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«Na Islândia não há ruínas, não há barcos vikings para provar que chegámos aqui. Então, as pessoas acham, entre outras coisas, que descendemos do bacalhau.»
Andri Snær Magnason, escritor islandês. The New York Times.
Desde segunda-feira que o Correio da Manhã e a CMTV acompahavam a história de Anabela Lopes, «vítima de violência doméstica», desaparecida, provavelmente raptada e agredida pelo seu marido, e em perigo de vida. A «imprensa séria» achou que o assunto não merecia acompanhamento, porque havia que dar notícias sobre os novos chefs que festejam o ano novo com tortas de bulgur em cama de seitan gratinado com cobertura de abacate, ou sobre os transgender japoneses. O facto é que «o caso de Grândola» era sério e emblemático, mas os especialistas em género ainda não o tinham descoberto e «a violência doméstica em ambiente rural» é coisa para grunhos. Hoje, nas suas edições online, assinalam a descoberta de Anabela Lopes, prestes a ser executada pelo marido, como se desde o primeiro minuto se tivessem interessado pela história. Para retomar um tema recente, só há «interesse público» quando os advogados de Pedro Dias concedem entrevistas exclusivas à «televisão pública» – e nessa altura, ah, rejubilemos!, as repórteres justiceiras acham que o cavalheiro dava uma estranha sensação de conforto.
Soares Dias é o melhor árbitro português. Talvez o segundo melhor seja Jorge Sousa, que deixou um penálti por assinalar contra o Benfica e a favor do Sporting (o de Pizzi, monumental). Soares Dias deixou dois penáltis por assinalar no FC Porto-Benfica (um deles, a mão de Mitroglou, seria ‘transporte’ em voleibol). A contabilidade de penáltis por assinalar deixa o FC Porto prejudicado — mas, por exemplo, no Chaves-FC Porto, o FCP teve cinco penáltis para marcar e só aproveitou dois; então? Rui Santos, ui ui, garante que, se tivessem sido arbitragens correctas, o FCP iria à frente do campeonato com sete pontos de vantagem. Digo isto por dizer, e para ganhar outra vantagem — é que, no jogo com o Moreirense, o FCP Porto teve uma hora para jogar e marcar e não o fez. Depois, foi o que se viu: Danilo expulso e uma gargalhada monumental. Nuno Espírito Santo portou-se bem: parecia a Rainha de Inglaterra — «Nós etc etc.» Ninguém bateu no árbitro, ao contrário do que aconteceu no Setúbal-Sporting, onde o árbitro (fraquinho) assinalou um dos dois penáltis cometidos pelo Sporting (o que não foi assinalado mostra Coates a querer despir a camisa do jogador do Setúbal – e logo por detrás), e mesmo assim teve direito a investidas de Jesus, Nelson e Coates à frente das câmaras de televisão (até Adrien esteve para levar, por andar ali metido a separar árbitros, polícias e equipa técnica do Sporting). O resultado é que o grande problema do Sporting se chama Jorge Jesus, e não Bruno de Carvalho nem “arbitragens”. Quanto ao FC Porto, um dos problemas é o “estilo Rainha de Inglaterra” de Nuno Espírito Santo.
Explico. Há qualquer coisa que me escapa no plural majestático de Nuno Espírito Santo – aquele “nós” tanto se refere a ele próprio, como ao plantel mais ao treinador, como ao FC Porto em geral, como à Santíssima Trindade em particular. O que é certo é que, mesmo tendo em conta o reduzido interesse da Taça CTT, o FC Porto (“nós”) está atrás do Moreirense e do Belenenses. Isso não deixa a equipa (“nós”) numa situação confortável, porque quem se deixa empatar com o Feirense (“nós”) há de ter dificuldade em desativar a Juve, quando chegar a altura. Nuno E.S. anunciou que (“nós”) vai refletir, mais precisamente “nós, equipa técnica”. Uma das coisas em que pode refletir é no desinteresse com que a imprensa acompanhou mais uma derrota da equipa treinada por “nós”, justamente uma segunda linha quando era preciso a divisão Panzer.
Preparemo-nos. Vem aí o frio, dizem as televisões. Basicamente, é como se a calota polar chegasse a Figueiró dos Vinhos e fosse necessário avisar a população.
Todos os anos me divirto com as repórteres embrulhadas em anoraques usados nas séries de tv do Alasca, de microfone em punho, inquirindo habitantes de Vinhais, Manteigas ou Terras de Bouro: "Então, está frio?" Uns cavalheiros à porta de uma loja de ferragens respondem que sim, sim, "está mais frio do que em agosto".
Hidratem-se, recomendam as repórteres. Ah, e não se esqueçam: a Proteção Civil recomenda que se vistam várias peças de roupa em vez de só uma (verídico). Evite tomar banho de mar e, se chover, use guarda-chuva. "E então como fazem por causa do frio?", perguntam de dentro do anoraque. As pessoas de Vimioso entreolham-se e balbuciam: "Agasalhamo-nos." O normal: tirando um vizinho que fuma substâncias esquisitas, na minha rua não anda ninguém em t-shirt. Chama-se inverno. Imagino um programa da proteção civil a explicar como se usam ceroulas ou luvas e se prepara chá de limão.
Vejamos: em 2011, uma mulher acusou o marido de violência doméstica (e de violação), além de infligir maus-tratos físicos e psicológicos às três filhas. Diante disso, o tribunal condenou-a por difamação, considerando que a mulher, está na cara (com nódoas negras), agiu com o "propósito de difamar e caluniar" o marido, já que as suas acusações são atentatórias (ui, ui) do "bom nome, hombridade, reputação e decoro" do cavalheiro. De acordo. E mais: como não concordar que se trata de "suspeições desprimorosas"? Evidentemente que são. Nojentas. E como não concordar com o tribunal ao considerar que essas "suspeições" põem em causa a "honorabilidade, consideração, honra e dignidade" do marido? Parece, inclusive – que horror –, que ele passou a ser tratado com ‘comentários e olhares vexatórios’, o que não se pode permitir.
Os tribunais têm de defender a honra destes maridos viris. Curiosamente, o tribunal, que condenou a malvada (à primeira), não considera falsas as suas acusações; simplesmente são chatas para o marido. A Relação de Guimarães veio agora anular a sentença. Pobre marido.
Conheci Martin Adler como repórter. Foi assassinado em Mogadíscio por “rebeldes” da Al-Qaeda (assim foram festejados nas ruas de Paris, apenas porque se opunham ao imperialismo americano). Martin fez para a Grande Reportagem, de que fui diretor, a cobertura dos “acontecimentos” de Grozny, na Chechénia: com o argumento de punir o secessionismo e a resistência islâmica, as tropas russas entraram na cidade e destruíram-na, matando toda a gente, na mesma altura em que a opinião pública europeia estava preocupada, sim, com o destino dos bombistas-suicidas do Hamas, o isolamento da Líbia ou com a liberdade dos pregadores radicais das mesquitas de Londres. Hoje, ao ver as imagens de Aleppo, recordo as palavras de Martin, que previra o cenário de destruição da Síria, a aliança Putin-Assad e a formação de um estado pária islamita. Diante disso, os bem pensantes veneram Obama que, sem sair da televisão, deixou o Médio Oriente em chamas (pior do que o encontrou) e permitiu que Rússia sitiasse a Ucrânia e o Mar Negro. Esta gente, reunida, foi a maior fábrica de refugiados do Mediterrâneo.
Desde 1975 que a ONU tem como política oficial o ataque a Israel; é estranho, aliás, que tenha entregue a política de direitos humanos à Arábia Saudita, à Síria, à Líbia e a Cuba, financiando organizações abertamente anti-semitas e amigas de organizações terroristas (e ter sempre dado a mão ao grande responsável pelo facto de a Palestina não ser um Estado independente, Arafat). A resolução que condena os colonatos israelitas esquece que Israel foi sucessivamente atacado (1948, 1967, 1973) pelos estados árabes da região (o que nunca motivou protestos) com vista ao seu extermínio, razão pela qual o Hamas, que domina a faixa de Gaza, ter abrigado militantes jiadistas de todas as origens. Numa cidade do Irão existe inclusive um gigantesco relógio digital anunciando os anos e dias que faltam para a destruição de Israel. A ONU acha isso uma gracinha e o Ocidente ri-se. Por isso, Israel tem o direito a defender-se contra as ameaças reais. E sim, deve ser obrigado a parar a construção de colonatos no dia em que os agressores desistirem de agredir Israel. Arafat nunca o fez. A ONU também não.
O comissário europeu Carlos Moedas veio a Portugal e uma das suas visitas foi ao centro de investigação 3B’s da Universidade do Minho (cada um dos ‘b’ significa biomaterial, biodegradável e biomimético), no Vale do Ave, entre Braga e Famalicão – é ali que trabalham 150 investigadores desconhecidos do ‘mundo pop’ (não têm o ‘glamour’ histérico da Web Summit nem são tão populares como os ‘chefs’ da moda), distribuídos por quase uma dezena de nacionalidades. Nestas áreas de investigação, em poucos anos, a Universidade do Minho conseguiu cerca de 50 patentes científicas internacionais – um caminho maravilhoso. Li várias notícias sobre o assunto, mas o pormenor mais importante (além da natureza do trabalho que desenvolvem, claro) foi desprezado em quase todas: as mulheres são ali praticamente o dobro dos homens. Enquanto os ‘rapazes’ andam a discutir a bola e a apreciar à socapa, muito cúmplices e a coçar as partes, um ministro que chama ‘feira do gado’ a uma reunião decisiva, as ‘raparigas’ estudam mais na universidade, são melhores e mais discretas. Sim, o meu aplauso vai para elas.
O que sobra do primeiro dia do ano? Revi a melhor das adaptações de Orgulho e Preconceito ao cinema (com Keira Knightley e Matthew MacFadyen – não, não é a de Lawrence Olivier, lamento; quando muito seria a da televisão, com Colin Firth). Entrei na derradeira etapa de um romance de Don Winslon sobre o narcotráfico mexicano. Também constatei que as temperaturas baixaram. Que metade dos comentadores televisivos, à falta de melhor, estava ocupada com questões de economia, como nos últimos dez anos (e no entanto, vemos a tempestade avançar). Que há sempre gente feliz a mergulhar no mar de Cascais. Que o aumento do PIB foi poucochinho. Que a Turquia continuará a colher o que semeou. Cozinhei e comi, um sinal de felicidade. O dia 1 de janeiro nunca parece o primeiro dia do ano. Adio sempre a lista das “resoluções do ano novo” para o dia de Reis. Vai estar mais frio, nessa altura. Terão acabado “as Festas”. T.S. Eliot dizia que abril era o mês mais cruel; janeiro é o mais longo, o que também fará dele cruel – e frio. Todos os anos se repete este receio anunciado.
Dissemos adeus a Nicolau Breyner; todos gostávamos dele, mas muitos não mereciam. Dissemos adeus a David Bowie, a Prince ou a Fidel Castro. Alguém acreditava que demoraria tanto tempo para que os cientistas reconhecessem a teoria da relatividade, de Einstein? Alguém acreditava que um governo podia nascer com base no partido mais derrotado nas eleições? Alguém acreditava que Marcelo podia despedir-se dos seus comentários políticos na televisão (e, de facto, não se despediu – diz-se)? Alguém iria imaginar que uma equipa de futebol especialista em empates podia ganhar o Euro? Alguém acreditava que Nice, Paris, Bruxelas, Orlando e Berlim iriam ser atacadas por comandos de lunáticos islamitas? Alguém ia acreditar que PCP e BE podiam ser metidos no bolso? Alguém – há um ano – acreditava que Trump podia ser presidente dos EUA? Alguém acreditaria que Bob Dylan podia ganhar o Nobel da Literatura? Quem acreditava, há uns meses, que Guterres podia ser secretário-geral da Onu? Alguém acreditava que os discos de vinil iriam regressar? Alguém acreditava que Leonard Cohen podia morrer?
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