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A “arte contemporânea” é um instrumento interessante para lavagem de dinheiro. Oligarcas russos, potentados privados do Oriente, multimilionários e estados do Golfo, burgueses enriquecidos pela construção civil ou “antigos jovens” protegidos por alguns negócios bem remunerados – os poderosos investem generosamente em “arte contemporânea” e transformam-se em “patronos da cultura”, o que é hoje melhor do que ter o Euromilhões. Todos ganham: ‘marchands’ que conhecem bem demais as fraudes do seu ofício, pacóvios que apreciam “arte decorativa” para a sala de estar, artistas que têm de fazer pela vida, “curadores” que teorizam sobre a herança de Duchamp e a esperteza de Damien Hirst, colecionadores fantasiados de misantropos. Em matéria de “arte contemporânea”, por isso, a cultura lava muito mais branco. O sistema de retribuições da “arte contemporânea” baseia-se no receio de parecer iletrado diante de tão notáveis obras, como uma barragem da EDP pintada de amarelo. Quem se atreve a rir do assunto? No fundo, a “arte contemporânea” ainda é mais barata do que as facturas da eletricidade.
Um a um, os casos acumulam-se como uma espécie de galeria de personagens num retrato de família – podia escrever-se um romance acerca do assunto, um Balzac contemporâneo cheio de gestores, notívagos endinheirados, madrugadores flibusteiros, gente com prosápia, sem vícios conhecidos, sem mácula no registo. O país moderno da era Sócrates, como da era Cavaco, oásis de investimento e de dinheiro a rodos produz agora os seus efeitos e danos colaterais: afinal, os melhores gestores da Europa – e subúrbios brasileiros – tinham mácula, capturavam políticos que se deixavam capturar com prazer e proveito futuro. Cada gaveta que se abre revela tesourinhos escondidos, negócios de influência provinciana, rendimentos injustificados – uma geração inteira, aliás, como aconteceu em Espanha com as malhas do ‘beautiful people’ dos anos dourados do PSOE ou com a grosseira corrupção dos anos do PP. Daqui a alguns anos, é provável que a literatura lhes preste atenção, a esses personagens de eleição. Mas desconfio que os próprios escritores, tão comprometidos, já desistiram de falar de falar do seu país.
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