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Assinalou-se na semana passada, quinta-feira, 12, o centenário de Roland Barthes (1915-1980). Obras decisivas como O Grau Zero da Escrita (1953), Elementos de Semiologia (1965), O Prazer do Texto (1973), Fragmentos de um Discurso Amoroso (1977) e o inevitável Mitologias (1957), uma bíblia ilustrada, todos publicados pelas Edições 70, fizeram de Barthes um nome incontornável nos «estudos literários» dos anos setenta e oitenta, ao lado do dos papas do estruturalismo – onde ocupava um dos principais altares, encaminhando-se para transformar os «estudos literários» em «estudos culturais», um caldeirão preparado para facilitar a vida a pregadores com doutoramento e despensa. No mandarinato inteletual da época, o seu trabalho não era o mais ortodoxo. Tinha a seu favor a paixão pela literatura; foi em seu nome que declarou a «morte do autor», que seria um apêndice (menor) da obra; quase nada dele interessaria, justamente na medida em que os média privilegiam o autor (que é uma estrela) em detrimento da obra (que não leram). Fica dele a imagem de uma grande paixão pela literatura (escrevia magnificamente), independente das ortodoxias e inutilidades que a sua obra gerou.
Olhar um livro alguns anos depois não basta – é preciso recordar um pormenor que há-de constituir uma revelação. Depois, essa revelação estende os seus caminhos: um autor, uma ventania, uma sobreexposição, um amor perdido, uma recordação de adolescência, uma memória pessoal. Para isso serve a nossa biblioteca, nem sempre a mais comum, às vezes sucumbindo ao desejo do segredo. Leio as crónicas de Pedro Mexia incluídas em Biblioteca (Tinta da China) com um sentimento de gratidão e de deslumbramento: é muito difícil (raro, incomum, singular) encontrar este desejo de perdição pela literatura. Não como uma militância, mas como uma condição do destino. Há quem a procure uma vida inteira, com o habitual défice de talento; e quem, como Pedro Mexia, nos faz percorrer todo o caminho de volta, até ao silêncio. Conseguir isto é raríssimo.
Sem querer ser purista da língua (mas achando que é necessário defender a nossa), há dois dias comentei aqui a desnecessária transformação de Lisboa em Lisbon num cartaz lisboeta dirigido a lisboetas. Ainda não tinha visto a edição deste mês da revista GQ, cuja capa é dedicada a Jorge Jesus; o leitor que comente a foto, que é supimpa. É claro que, ao contrário do cartaz sobre a «Lisbon Haloween Night», a GQ não é financiada com dinheiros públicos mas as suas obrigações para com a nossa língua são as mesmas. E ela cumpre com galhardia: o grande título de capa é «Nobody f*cks with Jesus», o que não é nem deixa de ser f*dido (pobre dele); há outros títulos: sobre o black tie perfeito, uma reportagem sobre camgirls – e a promoção da festa dos galardões dos homens do ano, intitulada em português GQ men of the year awards, para cujo backstage somos convidados (ena!). Entre os 15 men of the year está Gisela João. Fuck.
As eleições polacas, ao contrário das portuguesas, resultaram numa maioria absoluta – o vencedor é um partido que leva o bárbaro nome de Lei e Justiça, chefiado por Beata Szydło; em segundo lugar, ficou o Plataforma Cívica, da ex-primeira-ministra Ewa Kopacz; finalmente, já fora do parlamento, ficou a coligação de esquerda, liderada por Barbara Nowacka. Três mulheres. É isto bom? Para os grupos feministas, não: elas são, à exceção da terceira, apenas “instrumentos no jogo político”. Vem nos jornais. Expliquemos então esta encruzilhada: há mulheres e mulheres; Jóhanna Sigurðardóttir, ex-PM islandesa, é mulher; Margaret Thatcher, nunca. Dilma Rousseff é mulher, Angela Merkel, não. Hillary Clinton é mulher (não muito), mas Carly Fiorina, a rival republicana, não. Helle Thorning-Schmidt, que foi PM dinamarquesa, é mulher; Marine Le Pen, não. Catarina Martins é mulher; a polaca Beata Szydlo, como toda a gente sabe, até faz xixi de pé.
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