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A imagem não engana, não é manipulada nem chega através de mediadores comprometidos ou falsamente independentes do «mundo do futebol». É o retrato da dor: ao cair de joelhos no Estádio do Dragão, ao olhar para o céu no Arena de Amesterdão e, finalmente, ao oferecer o seu rosto para o esgar do sofrimento, à beira das lágrimas, no Estádio Nacional, anteontem. Jorge Jesus não enganou ninguém, nem sequer os seus indefectíveis. Limitou-se a ser o personagem de uma tragédia pessoal traduzida no lema dos grandes heróis que ninguém perdoa: falhar, falhar de novo, falhar melhor. A frase é de Samuel Beckett (de Worstward Ho/Pioravante Marche) e ilustra o drama do homem cercado pela derrota, pelo dever e pela multidão ululante. É impossível não guardar simpatia, não pelo que ele é de facto, mas pelo que representa, como se estivesse a cumprir o desígnio de Beckett: «Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.»
[Da coluna do Correio da Manhã.]
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dos trabalhos do mundo corrompida
que servidões carrega a minha vida
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e eis súbito ouço num transporte público:
as luzes todas acesas e ninguém dentro da casa:
sete ou nove metros de labaredas,
e nem um grito, um sussurro, uma palavra:
só a casa ocupada pela grandeza da estrela,
a grandeza primeira
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já não tenho mão com que escreva nem lâmpada,
pois se me fundiu a alma,
já nada em mim sabe quanto não sei
da noite atrás da luz: livros, frutas na mesa, o relógio que mede
minha turva eternidade
e o tempo da terra monstruosa,
já nada tenho com que morrer depressa,
excepto
tanta hora somada a nada:
acautela a tua dor que se não torne académica
Herberto Helder, Servidões. Assírio & Alvim, 128 págs.
Eu não queria, mas é bom evocar momentos tão decisivos do futebol português. Por exemplo este: uma época de sonho. O tri do Benfica já cá canta.
Infelizmente, o resultado de hoje inviabiliza a nossa primeira vitória na próxima época sobre o Benfica. A Supertaça será com o Guimarães.
Não foi fácil mas, quando morreu, em Março de 1993 (sepultado em Seattle), tentei obter todas as informações sobre José Abreu, aliás Joe Abreu, porque nasceu na Califórnia a 24 de Maio de 1913, há cem anos. E o que poderemos fazer para assinalar o centenário do nascimento de José Abreu, aliás Joe Abreu, filho de pais madeirenses? Pegar num bastão de madeira e numa bola de algodão e couro com o peso exato de 142 gramas – e recordar o primeiro jogador português presente nas grandes competições americanas e um herói do basebol durante a II Guerra. Dos 11 home runs de 1937, com os Oakland Hawks (onde jogou também Lewis Fonseca, que chegou a treinador dos White Sox), até à sua contratação pelos New York Yankees, em 1942, Abreu passou pelos Cincinatti Reds, pelos Chicago Cubs e pelo Los Angeles, para referir as equipas principais. Faz parte da nossa galeria de aventureiros, o que não é pouco.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Ao tentar determinar o legado ou a influência de Richard Wagner e da sua música (uma obra grandiosa, feita de tumulto, extensão, solenidade e história), deparamos com uma dificuldade: é que a maior parte da nossa cultura musical seria impossível sem referir o seu nome e óperas tão populares hoje como o Crepúsculo, O Ouro do Reno, Tristão e Isolda ou a tetralogia de O Anel dos Nibelungos. Nascido há duzentos anos, em Leipzig, a 22 de Maio de 1813, Wagner é provavelmente um dos músicos que mais marcou a música contemporânea. A sua biografia, o seu destino e o fogo em que se consumiram muitas das justificadas polémicas sobre a sua obra, estão ligados apenas à música. Ao escutar O Navio Fantasma, Os Mestres Cantores de Nurenberg ou o dueto de amor de Tristão e Isolda, o coração esvai-se e perdoa, convertido a cada acorde e a cada fuga, como se sobrevoasse o mundo na companhia de um génio admirável e tempestuoso.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Há um extraordinário romance de José Eduardo Agualusa, O Vendedor de Passados (em adaptação para cinema), em que o personagem principal, Félix Ventura, tem um estranho negócio: reescreve a biografia dos seus clientes consoante as necessidades e as exigências da vida corrente num novo regime político. Em Portugal, a avaliar por episódios recentes, teria alguma procura. Em 1975 essa indústria foi bastante lucrativa e, nos anos 80, teve uma retoma extraordinária. O Expresso, por exemplo, redescobriu alguns textos de Paulo Portas no semanário O Independente, nos quais zurzia em figuras com que agora tem de negociar e de se relacionar. É a vida. Há quem se escandalize e quem esconda o seu próprio passado, ou quem fique apenas desejoso de reconstruí-lo à medida das conveniências. Não é grande solução: o inferno tem uma grande e profundíssima memória. A imprensa está cheia de deslizes.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Passeio por Sintra.
DOWN by the salley gardens my love and I did meet;
She passed the salley gardens with little snow-white feet.
She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree;
But I, being young and foolish, with her would not agree.
In a field by the river my love and I did stand,
And on my leaning shoulder she laid her snow-white hand.
She bid me take life easy, as the grass grows on the weirs;
But I was young and foolish, and now am full of tears.
W.B. Yeats
Ouço «Serenity», do álbum Smokin’ with the Chet Baker Quintet, e passo depois para The Touch of Your Lips, que marcou a minha década de oitenta, na companhia de My Foolish Heart e de Misty. Chet Baker morreu há 25 anos (assinalaram-se no passado dia 13), em Amesterdão, crê-se que depois de mais uma sessão de drogas duras. A relação da sua vida com as drogas é permanente, mas prefiro esquecê-la em nome da música de Chet Baker e, sobretudo, do tom que o seu trompete transportava, num crescendo de melancolia e depressão, perto da tragédia. «Early Morning Mood» e «Anticipated Blues» são dois temas fatais, mesmo para quem não navega nas águas do jazz, e tenho pena que não entrem, como pano de fundo, no documentário que Bruce Weber dedicou a Chet Baker, Let’s Get Lost. Mas o título rende-lhe homenagem: ouvir o seu trompete, grave e triste, continua a ser o primeiro passo para a perdição.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O Filipe resume o essencial sobre a co-adopção e a adopção e o que interessa dizer sobre o assunto.
Se a realidade não está conforme ao que pensas que é melhor para a realidade, acusa-a de reaccionária. Geralmente resulta durante uns tempos. Ou então diz a verdade sobre como as coisas são. Os tempos da peste são assim.
Como de costume, o bom senso e um pouco de serenidade nos posts de Luís Naves.
Alguns dos seus acordes aparecem nos filmes de Woody Allen – são um misto de melancolia e humor, coisa que evoca diretamente a figura do guitarrista Django Reinhardt (1910-1943), o homem que poderia ter alterado o som do jazz se não tivesse morrido aos 43 anos, a 16 de Maio, há 60 anos – e se não fosse belga com origens ciganas, mas isso é outra história. Para quem ouve «Nuages», um dos seus grandes temas, «Stardust», a sua versão de «All the Things You Are» ou «Blues for Ike» (dedicado a Duke Ellington, com quem tocou nos anos 40 em Nova Iorque), Django só pode estar no grande palco do jazz, que muitas vezes dividiu com Stéphane Grappelli, mas onde lhe está reservado um lugar de primeira linha. É aí que o encontro, o cigarro dependurado da boca, a guitarra entre as mãos – a guitarra que, no jazz, esteve sempre em plano secundário, salvo quando Django Reinhardt é evocado.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Na semana passada «recomendei» um artigo da jornalista Josefina Licitra sobre o «escândalo» de corrupção montado pelos Kirchner na Argentina. As notícias continua, apesar de o Dr. Soares ter dito que gosta muito desse governo e de D. Cristina. É uma história policial e rocambolesca, como de costume. Aguardo o capítulo em que os guarda-costas de Hugo Chávez entrega a D. Cristina as malas com dólares. Há-de chegar. Mas já chegou a La Angostura, uma espécie de Suíça nos Andes.
O partido Os Verdes (e creio que toda a esquerda) acha que os estudantes do 3.º Ciclo devem estudar a Constituição. Não me parece desajustado nem cruel; há coisas bem piores, como ler alguns textos de certos manuais de Português. De resto, compreende-se o interesse da esquerda em obrigar os adolescentes a ler a Constituição – porque o atual regime, agonizante, desenhado nos anos 70, assenta naquele texto cuja revisão parece ser um tabu. Já a direita diz que é melhor as escolas ensinarem minudências de direito constitucional em vez de mostrar aos alunos que o povo português tomou a decisão de “abrir caminho para uma sociedade socialista”, como se lê logo a abrir. Justo receio. Mas por que não se pode rever a Constituição e retirar os seus simpáticos anacronismos? Porque seria um escândalo. E nisto estamos: metade do país não deixa que os seus filhos leiam um texto que já devia ter sido revisto.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Passados quase 40 anos sobre a independência dos países africanos de língua portuguesa, começa a ser desclassificada uma quantidade generosa de fontes históricas, o que permite fazer luz quer sobre episódios fundamentais desse período, quer sobre o cenário geral em que decorrem. Segredos da Descolonização de Angola, da jornalista Alexandra Marques (Dom Quixote, 544 págs.), que chegará às livrarias por estes dias, é um documento notável que nos ajudará a reconstituir a retirada portuguesa de Angola. Não se tratou de descolonização, de facto – mas de uma simples transferência de poderes num palco dominado pelas grandes potências da época. Quanto mais documentos deste género forem publicados mais depressa terminarão o tabu, os traumas e a versão oficial e desculpabilizadora que dominam a explicação desses anos de fogo. O tempo passa e cura as feridas; mas, para isso, tem de ser conhecido.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
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