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O mundo está justamente chocado com a destruição ordenada pelos bandidos do Estado Islâmico: cidades da Mesopotâmia destruídas, ameaças sobre as pirâmides do Egito, muralhas e estátuas do Médio Oriente reduzidas a pó. Há antecedentes próximos. Durante a Revolução Cultural dos anos 60, o regime de Mao destruiu a quase totalidade dos símbolos da grande cultura chinesa. Dos 2700 templos do Tibete ficaram apenas 78, sem falar dos pagodes de Pequim, das igrejas de Sichuan, das estátuas milenares, das tabuletas de velhas lojas de Xangai, das bibliotecas que os Guardas Vermelhos incendiaram ou dos escritores e músicos presos ou levados ao suicídio. Na altura, Sartre, que já justificara o silenciamento de Pasternak na URSS, achou que a China vivia “a verdadeira revolução” (Chomsky secundava-o) que triunfava sobre o passado e criava um “novo homem”. Isto não mudou muito.
Na primeira semana, o livro entrou imediatamente para a lista dos mais vendidos do principal top americano (o da Publishers Weekly): Selfish não é bem um livro mas uma coleção de selfies de Kim Kardashian. A cultura pop e alguns críticos promovem-no de uma maneira atroz. Há já quem o considere uma espécie de J.D. Salinger da cultura fotográfica contemporânea, ou um Duchamp destes dias, ou um prego na urna da “fotografia artística”. As selfies de Kim Kardashian criam problemas a qualquer “pessoa normal” (eu, por exemplo: gosto de rabos, bundas, glúteos), mas não me passa pela cabeça transformá-la num ícone da “arte contemporânea”, da qual sou descrente assumido. Uma pessoa pode dedicar-se à vida de Kardashian por razões, digamos, libidinais; mas há de reconhecer que a arte decorativa já teve melhores dias.
[Da coluna do Correio da Manhã]
A ideia de uma tarifa única de 20 euros para os táxis do aeroporto de Lisboa é justa, inteligente e adequada. Há quem argumente que 20 euros é muito para uma viagem que hoje custa 12 euros – mas estão errados. Repare-se que os taxistas vão passar a andar fardados, tal como os empregados das livrarias, onde há uma taxa única de 19.90 euros por consumidor, mesmo que os livros comprados somem apenas 16 euros. Quando vamos ao supermercado pagamos sempre 30 euros – é a tarifa única – mesmo se as nossas compras se reduzem a uma meloa e uma pasta dentífrica. Claro, há o argumento de que, com o aeroporto no centro da cidade, as corridas de táxi são sempre baratas demais; mas há uma solução: transferir todos os passageiros para as pistas de Beja ou S. Domingos de Rana com obrigatoriedade de utilizar táxi à saída. Santo remédio.
Quando se deu o acidente nos Alpes com o avião da Germanwings, sociólogos de pacotilha e dirigentes políticos alvitraram logo (estão registadas estas coroas de glória) que o piloto era vítima da pressão causada pelas medidas da troika, e que o ataque ao Charlie Hebdo se explicava (ah, valentes!) pelo desemprego e pela crise. Anteontem, numa televisão ocupada por politólogos e sociólogos, uma jornalista declarou que a pancadaria no Marquês de Pombal para comemorar a vitória no campeonato se devia à austeridade e à crise. Naturalmente que o assalto às lojas no estádio do Guimarães se deve à usura dos mercados e ao aquecimento global, e o bloqueio de adeptos de futebol a um campo de treinos com picaretas deve-ao FMI. Os radicais do Islão também acham que os sismos se devem ao facto de as mulheres não se vestirem adequadamente.
Vai uma certa agitação nos meios literários porque um grupo de escritores (entre eles Peter Carey, Michael Ondaatje, Teju Cole, Rachel Kushner e Taiye Selasi – todos eles bons) decidiu que a Charlie Hebdo não merece o Prémio Liberdade de Expressão e Coragem atribuído pelo Pen Club americano. Num tempo de unanimidades e em que todos “são Charlie” em dias bissextos, esta opinião conta. Não está em causa qualquer apoio à censura nem a condenação do atentado vil e criminoso contra a revista – já escrevi sobre o assunto e o leitor já não tem paciência. John Le Carré, por exemplo, teve a atitude abjeta de condenar Salman Rushdie cuja morte tinha sido decretada pelo Irão. Aqui, o caso é diferente: o apoio ao Charlie está na fase do “humor cocó-xixi”: alguém diz “cocó-xixi” e parece uma piada. Não é. É só uma maneira fácil de ser pateta.
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