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As faculdades de Letras são um albergue simpático. Por isso, o PCP organizou na de Lisboa um seminário intitulado “Socialismo, exigência da atualidade e do futuro”, dedicada a comemorar as alegrias da Revolução Russa de há 100 anos, e no qual o secretário-geral do PCP defendeu “uma democracia avançada” e a atualidade do bolchevismo. As novas gerações, escutando a linguagem épica de Jerónimo de Sousa, não conhecem a peregrinação dos horrores ligados à ideia de uma “sociedade avançada”, conceito leninista a que Estaline emprestou a eficácia que se sabe. A deputada Rita Rato, por exemplo, que faz parte desse jardim de infância, recusou-se um dia a comentar o Gulag e as mortes do estalinismo, porque não tinha dado isso na faculdade. Como passam hoje 80 anos sobre o nascimento de André Glucksmann recomendo aos seminaristas do PCP a leitura de A Cozinheira e a Devoradora de Homens, que leva o subtítulo Ensaio sobre o Estado, o marxismo e os campos de concentração. Do Gulag ao Vietname passando pela decoração de interiores da Lubianka e do KGB, é um mundo avançadíssimo.
A doutrina do crescimento infinito ensina que, se este ano se venderam 10 milhões de telemóveis, no próximo ano é necessário chegar aos 11, apesar de já haver cerca de 17 milhões de aparelhos. Há coisas mais palermas, mas essa é uma delas – razão porque os telemóveis servem inclusive para, em certas ocasiões, telefonar. As indústrias do século XX pensam no “crescimento” como um algoritmo, inclusive quando se trata do turismo. É assustadora a quantidade de artigos, entrevistas, sessões espíritas, reportagens e disparates sobre a matéria. Antigamente fumavam erva de má qualidade, agora discutem Airbnb, regulamentação e startups de tuk-tuks e hostels onde se dorme no meio de mosquitada e móveis do Ikea. Portugal é atraente por causa do património histórico que é preciso cuidar (e que a indústria turística devia pagar a dobrar e com língua de palmo); o resto arranja-se. Sim, também na cozinha, mas (já perceberam, certamente) come-se cada vez pior nos “restaurantes da moda”, todos iguais, onde deixou de se comer em pratos e se usam ardósias. Adoro os sinais de perigo.
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