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Poemas de Roberto Bolaño, 2.

por FJV, em 07.12.13

[LISA]

 

Quando Lisa[1] me disse que tinha feito amor

com outro, na velha cabina telefónica daquele

armazém de Tepeyac[2], julguei que o mundo

terminava para mim. Um tipo alto e magro e

com o cabelo comprido e uma verga grossa que não esperou

mais de um encontro para penetrá-la até ao fundo.

Não é uma coisa séria, desse ela, mas é

a melhor maneira de tirar-te da minha vida.

Parménides Garcia Saldaña[3] tinha o cabelo farto e podia

ter sido o amante de Lisa, mas alguns

anos depois soube que tinha morrido numa clínica psiquiátrica

o que se tinha suicidado. Lisa já não queria

dormir mais com perdedores. Às vezes sonho

com ela e imagino-a feliz e fria num México

desenhado por Lovecraft. Escutamos música

(Canned Heat[4], um dos grupos preferidos

de Parménides Garcia Saldaña) e depois fazemos

amor três vezes. Da primeira vez veio-se dentro de mim,

da segunda veio-se na minha boca e, da terceira, apenas um fio

de água, um pequeno fio de pesca, entre os meus seios. E tudo

em duas horas, disse Lisa. As duas piores horas da minha vida,

disse do outro lado do telefone.

 

 


 

 

 

 

[OS CÃES ROMÂNTICOS]

 

Naquele tempo eu tinha 20 anos

e estava louco.

Tinha perdido um país

mas tinha ganho um sonho.

Sim, tinha ganho esse sonho

o resto não interessava.

Nem trabalhar, nem rezar,

nem estudar de madrugada

junto aos cães românticos.

E o sonho vivia no vazio do meu espírito.

Uma casa de madeira,

entre penumbras,

num dos pulmões dos trópicos.

Às vezes voltava-me dentro de mim

e visitava o sonho: uma estátua eternizada

em pensamentos líquidos,

um verme branco retorcendo-se

no amor.

Um amor desbocado.

Um sonho dentro de outro sonho.

E o pesadelo dizia-me: hás de crescer.

Deixarás para trás as imagens da dor e do labirinto

e esquecerás.

Mas naquele tempo crescer teria sido um crime.

Estou aqui, disse, com os cães românticos

e aqui vou ficar.

 

 


 

[DEVOÇÃO DE ROBERTO BOLAÑO]

 

 Em finais de 1992 ele estava muito doente[5]

e tinha-se separado da sua mulher.

Essa era a puta da verdade:

estava só e fodido

e costumava pensar que lhe restava pouco tempo.

Mas os sonhos, alheios à doença,

vinham todas as noites

com uma fidelidade que conseguia assombrá-lo.

Os sonhos que o transportavam para esse país mágico

que ele e ninguém mais chamava México D.F.

e Lisa e a voz de Mario Santiago[6]

lendo um poema

e tantas outras coisas boas e dignas

dos mais calorosos elogios.

Doente e só, ele sonhava

e defrontava os dias que se dirigiam

até ao fim de outro ano.

E de tudo isso extraía um pouco de força e de coragem.

México, os passos fosforescentes da noite,

a música que se ouvia nas esquinas

onde antes as putas gelavam

(no coração de gelo de Colonia Guerrero[7])

proporcionavam-lhe o alimento de que necessitava

para cerrar os dentes

e não chorar de medo.

 

 



[1] Referência a Lisa Johnson, poetisa americana, musa e companheira de Roberto Bolaño em 1975-1976, durante os anos do infrarrealismo ou realismo visceral. Chegaram a viver juntos durante um mês e meio numa casa de D.F. Lisa Johnson é Laura Jáuregui num dos seus romances.

[2] O morro de Tepeyac fica a norte de México D.F., parte da Serra de Guadalupe. Na tradição católica mexicana, é o local das aparições da Virgem de Guadalupe.

[3] Parménides Garcia Saldaña (1944-1982), escritor mexicano, apaixonado por J.D. Salinger, Norman Mailer, rock e marxismo. É autor de Pasto Verde ou de En la Ruta de la Onda, livro emblemático da chamada Literatura de La Onda, um movimento literário anti-governamental nos tempos da eternização do PRI (Partido Revolucionário Institucional). Em vários livros Roberto Bolaño refere-se a esse grupo de escritores, juntamente com o infrarrealismo.

[4] Os Canned Heat eram uma banda de rock e blues que chegaram a atuar no festival de Woodstock. O baterista, Adolfo ‘Fito’ de la Parra (n. 1946), era mexicano de D.F., acompanhou Etta James, os Platters ou as Shirelles, e tem mesmo um álbum intitulado Fito de la Parra Drum Solos. O guitarrista era Bob Hite (1945-1981), e o primeiro líder da banda era Alan ‘Blind Owl’ Wilson (1943-1970), que chegou a tocar com John Lee Hooker (este considerava-o o mais talentoso tocador de harmónica) ou Jimi Hendrix. As duas canções mais famosas da banda eram «Going Up the Country» e «On the Road Again».

[5] Foi em 1992 que foi diagnosticada a Roberto Bolaño uma doença hepática e uma úlcera no cólon, de que viria a morrer em 2003.

[6] Mário Santiago (1953-1988) era um dos companheiros de Roberto Bolaño, e é considerado o fundador do infrarrealismo. É personagem de Bolaño em Os Detectives Selvagens. O primeiro manifesto do infrarrealismo foi assinado por Bolaño, em 1976: «Uma boa parte do mundo está a nascer e outra parte a morrer, e todos sabemos que todos temos de viver ou todos de morrer: nisto não há meio termo. […] Chirico diz: é necessário que o pensamento se distancie de tudo o que se chama lógico e bom sentido, que se distancie de todos os entraves humanos de modo que as coisas apareçam com um novo aspecto, iluminadas por uma constelação surgida pela primeira vez. Os infrarrealistas dizem: vamos mergulhar de cabeça em todas as peias humanas, de tal modo que as coisas comecem a mover-se dentro de nós mesmos, uma visão alucinante do homem.»

[7] Zona no noroeste de México D.F., residencial e popular.

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