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Nas ferrovia alemã, entre Chemnitz e Leipzig, circulará uma carruagem exclusivamente destinada a mulheres que viajem sozinhas ou acompanhadas de crianças até aos 10 anos. A intenção é a de proteger as passageiras, depois dos acontecimentos da passagem de ano, em Colónia e outras cidades alemãs e nórdicas – onde houve casos de agressão sexual já comentados e discutidos e que, na sua maior parte, foram cometidos por homens chegados de África e do Médio Oriente. Não conheço o rigor das ameaças que pesam sobre as mulheres de Leipzig (a cidade onde viveram e sonharam Bach, Leibniz, Goethe, Grieg, Schumann, ou Wagner), na Saxónia, mas a decisão deve ter sido muito ponderada. E, no entanto, não deixa de ser agressiva e terrível, uma vez que reconhece um perigo (o de as mulheres temerem ser alvo de ataques) e a ineficácia das autoridades para protegerem a ordem no espaço público, que é e devia ser de todos, e onde todos devem ser respeitados. O resumo da notícia é este: a Europa está sitiada e aceita o estado de sítio, recusando-se a defender os seus valores. Esta carruagem é uma burqa que nos envergonha a todos.
Clara Ferreira Alves: Confissões, Finalmente [entrevista de Bruno Vieira Amaral]
Uma Caminhada com Patti Smith [Isabel Lucas]
Rue d'Anvers: uma viagem à Paris bdsm dos anos 50 [J. Rentes de Carvalho]
Obama: Fim de História [Bernardo Pires de Lima]
Entrevista com o matemático Cédric Villani [Carlos Fiolhais]
Jorge Listopad, o Poeta Perdido [Nuno Costa Santos]
Velhos Noruegueses [José Riço Direitinho]
100 anos de Vergílio Ferreira [Hugo Pinto Santos]
Harrie Lemmens, o tradutor holandês [Harrie Lemmens]
Crónicas de Abel Barros Baptista, Eugénio Lisboa, Leonor Baldaque, Tiago Cavaco.
Por motivos que não vêm ao caso, estive a reler Prazer e Glória, um dos grandes romances de Agustina Bessa-Luís. Há muito que não se fala de Agustina – mas devíamos lê-la mais; além de grande romancista (mas impopular) é uma das nossas maiores pensadoras. ‘Prazer e Glória’ faz um balanço antecipado da década de oitenta (foi publicado em 1988), tal como Meninos de Oiro (de 1982) foi o relato luminoso das euforias da década anterior. No caso de Prazer e Glória, o sismógrafo é Durba, uma mulher que tem de ser virtuosa às escondidas, num mundo de “vulgaridade, esbanjamento e erotismo” dominado pela conquista do imediato – a cegueira que toma conta das famílias, da relação entre pais e filhos, entre os ricos e o seu poder, os ressentidos e a sua amargura, os pobres e a sua miséria. Muitos temas que hoje são dominantes foram tratados por Agustina neste romance onde quase ninguém se salva; a onda de insensatez e ignorância, que tão bem descreve, ditou o fim da família, a vitória da depressão, a valorização de tudo o que é vulgar. Aprende-se neste livro: diante da barbárie moderna devemos ser discretos como o vento.
Não conheço o arrazoado (a palavra não é ofensiva) que a Comissão para a Igualdade de Género reuniu para apresentar queixa aos tribunais a propósito de umas declarações risíveis de Pedro Arroja sobre dirigentes do Bloco de Esquerda, a quem designou de esganiçadas (a palavra não é ofensiva) e sobre quem disse que não “queria nenhuma [delas], nem dada”. Discordo de Arroja (acho sexy algumas das dirigentes do Bloco – isto não é ofensivo – e algumas delas têm uma voz melíflua e sensual), mas o que a Comissão da Igualdade de Género (não confundir com um grupo de linguistas que vigia a declinação dos verbos) acaba de fazer é abrir as portas à intolerância e à derrota no tribunal, no que é secundada pelo DIAP, que o ameaça com “uma pena de prisão que vai dos seis meses a cinco anos” por ver nas declarações do comentador indícios de “discriminação sexual”. Que as autoridades criminalizem a palavra “esganiçada” é em si uma ofensa tonta; mas que considere que as deputadas do Bloco foram sexualmente discriminadas, é uma alegria para qualquer humorista, o que já não tem a ver com a má educação de Pedro Arroja ao falar de senhoras.
À sexta-feira, semanalmente. Esta é a primeira da nova série de crónicas de J. Rentes de Carvalho, quarenta anos depois das do Expresso, e cinquenta anos depois das do Diário Popular:
Dias atrás, numa imitação do que costumavam fazer os escritores na minha juventude, passei um bocado de tempo encostado à ombreira da Livraria Bertrand. A ver passar mundo, fazendo involuntariamente comparações entre a mocidade alegre de agora e a rapaziada bisonha do meu tempo.
Quando, em 1989, o ayatolah Khomeini emitiu a ‘fatwa’ que condenava à morte o escritor Salman Rushdie, a vetusta Academia Nobel sueca recusou-se a tomar posição para não ferir suscetibilidades e, oficialmente, porque não se metia em assuntos políticos. Era mentira: a academia meteu-se sempre, e vergonhosamente, em assuntos políticos – até quando atribuiu o Nobel a Mikhail Cholokov para “recompensar” a URSS pelo prémio (nunca recebido) a Boris Pasternak. A Academia não se solidarizou com Rushdie para não afrontar os assassinos que atuam em nome do Islão e cumprem ordens dos seus imãs. Este ano já foram emitidas fatwas contra Kamel Daoud (autor de Mersault, Contra-Informação, publicado pela Teodolito) e Boualem Sansal (autor de 2084, o Fim do Mundo, a publicar pela Quetzal), ambos argelinos. E, na véspera dos atentados de Bruxelas (e logo a seguir aos estranhos acordos entre o Irão e os EUA), as autoridades de Teerão aumentaram o valor da recompensa pela morte de Salman Rushdie para mais de meio milhão de euros. Chama-se a isto um esforço de integração e de boa vontade. Talvez a Europa aprenda alguma coisa. E sim, finalmente a Academia Nobel disse estar do lado de Rushdie.
Na próxima terça-feira, 29 (18h30), a Biblioteca Nacional abrirá as suas portas para um colóquio sobre a obra e a notável figura de Fernando Ribeiro de Mello (1941-1992). Para as “novas gerações” este nome há de ser estranho, o que é uma injustiça fatal e imperdoável – para Ribeiro de Mello e para a sua editora, a Afrodite, que de 1965 até ao final dos anos oitenta construiu um catálogo tão inovador como perdulário, tão provocatório como minucioso e ousado, minando as bibliotecas e as tipografias bem comportadas (Pedro Piedade Marques publicou recentemente Editor Contra, edição Montag), convocando autores, tradutores e ilustradores. Foi o trabalho dessa editora que a censura designou como uma “insólita ofensiva de corrupção”, logo depois de ter publicado a Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, de Natália Correia, e A Filosofia na Alcova, de Sade. Daí até aos anos 80, Fernando Ribeiro de Mello – um portuense em Lisboa – havia de tornar-se uma referência da nossa edição, publicando livros, imaginando-os, publicitando-os da maneira mais escandalosa. É um pedaço da nossa história.
Quantos europeus declararam simpatia pelos bombistas suicidas?
Discoteca Dolphinarium, em Telavive: 24 adolescentes mortos por um bombista suicida.
A boa consciência europeia, interpretada por vários líderes políticos, mostra as suas lágrimas diante dos atentados de ontem em Bruxelas, o coração da União Europeia. Comoventes, reais e sinceras – essas lágrimas, no entanto, não comovem. Durante duas décadas, e até ao dia de ontem, as autoridades europeias limitaram-se a murmurar uma série de princípios e incongruências sobre terrorismo e, para não variar, banalidades sobre segurança e apostilhas acerca da liberdade. Entretanto, é bom que se diga, a boa consciência europeia assistiu quase de palanque a horrores um pouco por todo o lado (em África como no Médio Oriente, na Ásia como na América, passando pela reação covarde aos atentados de Atocha ou de Londres), até as coisas terem chegado a este ponto – a um não retorno. As imagens de ontem correm um risco: tornarem-se banais. Ninguém reage ao que é banal. Em seu lugar, o medo é um argumento fatal. Após décadas de atentados em Israel, a boa consciência europeia preferiu criticar Israel, apoiar o Hamas, ignorar a história, contemporizar e, como fez a mulher de Tony Blair, dizer que compreendia os bombistas suicidas, transformando-os em heróis. Estão aí, os heróis.
Solitária, discreta, procurando um anonimato difícil (ainda mais para quem, até 2002, escrevia quase um livro por ano), voz suave, celibatária – Anita Brookner (1928-2016) morreu aos 87 anos, a 10 de Março, embora a notícia só tivesse sido dada quatro dias depois, anteontem à noite. São muitos os seus livros publicados em Portugal, mas a coroa de glória é Hotel du Lac (Bertrand), o seu quarto romance, que em 1984 arrebatou o Booker Prize, batendo O Império do Sol, de J.G. Ballard, O Papagaio de Flaubert, de Julian Barnes, ou O Pequeno Mundo, de David Lodge. Antes tinha publicado um romance de nota, Olhem para Mim – mas a história de Hotel du Lac é pura reinvenção do espírito romântico, observação, nostalgia, vidas que se procuram num pequeno hotel perto de Genebra onde se hospeda a protagonista, Edith Hope, uma escritora. Até ao fim da sua vida literária, em 25 romances, Anita Brookner (filha de judeus polacos e historiadora de arte) replicou a vida igualmente discreta de personagens que um dia viram a felicidade e a perderam. Esse mundo delicado, da classe média, nunca mais existiu senão nos seus livros.
Desde o manifesto dos empresários pela “manutenção dos centros de decisão” em Portugal que não havia tanto patriotismo à vista (apesar de, passados meses, alguns desses empresários se terem vendido, como lhes competia, ao inimigo estrangeiro); falo da ideia de resistir à “ocupação espanhola da nossa banca”, perseguida por mais empresários que têm em vista o bem da Pátria. Para lá de patriótica, é uma iniciativa tão generosa para todos nós, além de tão exigente em matéria legal, que empresários, governo e Presidente da República andarão de braço dado a promovê-la, sem falar de a negociarem em segredo. Eu preferia que, em vez da Caja Madrid, se abrissem balcões da Caixa Faialense – mas já me avisaram que desapareceu, e que o Barclays, inglês, vendeu as suas contas portuguesas ao espanhol Bankinter. O Totta, aliás, foi vendido por patriotas portugueses a diabólicos castelhanos. Mesmo assim, os portugueses sabem que uma banca estrita e exclusivamente lusitana é que é bom; a prová-lo, o sucesso de “bancos de bandeira”, valentes condestáveis da nossa finança, como o BPN, o BPP ou o Banif, para não falar no BES – tudo exemplos de gestão de proximidade e de tão bons e inesquecíveis serviços prestados aos portugueses, que estes nunca se recusaram a pagar os seus rombos.
Quando Hugo Chávez decidiu perseguir e encerrar emissoras de televisão, jornais e estações de rádio, houve responsáveis políticos portugueses (incluindo um ex-presidente da República) que manifestaram apoio à decisão do caudilho venezuelano ou que, pelo seu silêncio, a acharam “compreensível” (tal como a detenção arbitrária do líder da oposição). Basta ir à imprensa da época para o confirmar. Tê-lo-iam feito em Portugal? Talvez não, supõe-se que por pudor e porque seriam talvez varridos do mapa político. Já em relação ao Brasil, por exemplo, o Bloco de Esquerda e o PCP têm menos pudor, e agitam – cada um à sua maneira – a bandeira do “golpe de Estado”; ou seja, acham legítima e justificada a nomeação de Lula como ministro político a fim de poder escapar à investigação judicial; e, portanto, concordam com as pressões que Lula e Dilma Rousseff fizeram e mandaram fazer junto dos tribunais, da polícia e do senado para suspender as mesmas investigações. Ficámos a conhecer a posição que estes dois partidos tomariam caso uma situação semelhante, por hipótese, ocorresse em Portugal. É uma informação muito útil.
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