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Uma crónica de José Ferreira Fernandes sobre «os Van Dunen». Muito boa, como sempre.
Michel Houellebecq escreveu Submissão, um romance que trata da ascensão turbulenta de um muçulmano à presidência francesa, e consequente estabelecimento de uma ordem islâmica. Depois de ter ganho o Prémio da Academia Francesa com 2084, o argelino Boualem Sansal viu-o ontem consagrado como o melhor livro do ano em França, segundo a revista Lire. E de que trata 2084? De uma ditadura global muçulmana (o Abistão, inspirado no império de Orwell), fundada sobre dois pilares: a amnésia e a submissão a um deus único e cheio de interditos, onde não há história e a linguagem é rigorosamente vigiada e codificada. Sansal é argelino, sabe do que fala: assistiu aos horrores dos fundamentalistas no seu país, não é um “ocidental atrevido”. Para os radicais, é muito pior: um apóstata condenado à morte.
A bela encenação de Macbeth que Carlos Avillez e o Teatro Experimental de Cascais apresentam neste final de ano relembra a grande atualidade de Shakespeare. As azougadas e os estouvados podem ser muito espertos politicamente – mas são analfabetos em todas as outras matérias, como relembra a sorte do infantil, ambicioso e atormentado Macbeth, usurpador e vítima ao mesmo tempo. O hábito do ressentimento (e da traição) apodera-se de todos, revelando a tensão e o terror permanentes: num mundo em que ninguém se salva (“O bom é mau e o mau é bom”, como diz, insuspeito, o coro das três bruxas), cada um é devorado pelos seus fantasmas e pelo desejo de tragédia. Não é por acaso que Freud se apaixonou por esta peça; os comentadores políticos sérios (não os que tocam as trombetas de ocasião) também deviam vê-la.
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