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A vinda do papa a Fátima alimenta uma compreensível mas perigosa indústria: a da sua popularidade. Se não acreditamos na ação do Espírito Santo, pode ser um caso de conversão no limite: ateus ou anticlericais convictos sentem-se subitamente iluminados pela insuspeita “obra do papa” (escolhendo as frases que lhes agradam); fidelíssimos de João Paulo II transitam do polaco para o argentino com o mesmo entusiasmo, como se Bento XVI não tivesse existido. Em resumo: foram desde o início do ano, entre nós, publicados 34 livros sobre a sua augusta figura (além da tolerância de ponto), como ‘pop star’ capaz de frases que satisfazem todos os gostos – mas com pouca referência a Deus. A única coisa que me fascina em Fátima é a multidão. E, na ausência dela, a solidão extrema diante da desolação (o betão de Fátima é a prova da imensa capacidade da igreja de hoje para ignorar a beleza). Estive lá nas duas circunstâncias. Comove-me a multidão em recolhimento, cada peregrino na sua solidão; não compreender esta solidão é não entender que Deus só se encontra no deserto, de onde nunca se regressa.
Foram recentemente apresentadas as linhas gerais do novo Plano Nacional de Leitura, agora com piscadelas de olho “ao digital” – e tanto a experiente e apaixonante Teresa Calçada, que foi responsável pelas bibliotecas escolares e agora dirigirá o PNL, como o primeiro-ministro, teceram loas aos maravilhosos benefícios que a leitura prodigaliza. Quem não os conhece, nem que seja por ouvir dizer? Lamento discordar no que diz respeito à leitura como porta aberta para “a cidadania inclusiva” (não tem nada a ver) e lamento não ser muito otimista acerca do futuro, tal como ele está a ser preparado. A leitura será – infelizmente – uma das chamadas “práticas minoritárias”. Não pode concorrer com “o digital”, nem com as séries de televisão ou com o hip-hop das novas gerações. Nas regras que São Bento escreveu para a sua ordem, no século VI, contava-se a “obrigação de ler”. Não o “direito à leitura” mas a “obrigação”, física e moral – para não cair na “acédia”, ou seja, na dispersão e no desinteresse. Foi também isso que permitiu que “o livro” sobrevivesse até hoje, se me faço entender.
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