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Há, em muitos comentadores, um ar de condescendência quando se trata de falar de Angola. Ou de despeito, quando – além de Angola – surge na conversa a contribuição de Angola para a chamada “vida empresarial”. Portugal, que desde 1834, com poucas exceções, mantém intacta a estrutura da propriedade e das classes (incluindo castas, taras e nomes de família) que, alternadamente, tutelam a política e a economia, descobriu que existem “novos ricos” vindos de África. Mas o despeito, sobretudo, tem via aberta na imprensa quando se trata de Angola. Descobrem-se conspirações internacionais e intercontinentais, embora um mínimo de pudor deseje que o dinheiro fique dentro de fronteiras, independentemente da sua cor. Sobre isso, da cor, há um nadinha de honra perdida nessa reação, nota-se. Em certos casos, de racismo disfarçado ou daquela risível arrogância de candidatos a cavalheiros brancos e europeus, desorientados.
Stephen Hawking queria que o seu livro Uma Breve História do Tempo (publicado pela Gradiva em 1987) ultrapassasse a barreira dos estudantes e académicos ligados ao mundo da Física e da Astronomia e fosse lido pelo grande público. Um livro que se pudesse vender nas livrarias dos aeroportos e que chegasse às mãos de pessoas pouco dadas a matérias científicas. Uma das razões, confessa ele na sua autobiografia finalmente publicada, é que precisava de dinheiro para pagar os estudos da sua filha. A doença de Gehrig, que o afecta desde jovem, nunca o impediu de continuar o seu trabalho, de comunicar com o grande público, de ter uma vida familiar e de ocupar a cátedra que, em Cambridge, pertenceu a Newton há 350 anos. Muitos guardam apenas a imagem desse homem franzino que defronta a doença e a sua singularidade. A sua autobiografia, My Brief History, é um belo testemunho sobre a alegria de viver.
Pablo Neruda (Chile, 1904) é, provavelmente, um dos poetas mais lidos do século XX. Muitos dos seus leitores mais jovens conheceram-no com o filme O Carteiro de Pablo Neruda, que adaptava um livro de Antonio Skarmeta. Alguns dos poemas de Canto Geral (sobretudo “Alturas de Macchu Picchu”), da colectânea Residência na Terra e dos seus Cem Sonetos de Amor são memoráveis e estão na lista de argumentos para o Nobel em 1971 (Borges achava que era um dos piores poetas a escrever sobre amor — e tinha razão, era muito aborrecido e solene). Mas o mito ultrapassou em muito a sua obra, romântica, cultíssima e marcada pela epopeia. Prémio Lenine em 1953, Neruda dedicou vários poemas a Estaline (“Estaline limpa, constrói, fortifica, preserva, olha, protege, alimenta...) e considerava Lenine o maior génio do século XX. A sua profissão de diplomata permitiu-lhe viajar: foi, por isso, um paisagista fantástico. A sua morte (padecia de cancro) coincidiu com o golpe militar de Pinochet, há 40 anos.
Foi apresentado um estudo sobre os hábitos da população estudantil portuguesa. Parece que é normal: dedica-se, em percentagens aceitáveis, ao consumo de álcool, haxixe, má comida, noitadas e excessos conhecidos. Tirando as dificuldades financeiras, o mundo continua a reproduzir-se com tranquilidade. Um dos pormenores é importante: os estudantes de Ciências são mais saudáveis do que os de Letras; estes não praticam desporto, ficam tristes com facilidade e revelam “mal estar emocional”. Dois terços dos de Letras e um terço dos de Ciências estão nessas condições. De facto, a literatura e a vida intelectual de hoje não são companhia decente. Nem sempre foi assim; Rosado Fernandes, um homem das letras clássicas (grego e latim) notável tradutor (foi reitor da universidade de Lisboa), pôs a sua faculdade nas alturas quando ganhou todas as provas de remo, até à Escola Naval. Hoje seria impossível.
Desde o 11 de setembro que a religião voltou ao topo dos debates: primeiro, o Islão, o fundamentalismo, o lugar das religiões na política; depois, a sucessão do papa, o inteletual Bento XVI, a mudança anunciada por Francisco. Pelo meio, a vigilância laica, as campanhas do ateísmo militante, de Dawkins a Hitchens. Deus está e não está. Não está, se não quisermos. Está, se tivermos dúvidas, ou fé, ou praticarmos uma religião. Em Montevideu (veio no CM), instalaram uma cabine telefónica para “falar diretamente com Deus”, “sem intermediários”. Faz algum sentido. Apenas algum, porque religião significa comunhão com os outros; mas Deus é outra coisa, mais além das religiões. O melhor lugar para falar com Deus é o deserto, onde a perturbação arde em silêncio, sem mirones ou audiências. As religiões têm de inventar o caminho da tolerância; os homens, percorrer os subúrbios da inquietação.
Não é preciso saber quem é o milionário Nasser Al-Khelaïfi para perceber que as regras agora apresentadas aos sócios do Paris St.-Germain são absurdas para um espectador de futebol, tal como a proibição de se levantar do lugar, de fotografar, de fumar ou de dizer palavrões durante os jogos. Vamos e venhamos: tudo tem justificação. É só querer. Levantar-se do lugar pode impedir os que estão atrás de ver o relvado. Fotografar pode violar o código de direitos de autor e banalizar o trabalho dos profissionais. Fumar pode incomodar o parceiro do lado e faz mal à saúde. Dizer palavrões não é nada agradável de ouvir. Por isso, Nasser Al-Khelaïfi, presidente do clube francês, originário do Qatar, vem civilizar a Europa e o modo de ver futebol. No estádio do PSG, os desordeiros e malcriados têm os dias contados. Ibrahimovic vai poder falhar golos de baliza aberta sem se ouvir um pio nas bancadas.
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