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Eça de Queiroz defendia que vendêssemos as colónias (ao metro quadrado, mais lucrativo) mas também não lhe desagradaria que Portugal fosse derrotado numa hipotética guerra, a fim de perdermos, finalmente, a nossa independência. A relação dos inteletuais do século XIX com o país esteve sempre marcada pela desilusão e pelo pessimismo. Eça, Ramalho, Brandão, Herculano, Antero, Fialho, Laranjeira, Camilo – a lista de melancólicos é longa e brutal. Quando leio o grande ‘Portugal Contemporâneo’, de Oliveira Martins, é como se o país repetisse hoje todos os erros e patetices de há cem anos. Ontem, no CM, Luciano Amaral falava do estado da economia: para resolver todo “o problema”, era preciso um “programa de ajustamento” ainda mais duro; mas isso ia destruir-nos durante décadas. Vender as colónias hoje é impossível – e não me parece boa ideia sermos derrotados noutra guerra. Pelo menos antes das eleições.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Na fila do supermercado, mesmo à minha frente, a adolescente bronzeada protesta porque a mãe comprou uvas com grainha (“sementes”, diz ela). Percebo a sua angústia imbecil; há anos, uma rapariga da televisão também anunciou ao mundo que comia uvas e cerejas depois de a empregada da família lhes tirar grainhas e caroços (era “um mimo”). Há coisas que têm os dias contados. Um dia destes, noutro supermercado, uma jovem casadoira admirava-se porque os espinafres “tinham raízes” e não eram as folhas verdes e assépticas que retirava de uma sacola de plástico; a ASAE, em próxima oportunidade, virá em seu socorro – toda a gente sabe que os espinafres nascem no ar e que as pevides da melancia são colocadas lá por patifes sem noção e com perversões sádicas (que não leram a diretiva europeia que institui “uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas”). Há qualquer coisa aqui que não bate certo. A incompatibilidade com o real é uma hipótese, mas a ideia de que o mundo foi criado em laboratório também me inquieta.
[Da coluna do Correio da Manhã]
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