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Não é preciso ler livros de espionagem para perceber como se faz contra-informação, mas é interessante ver a nota da direção do JN queixando-se de que os seus jornalistas tinham sido deliberadamente enganados por uma fonte do governo que visava desacreditar um juiz. Mais: o JN alterou a sua primeira página com base numa informação que não foi confirmada pelos jornalistas. Roma locuta est, causa finita est. O governo falou, para quê confirmar?
Quando, em tempos, exerci funções governativas, fui ao futebol – e, com três amigos, assisti ao jogo numa bancada do estádio. O clube ficou ligeiramente melindrado por não ter aceite ficar no camarote presidencial (o presidente limitou-se a murmurar um «eu compreendo» e senti-me agradavelmente descartado), o lugar onde os dirigentes exibem para a televisão os membros do governo, presidentes de câmara, detentores de cargos públicos, ex-ministros e ex-presidentes de seja o que for. Um dos espectáculos mais deprimentes é o de ver essa cena: cada um dos convidados fica na lapela do presidente do clube como um triunfo e um trunfo. Faz isto muito mal ao mundo? Não, de facto – mas é um fardo. Ainda por cima «no mundo do futebol», onde os limites do direito civil se cruzam com o penal.
É costume as grandes empresas adquirirem camarotes nos estádios de futebol – e organizarem as suas listas de convidados. Por várias vezes, membros do governo, deputados, membros da administração pública assistem ali aos jogos; alguns, lá atrás, escondidos, a bebericar. São convidados porque ocupam essas funções e desempenham esses cargos. Umas semanas depois de abandonarem funções e cargos deixam de aparecer nessas listas. Normal. Por isso, gente de juízo (que percebe o quanto é transitória a pequena e imbecil glória do poder) deve recusar esses convites. O que é difícil; o mundo do futebol é feito de proximidade com o poder do futebol. Fulano vai ao futebol e faz gala em ficar perto desse poder, ser convidado para um camarote, petiscar no intervalo, privar com os segredos do poder, sentir o cotovelo do presidente do clube a tocar o seu, ficar com o telefone de um diretor que há de arranjar bilhetes mais tarde, ou um lugar no jantar do clube, ou ser convidado para uma final ou eliminatória europeia com viagem e hotel pagos. Sem uma sombra de juízo, aceitam – quer o convite venha do clube, de uma empresa associada, de um patrocinador ou de um empresário da bola: é uma espécie de sinal da ascensão no edifício social. Sim, o secretário de Estado do desporto fica alojado no camarote presidencial, de visita ao seu mundo; mas o secretário de Estado das pescas? O argumento da «adequação social» parece-me estapafúrdio.
Tal como jornalistas que passam um ano à espera de serem convidados para o lançamento de um automóvel na estepe da Mongólia: viagens, hotéis, roupas, restaurantes, gadgets. Qual deles terá coragem para dizer que a caixa de velocidades do novo carro é, basicamente, uma merda?
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