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Fotografia de Adriano Miranda © Público, 2015.
Está a chegar. E é um grande livro – um romance brutal, cheio de personagens e de cenas que não vamos esquecer tão cedo. J. Rentes de Carvalho no seu melhor.
Aos 86 anos Rentes de Carvalho escreve um romance tão original, moderno, inovador. O livro foi concluído em Outubro do ano passado, entre Moncorvo e Amesterdão, como de costume – e é um prodígio.
Entrevista no site da Fnac (Fevereiro 2016)
Entrevista ao Diário de Notícias (Agosto 2015); Sábado (Maio 2015), Eito Fora (s/d); SIC (Agosto 2015); no jornal I; na Antena 1; no Diário Digital; na TSF (Pessoal & Transmissível); no Correio da Manhã;
Entrevista de J. Rentes de Carvalho na SIC:
O “caso do cartaz” do Bloco de Esquerda é uma espécie de deriva da sua própria existência. Foi a líder do partido que o confirmou, revelando que a ideia era fazer humor a propósito da aprovação da lei da adoção (retirando as mulheres da equação, como se fossem uma desinência), mas que – o problema é do país, da opinião pública, da “maioria moral”, da gente empedernida, da choldra – não foi “compreendido”. Ora, uma das lições a retirar da história política portuguesa do século XX é que não basta lutar pela justa separação entre o Estado e a religião (ou as religiões); é necessário que o “aparelho de Estado” (de que os partidos fazem parte) não se disponha a usar a religião (ou as religiões) como parte da sua obra de instrumentalização. O que a líder do Bloco não compreendeu, mas não se lhe pode pedir tudo, é que uma coisa é a laicização desse aparelho e outra a guerra contra a religião, que uma parte do Bloco sempre quis comandar ou atiçar como uma espécie de vanguarda esclarecida. Atacar a igreja católica, hoje em dia – mesmo com graçolas –, é coisa para meninos. Brincalhões, mas patetas.
Os velhos são manhosos.
Demoram-se a apanhar a fruta, sabem
que podem saber chegar ao fim da figueira.
Os velhos arrastam os pés em direcção à saída,
esgotam-se ao sol seguinte.
Cortam-se por vezes no vidro de emergência,
no buraco para o exterior.
Têm visões extraordinárias,
receitas específicas para o barroco do poema
e do mel.
Escrevo para os velhos.
Filipa Leal, Vem à Quinta-Feira (Assírio & Alvim), 2016.
A cidade de Salisbury (Salisbúria, pode ser), no sul de Inglaterra, evoca a tremenda torre da sua catedral (o coruchéu, em forma de pirâmide, tem 123 metros de altura), uma jóia com 758 anos e onde se conservam alguns fragmentos de uma das quatro cópias da Magna Carta – a sua construção terminou em 1258 e, pelos anos fora, foi um emblema da igreja anglicana, mas também da obra de pintores como Constable e Turner, ou de um romance de William Golding (The Spire, a história da construção), Nobel inglês, autor de O Deus das Moscas, para não falar da inspiração obtida por Ken Follet para o seu best-seller Os Pilares da Terra. Chega de história. A fim de dar mais vida ao local (um sítio belíssimo, convido a visitar), a diocese pediu a uma escultora que expusesse duas obras suas diante da catedral. Ao fim de alguns dias, teve de retirar uma das esculturas a pedido das autoridades civis, com o argumento de que muitas pessoas tinham chocado com ela enquanto falavam ou escreviam mensagens ao telefone – e se tinham magoado. Não sei se o género humano foi feito para apreciar uma beleza que não venha no telefone.
Excelente nota de Vital Moreira sobre o apedrejamento da Língua Portuguesa.
Aqui: Jorge de Sena e os escritores do Montecarlo.
Por muito que custe à corporação, a economia não é apenas matéria para astrólogos. A verdade é que, tirando de um lado, escondendo de outro, esticando aqui e ali, a sensação geral é a de uma crise – que não tem apenas a ver com a falência do sistema bancário, que irá atingir todos, sobretudo os contribuintes que não são banqueiros. A prosperidade eterna, prometida pelos líderes europeus, é uma miragem num mundo em conflito, à beira de uma guerra aqui e ali (e da sua generalização), onde a Europa já não pode ir buscar recursos e riquezas para alimentar o seu bom modo de vida (e o Estado Social), e aguardando uma redefinição sobre como vão ser os próximos anos. As notícias não são boas. Lembram-se de Alvin Toffler, o da miragem de uma Terceira Vaga? O mundo mudou. Guilherme Oliveira Martins disse o essencial outro dia, e felizmente ninguém o acusou de extremismo liberal: contra a ideia de uma austeridade periódica, temos de repensar o nosso mundo no sentido de uma sobriedade permanente, o que é incompatível com as promessas dos vendedores de um futuro radioso. É como vai ser.
A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) ficou com a pulga atrás da orelha por causa das expressões usadas por uma juíza num julgamento sobre violência doméstica, um crime nojento. No início da década, uma série de colunistas da “imprensa de referência” descobriu que os casos de violência doméstica “não podiam continuar” como exclusivo do Correio da Manhã, que tratava esses crimes como eles mereciam – como crimes: namorados que dão cargas de porrada a namoradas, para as educar logo no princípio, e elas não lhes enfiam um pontapé na virilha; mulheres de meia idade que apanham surras e continuam a pagar as contas em casa; mulheres jovens que aceitam um estaladão e não respondem com um taco de basebol. Os sociólogos do regime, para manterem a sua estabilidade emocional em regra, preferem que a violência doméstica seja politizada e que não sejam conspurcada nas páginas de crime – mas era e é crime. Escrevi isto na altura; envenenem os maridos que vos batem, divórcio compulsivo e obrigatório, castrem os namorados que vos tratam mal, abandonem os lares, chamem a polícia. A APMJ escusa de se incomodar.
Durante umas das sessões das Correntes de Escritas, Manuel Alegre alertou para a ditadura do mau gosto na literatura – uma invasão que, em seu entender, tem o patrocínio da “comunicação social’, e que perverte “a palavra do Homem”, já tão atacada pelos vários “males do nosso tempo” (aí, o catálogo é mais vasto). Manuel Alegre tem razão “na generalidade”, como de costume – mas temos opiniões diferentes “na especialidade”, como quase sempre. Ou seja, culpar a “comunicação social” é fácil demais, vem sempre a propósito, como atacar o Bei de Tunes às seis da tarde. Acho preferível preocuparmo-nos com o tipo de ensino da língua e da literatura nas nossas escolas, e também para a ausência de uma educação para a cultura (música, cinema, história das religiões, história da pintura, por exemplo) e para a sensibilidade. O fim dos estudos clássicos, o desprezo pelo passado e pela herança cultural, a cedência ao “contemporâneo” e ao imediato, produzem maus leitores e mau gosto. Sem intervir aí, onde é mais profundo e mais subterrâneo, estaremos a substituir uma ditadura por outra e a não dar margem de opção aos leitores do futuro, que nunca puderam comparar o sublime com o lixo. Esse é o desafio perdido.
Não vale a pena falar sobre “o impacto das redes sociais na vida contemporânea” nem sobre a “necessidade de inovar na comunicação política”. Para banalidades já basta a própria existência das “redes sociais”, com o seu desfile de tresloucados, analfabetos e potenciais homicidas; quanto à comunicação política, sim, é necessário aproveitar ou, como se diz mais solenemente, “tirar proveito das várias plataformas”. Foi por isso que, em tempo, critiquei Cavaco Silva por usar o Facebook – um presidente não gasta a palavra nas “redes sociais”; se tem alguma coisa a dizer, diz. Já o primeiro-ministro usa o YouTube para explicar o Orçamento de Estado, como se não bastassem os debates quinzenais no parlamento, as conferências de imprensa, as entrevistas, as declarações, o Diário da República e o dr. Galamba. O que faz o primeiro-ministro com vídeos no YouTube? Segundo parece, “esclarece os portugueses” e faz propaganda, as duas coisas em simultâneo, juntando-se ao ruído e equiparando-se a qualquer pobre alma que usa as “redes sociais” para fazer “comentários na hora” e espalhar boatos sobre o vizinho.
Num artigo inspirado e cómico, a Profa. Isabel do Carmo pretende que o neoliberalismo é o culpado fundamental pelo aumento da obesidade. Evidentemente que neoliberalismo não quer dizer nada – é uma amálgama de várias banalidades de uso fácil. Mas compreende-se o essencial: o capitalismo, quando não pode dominar os povos à primeira, envia a sua frente armada de fast food, açúcares, bebidas gaseificadas, carnes vermelhas e aceleradores de ácido úrico e colesterol, contrabalançando-a com o poder da indústria farmacêutica. A ideia não é má. Já o comunismo, que Isabel do Carmo pretendeu em tempos implantar em Portugal, tinha uma raiz muito mais saudável (Lenine sofria de uma úlcera no estômago). Os camponeses que Mao dizimou pela fome, alimentavam-se com menos de uma tigela de arroz por dia, que não provocava distúrbios alimentares. Os campos da morte de Estaline e do socialismo posterior (e anterior), descritos pelos sobreviventes do Gulag, eram oásis de saúde, para não mencionar a política de racionamento dos países libertados pelo comunismo. Coisas radiosas, como sempre. E saudáveis.
Depois do fim de semana, Umberto Eco morreu na mesma. Os elogios fúnebres devoram-se, uns a seguir aos outros (dissemos adeus a Harper Lee), e os jornais não escapam à espiral da morte. Mas Umberto Eco demorará a desaparecer – era um sábio, um ironista e um filósofo. Também um romancista desocupado (depois de O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault e A Ilha do Dia Antes, suas obras maiores de ficção), mas nunca um observador distraído. Entrevistei-o em Portugal, para a televisão, em 1986, com Eduardo Prado Coelho – o seu riso ficou na minha memória até hoje, bem como o seu prazer em fazer pensar – é disso que fala O Pêndulo de Foucault, por exemplo, um delírio sobre a trafulhice inteletual. A arte de pensar vem de A Obra Aberta, Lector in Fabula, Apocalípticos e Integrados, essa pérola que é A Passo de Caranguejo, e até da sua tese sobre a beleza e a estética medievais. Leitor gigante, apaixonado e desiludido – porque havia sempre outro livro, outro labirinto, outro mistério, outro risco a correr. Os que, na academia, lhe desaprovavam o gosto pelos outros nunca entenderão a sabedoria dos céticos.
Vaidade é vaidade. Os muitos nomes do Inspector Jaime Ramos:
Cinco mortos, cinco corpos. Eu, um dia, se for personalidade importante, dessas de dar medalhas, dava uma, de muito mérito, aos livros policiais. Um livro policial português é um artigo de primeira necessidade. Dos simples, desses de autores portugueses que nos anos 1950 inventavam detetives americanos, às histórias do inspetor Ramos, são sempre exercícios de lógica. Essa lógica que nos falta como sossego em Aleppo. Eu, um dia, se empregar pessoas que precisam de julgar (jornalistas, polícias, juízes e analistas políticos), fazia-lhes um exame prévio que era só isto: «Então, diga lá que livros policiais já leu?»
Em se tratando de política americana, a Europa acha que se trata de um concurso de beldades da Vanity Fair. Não é. Por isso, a cada semana que passa, os europeus esperam que caia uma bigorna e esmague tanto a criatura como o seu penteado e a possibilidade de Donald Trump ser candidato às eleições presidenciais. Parte dos americanos também. Mas o Trump xenófobo (nas eleições de 2000 acusava Pat Buchanan do mesmo pecado), contra quem as grandes figuras do partido republicano se manifestam diariamente, desesperadas, faz parte da paisagem local (e a “paisagem”, ainda que nos assuste, tem direito aos seus representantes). O que defende ele? Protecionismo económico, 20% de taxas sobre bens importados, 15% de penalização a empresas que se “deslocalizem” dos EUA, fim às intervenções no exterior (o regresso do isolacionismo americano), varrer os oligarcas tradicionais da política, autenticidade, reabilitação da “alma americana”, entre uma vasta série de propostas “patrióticas” que de vez em quando aparecem na cena europeia, sob a capa de populismo, à esquerda e à direita. É a política, mesmo quando é má.
Na coluna diária.
O restaurante Ancoradouro, em Moledo (ao centro, Alfredo e sua Exma. Mãe), recebe Iker Casillas e D. Sara Carbonero. Foi um bom fim-de-semana.
Sherlock Holmes jogava xadrez. No seu bar em Casablanca, Rick (Humphrey Bogart) jogava xadrez enquanto o mundo rodopiava à sua volta. Philip Marlowe, o detetive de Raymond Chandler, jogava xadrez solitariamente. Fernando Pessoa, através de Ricardo Reis, celebrou os jogadores de xadrez (“O jogo do xadrez/ Prende a alma toda...”). Há xadrez nos filmes de Stanley Kubrick. Na literatura e no cinema a lista de referências é imensa. Por isso convém lembrar que passaram (dia 10) vinte anos sobre a data em que, pela primeira vez, um computador (o Deep Blue, montado pela IBM) derrotou um campeão do mundo, Gerry Kasparov. Este vingou-se depois e derrotou o computador mais tarde, mas o passo estava dado, tivesse ou não havido marosca com a reprogramação do Deep Blue durante o jogo (parece que houve, sim, mas isso está guardado nos circuitos apagados do computador, guardado no Museu de História Americana, em Washington). A partir de 10 de fevereiro de 1996, o género humano passou a incluir outra característica: a divina imperfeição. Ou seja, a capacidade de perder um jogo de xadrez.
Parece que o Ministério da Educação brasileiro tenciona eliminar “a obrigatoriedade do estudo da literatura portuguesa” nas suas escolas secundárias. O assunto nem me enerva nem deixa indiferente – em Portugal, na generalidade, mantemos uma quase olímpica ignorância em relação à literatura brasileira que não seja de hoje (uma coisa que vem desde Machado de Assis e que tem oscilações). Acontece que a literatura brasileira, como nós a conhecemos nos seus grandes momentos, dialoga com a herança cultural e literária portuguesa. Isto não nos autoriza a invadir Brasília para mostrar bandeiras com as efígies de Eça, Camões ou Pessoa, até porque são autores muito lidos no lado de lá (antes de Portugal, Pessoa foi mais popular lá), e porque a soberania brasileira é para respeitar. Um dos argumentos usados em discussões sobre o assunto (a uma delas assisti) é que a literatura portuguesa acaba por ser parte da nossa “herança colonial e imperialista”, instrumento de homens brancos machistas para dominar os povos oprimidos do mundo. O Brasil é bom de ouvido; porque será que confunde tudo o que ouve?
De que é feita a literatura, o romance? De histórias e de personagens; no fundo, de personagens reais em situações fictícias e de personagens fictícias em situações reais. E também da imaginação dos autores – a sua capacidade de reconstruir (destruir e construir) o mundo. Nem todos os autores acreditam na fórmula «história & personagens», certamente redutora e pobre – por isso há o resto da arte, a procura do sublime, a interrogação do invisível e do imperfeito, tentativa sobre tentativa, revelação sobre revelação. No caso da saga de Harry Potter, a fórmula clássica funcionou num mundo de artefactos e desejos: bruxarias, poderes mágicos, regresso a um mundo onde a infância era aventurosa e conhecia abismos proibidos. Sim, tudo pobre, ludibriando o jogo de imprevisíveis. J.K.Rowling anuncia agora um oitavo livro da série (Harry Potter and the Cursed Child), porque as suas personagens ultrapassaram o limite da vida em papel e o mercado de leitores quer saber mais sobre o que lhes aconteceu depois de Hogwarts e do combate com Voldemort. Primeiro, uma peça de teatro em Londres; agora, o livro, que não será um romance, mas o guião da história, a sair a 31 de julho. O dia de aniversário de Harry Potter.
Na coluna diária.
Alison Lurie sobre Harry Potter, na New York Review of Books.
CHINA. Shaanxi Province. 1992. «All 20 families in this remote village are Catholic, but as there is no Father in their village they gather every Sunday and chant and pray together.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Himalaya Mountains. 2001. «Family working in dust storm.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Tibet. 2001. «Daughter pouring liquor for her father to drink.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Tibet. 2000. «Girl at harvest-time.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Tibet. 2002. «Couple at mealtime.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Tibet. «Xigaze, about 300 kilometers west of Lhasa.» © Lu-Nan/Magnum Photos.
Agradeço ao João Miguel Barros a descoberta da fotografia de Lu-Nan.
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