim de semana circulavam informações, algumas delas bastante credíveis, sobre a possibilidade de o número de mortos ser bastante superior aos que constam nos dados oficiais. A gravidade sem par desta acusação, a ser confirmada, é mais do que escandalosa – constitui uma falta de respeito para com todos os portugueses, mas especialmente para com aqueles que sofreram a tragédia de Pedrógão e ainda permanecem abandonados e sem apoio; porém, esconder os mortos e falsear o seu número em nome das sondagens de opinião seria uma indignidade de patife.
Se tudo tivesse corrido bem, Philip Seymour Hoffman (1967-2014) festejaria os seus 50 anos este domingo. Uma ninharia. Mas não sobreviveu nem às drogas nem à depressão. Tirando isso, que é triste e não tem o glamour da vida do rock’n roll, Hoffman foi um dos grandes atores que dava gosto ver: transformava qualquer papel secundário (O Grande Lebowski, Os Idos de Março, O Mentor, Magnolia) num papel definitivo, de que nunca nos esquecíamos – e fazia de cada papel principal (Capote, Doubt, O Homem mais Procurado) uma obra de arte que prometia sempre um degrau seguinte. Transfigurava-se em qualquer dos papeis, o que era fácil porque Hoffman encarnava todos eles – pairava sobre as histórias, controlando-as sem as falsificar; dominava o ecrã, porque sofria com cada personagem. Em Capote é maravilhoso; em O Homem mais Procurado (que adaptava um livro de Le Carré), ao lado de Rachel McAdams, Dafoe ou Robin Wright, transformou o thriller numa arte sumptuosa; em O Mentor, vulgarizou Joaquin Phoenix e embelezou Amy Adams. Quanto à sua morte, nunca lha perdoaremos.
Jane Austen (1775-1817) morreu há 200 anos. Há por aí uma parafernália de tolos modernos e pós-modernos que não leram Austen por preconceito e a declaram uma autora “conservadora”, queimando-a das fogueiras do seu fervor inquisitorial. Acontece que, na literatura europeia, Jane Austen está ao lado de Shakespeare, de Dickens ou talvez de Dostoievski, Flaubert e Nabokov como criadora de personagens que nos inventaram e tornaram possível a nossa época: Orgulho e Preconceito, bem como Sensibilidade e Bom Senso e Mansfield Park são monumentos que albergam ironia, triunfo cómico (sem perder êxtase romântico), sentido do detalhe, e uma extraordinária elegância da sua prosa. Persuasão, livro póstumo, é um prodígio de intensidade, a mesma que rodeia a relação de Miss Bennett e de Mr. Darcy, os personagens de Orgulho e Preconceito, romance único do nosso cânone (Miss Bennett é uma das personagens mais irónicas, espirituosas e revolucionárias da literatura europeia). O seu génio é tão elevado como a sua capacidade de analisar a sociedade e os preconceitos do seu tempo – e do nosso.
Cristiano Ronaldo teve gémeos que lhe chegaram em perfeitas condições, mas, li não sei onde, mostrou-se surpreendido com a gravidez não planeada da sua namorada. Lemos isto com a sensação de uma certa normalidade, mas é bom esclarecer que o assunto não tem a ver com CR7. Tem a ver com o mundo onde uma pessoa rica o suficiente para não olhar a despesas, quando quer filhos — encomenda-os. Paga-os provavelmente acima da tabela. Estabelece regras que a portadora do seu filho cumpre. Fá-lo porque quer ter filhos e paga-os porque não quer ter problemas com a mãe biológica – não os adota; quer o processo todo sob o seu controle. É um contrato sigiloso, escrito por advogados caros e não diz respeito à nossa vida de pobres mortais. Não faço juízos morais sobre a vida dos outros – e acho que há assuntos na vida privada que não têm qualquer forma de discussão pública. De qualquer forma, o mundo dos ricos não é igual ao nosso: querem um filho, encomendam um. Se possível sem correr riscos, porque a vida do grande glamour é incompatível com esses riscos e com as imperfeições humanas. Admirável mundo novo.
O mito de Lula como herói do povo não tem pés de barro: ele é mesmo herói do povo – há muito tempo foi parte dele, sabe falar a sua linguagem e imitá-lo nos seus defeitos, o que não garante a santidade de ninguém, muito menos de um homem que deixa atrás de si aquele rasto. Nada me fascina na figura. É um apedeuta, orgulhoso da sua ignorância, falando contra “as elites” de que dependeu e que o apaparicaram. Quando era dirigente sindical, a Odebrecht pagou-lhe para cancelar greves. Quando era presidente fingiu ignorar tudo o que passava à sua volta – uma malha de corrupção que envolveu o governo e o seu partido, transformado num instrumento de domínio da sociedade e do Estado. Num país de pobres humilhados por uma das classes de ricos mais imbecis do mundo, o PT prometia ética e justiça; Lula distribuiu riqueza, permitiu e desculpando a corrupção como nunca na história do país (veja-se o Mensalão), julgando-se acima da lei. Ontem, alguns “intelectuais & artistas” manifestavam o seu estupor e protesto queixando-se da justiça. Como de costume, não esqueceram nada, não aprenderam nada.
O que pode fazer um escritor por nós? Inventar-nos. Inventar-nos outra vez, e assim sucessivamente, até nos confrontarmos com a nossa imagem no espelho do livro. É assim que acontece com os grandes autores – de Lucas e João a Shakespeare ou Pessoa, passando por Jane Austen ou Dostoievski, por Melville ou Bolaño. Não é o que dizem os sacerdotes do patrulhamento ideológico, para quem um autor é tanto “melhor” quanto mais alinhado está com as doutrinas em voga. Jane Austen, a autora de Orgulho e Preconceito (cujo bicentenário da sua morte se assinala na próxima semana), é uma conservadora (e sexista). Nos EUA descobriram que H.P. Lovecraft não pode ser lido porque, à luz da cartilha de hoje, era um reacionário com laivos de racismo, o mesmo mal que detetaram no genial Mark Twain. Já Melville, o de Moby Dick, é um homem sem piedade pelos animais, especialmente pelas baleias, e Eça é sexista e misógino. Não estou a brincar – estas classificações aparecem em trabalhos recentes. A principal acusação é a de que estes autores estão mortos e continuam a falar-nos apaixonadamente.
Henry David Thoreau, que quem amanhã se comemora o bicentenário do nascimento (a 12 de julho de 1817 em Concord, a mesma cidade onde nasceu Ralph Waldo Emerson e onde viveram Nathaniel Hawthorne e Louisa May-Walcott, no Massachusetts) é o mais atual e incompreendido dos filósofos. Devíamos lê-lo mais, mas ficaríamos desprotegidos; Thoreau é o autor de A Desobediência Civil, uma defesa contra o Estado, o seu poder e as suas injustiças (“O melhor governo é o que não governa.”), um inimigo da cobrança excessiva de impostos – mas é em Walden ou a Vida nos Bosques, uma crítica pioneira ao capitalismo e à “ideologia do crescimento infinito”, e em A Vida sem Princípios, que o individualismo de Thoreau ganha uma dimensão ao mesmo tempo poética e crítica da democracia de massas. Para os dias de hoje, há um livro de Thoreau a recomendar vivamente, Caminhada, onde propõe uma arte de caminhar e de deambular que nos ligue à natureza (tema de Maçãs Silvestres, outro livro) e à intimidade, ao essencial e ao profundo. Os seus livros estão publicados na Antígona, e são uma bênção de beleza.
Na semana passada, o saudoso Conselho Português para a Paz e Cooperação regressou do Além para organizar uma jornada de apoio “às forças progressistas da Venezuela”, aproveitando o seu Dia da Independência. Que o assunto comova o BE de há meses e o atual PCP parece-me justificado – ambos os partidos, com o abraço amigo de toda a esquerda, encontraram em Hugo Chávez a reencarnação demente do socialismo. É um kitsch maravilhoso. Acontece que o assunto não é para rir. Trata-se de um país maltratado a ferro e fogo: as “forças progressistas”, armadas por Maduro, invadiram o parlamento e agrediram deputados à paulada, prendem oposicionistas sem julgamento, empobrecem o país e destroem-no multiplicando pobres, fechando televisões e jornais (nem precisam de ERC), perseguindo universitários e juízes e instalando o “socialismo do século XXI”. Que na jornada partidária tenham participado a Banda do Exército e enviados da Câmara de Lisboa parece outra maluqueira portuguesa. Será que o Exército e a Câmara de Lisboa acham graça à invasão do parlamento em nome das “forças progressistas”?
Ninguém esquece tão cedo aquela declaração patusca: a meio da noite, entre a escuridão letal e os clarões das chamas, as autoridades, competentíssimas, tinham descoberto uma árvore criminosa (“Já está detida para averiguações”, faltou dizer), culpada da tragédia de Pedrógão. Todos descansámos – era só levar a árvore a julgamento. Duas semanas depois, está provado que a pressa em encontrar a árvore pretendia esconder a floresta de suspeitas. Uma procissão de dislates (com lágrimas ministeriais mal treinadas) que culminou na reação espinoteada ao assalto de Tancos. O resumo destes quinze dias passa com grande facilidade da tragédia à comédia e depois à ópera bufa, com o governo parcialmente de férias a decretar que foi tudo coisa sem importância. Agora é a febre dos inquéritos: apurar tudo de alto a baixo, mas mesmo tudo, sem limites. Cito. Nessa altura recomendo que se ouça o dr. J. M. Júdice, a quem “um político de nível muito elevado” disse que os assaltantes de Tancos já estavam debaixo de olho mas faltou um Chuck Norris do lado dos bons. Resumo: não discutam com malucos.
Volto ao assunto de ontem, o anúncio de que “nunca se chumbou tão pouco em Portugal”, ideia bastante pândega, cheia de afecto e beijinhos – e, como já vimos, falsa. Os jornais de ontem deram uma grande ajuda à operação de “sucesso escolar” em curso (que Deus a proteja), noticiando que havia alunos a passar de ano com quatro ou cinco negativas. Tamanha generosidade merece aplauso. Já sabíamos que o ministro da Educação achava – sufocando de razão – que os chumbos são “ineficazes, caros, punitivos e segregadores”. Ou seja, totalmente antidemocráticos e inimigos das estatísticas e dos focus group. Daí que, aproveitando um despacho onde se lê que “a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excepcional”, houve instruções para que muitos professores subissem as notas negativas e impedissem o flagelo “excecional” das retenções, porque somos todos amigos dos adolescentes dos 8.º, 10.º e 11.º anos. Ou seja, que se fizesse trapaça, uma coisa que agora é também despenalizada, porque fica mais agradável nas estatísticas.
As hostes rejubilam porque – afiançam, em bicos de pés – nunca se chumbou tão pouco em Portugal (vem no JN e no Público), ou seja nunca houve tão poucas retenções, em linguagem politicamente abençoada. “Milagre!”, rejubilam os crentes, comovidos, atirando beijinhos ao ministro Tiago Rodrigues – e evitando mencionar que os dados dizem respeito ao ano letivo de 2015-2016. “Melhor ainda!”, respondem: em apenas seis meses de governo, o novo ministério conseguiu espalhar sapiência, dedicação e inteligência a rodos pelas escolas – e evitar o banho de retenções que o obscurantismo tinha fornecido em abundância, subindo as notas em geral. É evidente que esta celebração não se comove com o facto de “as retenções” terem vindo a descer nos últimos quinze anos, como mostram as estatísticas. Este aproveitamento político, no pior sentido do termo, não é grave pelos motivos mais básicos (por exemplo, atribuindo ao novo ministério a capacidade mediúnica de melhorar o rendimento escolar) – mas porque festeja “menos retenções” como um valor absoluto e, portanto, falseável. É tempo de festa, vá.
O país está muito feliz com os elogios dos turistas (que apreciam muito a bonomia, os legumes e o peixe fresco locais) e dos famosos que pernoitam entre nós. Que a providência divina proteja ambas as classes de visitantes, que são bens preciosos à nossa economia. Nada de ironias: esta multinacional do lifestyle está de acordo com o espírito do tempo, que é de afeto e prodígios, sobretudo agora, que chega o verão – e, com ele, o direito às “coisas tontas”. Mas há uma coisa que nos devia inquietar (já não falo da identificação, pelo diretor da PJ, de uma árvore “culpada da tragédia de Pedrógão”, nem das lágrimas correlativas da ministra – são episódios chinfrins), mesmo aqueles que nunca foram pacifistas ou anti-militaristas: para que servem os gloriosos militares do nosso exército, e o seu ministro, num país onde se podem roubar munições e armamento dos seus paióis? É que já não é o primeiro nem o segundo roubo este ano. Ter um país pasto das chamas e alvo de ladrões de armas é capaz de não ser muito cativante para o lifestyle turístico. Mas este verão está só a começar.
Não é preciso ser-se um perigoso militarista para perceber que o caso de Tancos é grave. Por causa do armamento e munições que desapareceram, por causa do desmazelo que revelou – e, sobretudo, por causa da reacção estapafúrdia do ministro da Defesa, que admitiu que as armas podiam perfeitamente destinar-se ao terrorismo, murmurando qualquer coisa sobre o Google (como se pedisse a carta de vinhos num restaurante), sobre roubos de armas noutras latitudes (no Afeganistão e nos filmes com gangsters americanos). Uma pessoa ouve durante uns minutos e passa em frente – os malucos ganharam outra vez, e não está em causa a competência do ministro da Defesa para tratar de outros variados assuntos. Demissões? Sim, no pessoal da caserna, para mostrar que as chefias estão atentas e têm mão pesada com quem não as ameaça grandemente. Mas chamar à pedra o CEME ou o CEMGFA vir em pontas prestar declarações? O ministro apresentar respeitosamente o seu pedido de demissão? Não. Fosse por alguma declaração sobre questões de género no Colégio Militar, e outro galo cantaria. Agora, armas? Essa ninharia? O que são 53 quilos de plástico explosivo e foguetes anti-carro, senão ninharias? Não vale a pena discutir com pessoas malucas.
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