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Na recente cerimónia de entrega do Prémio Pessoa, ao fazer o elogio dos Estudos Clássicos, Frederico Lourenço resumiu tudo em quatro palavras: Maria Helena da Rocha Pereira. Duas semanas depois a morte levou consigo a grande inovadora, divulgadora, tradutora e historiadora da cultura clássica. Fui à estante buscar os seus Estudos de História da Cultura Clássica (publicado pela Gulbenkian, uma pérola), as suas traduções de Platão e de uma antologia, Hélade (Guimarães Editores), onde se revisitam Safo, Homero, Heraclito, Sófocles ou Eurípides (traduziu Medeia). Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017) foi a mãe de todos nós – os que alguma vez se apaixonaram pelas culturas grega e latina. Guiou-nos por entre ruínas, iluminando-as e protegendo-as – e isso é o maior elogio que lhe podemos fazer, porque tudo o resto (“um vulto da cultura”, “uma perda irreparável”, etc.) soa a nada. Mostrou-nos a beleza dessas ruínas que conhecia como ninguém; mostrou-nos a passagem do tempo sobre o legado dos Antigos. Mestre dedicada e incansável, os deuses recebem-na com amizade.
[Foto © Paulo Ricca, Público]
Londres, Madrid, depois Paris, Bruxelas, Nice, Londres outra vez, Berlim, Estocolmo. A cada ataque, “os europeus” vestem t-shirts alusivas exprimindo uma solidariedade acossada e que é já meio pateta. ‘Je suis Paris.’ ‘Jag är Stockholm.’ ‘Ich bin Dortmund.’ Somos todos e de todo o lado. Podíamos acrescentar Mar Gigis e Alexandria, no Egito. Podíamos acrescentar Síria e Sudão. A Crimeia e a fronteira ucraniana. A Europa vive uma crise invisível a que fecha os olhos sob o manto agradável da linguagem: “não ceder ao medo”, fazer a vida de todos os dias, contar os mortos – os nossos, aqui; os nossos, noutro lado. 100 mil cristãos perseguidos são mortos por ano em todo o mundo (sem que o Papa, enfraquecido, seja realmente severo em relação ao assunto) e os judeus começam a abandonar de novo a Europa com receio do fundamentalismo, instalado sobretudo em França e na Bélgica. A Europa do bem-estar absoluto acreditou que estava a salvo, cultivando o laicismo e a ilusão de superioridade e de arrogância sobre os territórios bárbaros, que só teriam de aceitar “o nosso modo de vida”. Tempos incertos.
O QUE NOS SEPARA DA LITERATURA
Enquanto falam de literatura, a grande puta,
os professores falam uma língua invisível,
cerrada em versos que os antepassados
deviam ter escrito – e não escreveram.
Labirintos, aquários, metáforas, ventanias,
varandas nas colinas, tudo roubam como
assaltantes sem método, nem glória, nem
música, nem conhecimento da beleza que
incendeia os bosques e ilumina os caminhos.
Enquanto falam de literatura, a grande puta,
a luz negra tudo apaga, tudo esconde e suja.
Mata-nos muito, a literatura – de tédio
ou de medo, ou de um horror que aprofunda
o que nos separa: isto e a vida, sempre.
Tal como o PCP não condenou a invasão da Checoslováquia em 1968, com o argumento de que os tanques da URSS se tinham deslocado a Praga para defender o socialismo contra hordas de estudantes reacionários, também aquele extravagante grupo espanhol, o Podemos, se recusou a condenar o “golpe constitucional” venezuelano que deu em bronca. Lembram-se os leitores? O Supremo Tribunal decidiu revogar as competências do parlamento eleito e chamá-las a si; o mundo inteiro protestou; o Podemos não (aliás, pulou de contente). Mas não é bem isso que interessa, e sim a falta absoluta e notória de indignados nacionais para protestarem contra os sucessivos atropelos da ditadura venezuelana, que promete despedir funcionários que se saiba serem “da oposição”, que ordena prisões arbitrárias e que multiplica a pobreza do país a cada dia que passa. O chavismo – “o socialismo do século XXI” – foi fabricado, armado e caucionado por ideólogos europeus, namoradinhos da “revolução permanente”. Agora, transformou-se numa seita tresloucada e estapafúrdia que a esquerda desculpa com brandura, encolhendo os ombros.
As viagens de finalistas a Espanha são sempre um acontecimento. A extraordinária mistura de duas palavras, ‘Torremolinos’ e ‘estudantes’ evoca as coisas do costume: cinco ou seis dias de álcool (‘bar aberto’), adolescentes a praticarem coisas de adolescentes, grandes farras na piscina – paremos por aqui. Proponho mesmo que, na Páscoa, a imprensa reserve um espaço para excessos cometidos em Torremolinos; e que os pais assistam de bancada a esses excessos. Duas observações: primeira, os cavalheiros de Torremolinos, quando alugam quartos a estudantes portugueses em férias, não podem esperar o comportamento de peregrinos à Terra Santa. Mas a segunda observação sempre quis fazê-la: as viagens de “finalistas” não deveriam fazer-se depois de os adolescentes “finalizarem” as aulas e concluírem os exames, “finalizando” o curso? Sim, todos nós sabemos o que significam ‘spring break’ e “hormonas aos saltos”, mas esta invasão regular de Espanha e os correspondentes relatos de vandalismo são um péssimo bilhete de identidade para “finalistas” da “geração mais bem preparada de sempre”.
[Da coluna do CM]
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