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A TVI agradece a chegada do apedeuta lusitano para as noites dominicais da RTP. Quando o apedeuta se dedicar ao comentário, então, talvez desça um pouco mais.
Aprecio muito a indignação, sobretudo a fingida, que é mais literária, e, embora não tenha Facebook, recolhi por outras vias a tralha de adjectivos que talentosos génios do comentário coleccionaram durante estes dois dias e meio.
Inqualificável, vergonhoso, abjecto, ataque indelicado, inenarrável, irreparável, frouxo, traidor, inverosímil, humilhante, humilhado, transtornado, desesperado, chocado, intrometido, detestável, mentiroso, ventríloquo, cadáver, ataque vergonhoso, inválido, ladrão, leviano, lamaçal, chantagista, malcriado, arrogante, marreta, melindre, mixordeiro, ratoneiro, incapaz.
Tudo isto num post do Facebook sobre o discurso do primeiro-ministro. Vou lê-lo outra vez; não tinha dado conta que fosse tão interessante.
À distância é muito mais fácil dizer mal de Margaret Thatcher, a mulher que a Grã-Bretanha e a Europa não vão esquecer. Foi uma das últimas “almas conservadoras” da Europa, uma conservadora clássica que desconfiava da «contabilidade criativa», do Estado, e da fauna que se alimenta dele. Mas além disso, tal como Winston Churchill, disse sempre o que precisava de dizer sem o filtro do «politicamente correto», porque nunca apreciou consensos no fio da navalha. Lutou contra o mundo convencional da política, mas teve a sorte de contar com adversários à altura, tão inteligentes e tão decididos como ela e que, também como ela, conheciam as dificuldades do pós-guerra. Hoje, qualquer imbecil repete inanidades sobre a época de Thatcher; a verdade é que ela não sobreviveria no cenário da política europeia destes anos – ou teria vencido em toda a linha, e a Europa (a que ligava pouco) não tinha chegado até aqui.
Afinal, Lula – o que não sabia de nada, o que não sabia de mãos sujas, dinheiro sujo, homicídios, contas bancárias, transferência bancárias e sacolas de dinheiro, tinha as mãos sujas. Desde o princípio:
Veja: «Depois de refletir muito, Marcos Valério teria finalmente decidido procurar o Ministério Público para revelar alguns segredos – o principal deles, supostos detalhes de suas conversas com Lula em Brasília. O ex-presidente sempre negou a existência de qualquer vínculo entre o operador do mensalão.»
José Dirceu: «O Lula não dá cheque em branco pra ninguém. Ele delega, mas controla, cobra. Sabe de tudo o que acontece. Quem acha o contrário nos subestima.»
Enquanto aborreço amigos para confirmarem se certa casa em Moledo (ou em Caminha ou Âncora) está livre para as férias deste ano, recebi uns simpáticos recortes:
Antes que alguém se lembre de propor mais impostos ou de relembrar a cativação de depósitos bancários para pagar os gigantescos défices que pairam sobre a República, relembremos que só depois de quinta-feira é que elas cantam.
Um grupo de pândegos emparceirados com o Anonymous tentou, durante o dia de ontem, «limpar Isarel do mapa da internet». A gracinha estava lá. Podiam fazê-lo nos países da região onde a internet é vigiada e os internautas presos regularmente – mas preferiram Israel, onde não há censura. Fizeram-no durante o Yom A Shoa, o dia em que se assinala a memória do Holocausto, tentando um ataque ao site do Vad Yashem, e afectando, entre outras, a página dedicada às crianças que sofrem de cancro.
Maduro já ergueu uma capela das aparições.
Depois de Chávez lhe ter aparecido sob a forma de um passarinho (o pajarito chiquitito começou a piar e lembrou-lhes: «Hoje arranca a batalha...»), Maduro lança maldição índia, a de Macarapana, sobre quem não votar nele. Entretanto, a Globovisión passará para mãos chavistas, enquanto os cinco canais públicos transmitem 24 horas de propaganda do PSUV – o dr. Soares deve achar bem, porque foi dos primeiros a apoiar o encerramento de estações de tv e rádio, por serem «impertinentes» para com o caudillo. Nunca se devem esquecer estas coisas.
Não se assinalou, como devia, o centenário do nascimento de Muddy Waters (1913-1983). A data não pode passar sem comoção – Muddy Waters não foi apenas «um cantor de blues»; foi um génio dos blues, do jazz e do rock’n roll, uma voz tremenda, um trovão dos blues, uma torrente devastadora que nunca se esquece. Quem possui essa raridade, At Newport 1960, os três paradoxais discos de 1969 (After the Rain, Fathers and Sons e Sail On) e o disco que assinala o seu regresso em 1977 (Hard Again), não compreende como Muddy Waters pode ser esquecido. As suas influências alastraram a todo o rock posterior à longínqua chegada a Chicago, vindo do Mississípi e das plantações. Por vezes, a sua voz transporta esse tormento que ecoa como uma ameaça de apocalipse sobre todas as almas; de outras vezes, a sua guitarra sobrepõe-se à respiração e transforma-se numa arma letal. Ele era os blues.
[Da coluna do Correio da Manhã]
A frase vem no CM de ontem e merece ser citada: “Já tentei escrever só sobre humanos, mas fiquei muito aborrecida.” Foi dita na televisão americana ABC por Stephenie Meyer, a criadora da série Twilight, onde os heróis são vampiros e lobisomens (com a pequena contribuição de uma humana demasiado triste) num mundo irreal, belíssimo e que o derradeiro filme transformou num pastelão. Mas a inquietação está lá, em todos os livros de Meyer, que agora decidiu passar a escolher extraterrestres como protagonistas de uma nova saga, Nómada. Daí a pergunta: e escrever sobre humanos? Meyer, que é uma mulher bonita (e rica – o novo livro vendeu 3 milhões nos EUA), acha-os aborrecidos. Tem alguma razão. Podíamos argumentar e relembrar a capacidade de o género humano para nos surpreender, maravilhar e desiludir; não vale a pena. Cansados de nós, olhamos para lá da penumbra. E é isso que queremos.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Seamus Heaney, um poeta maravilhoso, um dos irlandeses distinguidos com o prémio Nobel da Literatura (os outros são Yeats, Bernard Shaw e Beckett), acha que há vantagens consideráveis em decorar poesia na escola. Decorar – leram bem – vem de «do coração», by heart. Houve algumas reações contra Seamus Heaney, sobretudo contra a ideia de «forçar as crianças a aprender poesia de cor». Eu aprendi (Cesário, Pessoa, Camões, Bocage, O’Neill, e até Augusto Gil ou Guerra Junqueiro, entre outros) e não me fez mal nem deixou a marca de nenhum trauma. Seamus Heaney defende a introdução da memorização de poesia (em voz alta) no currículo da escola primária; mais tarde, com a idade adulta, será uma bênção, sem dúvida – e um fragmento de beleza que se transporta para todo o lado. Em tempos difíceis, a poesia traz um pouco de conforto e nenhuma poesia fica mais pobre por isso.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Pode haver várias e subtis explicações para estes dados – mas convém retê-los: Portugal efetuou 1044 pedidos de dados ao Google sobre contas de utilizadores. Acima de nós só os EUA; abaixo, em termos percentuais, Hong Kong, Singapura, França, Inglaterra, Austrália, Itália, Alemanha, Brasil e Índia. O que quer isto dizer? Que as autoridades judiciais portuguesas gostariam de saber muito mais do que podem sobre os utilizadores da net, uma vez que a Google acedeu prestar informações apenas em cerca de 30 por cento dos pedidos. No entanto, mais assustadores são os dados relativos à Europa: é o continente que viu mais pedidos rejeitados pela Google, o que significa que é o continente onde o Estado quer saber mais sobre matérias que a empresa considera que dizem respeito apenas aos seus utilizadores e não ao Estado ou ao seu braço judicial. Sabemos todos o que isso significa, não é verdade?
Do discurso do primeiro-ministro há uma passagem enigmática, quando anuncia que vai pedir cortes nas despesas de funcionamento dos ministérios. Salvo erro, trata-se de uma possibilidade, sim – mas remota. E mínima.
Ontem, numa entrevista à Antena Um, Daniel Innerarity mencionou a estranha contradição em que vive a Europa, sobretudo aquela que separa os que têm competência ou instrumentos para atuar na «crise europeia» – mas não têm legitimidade para o fazer – daqueles que têm inteira legitimidade democrática para atuar – mas não estão preparados para o fazer. A questão da legitimidade está na base da próprio funcionamento desta União Europeia. Lembram-se de quando nos diziam que os cidadãos, ai deles, não tinham legitimidade para referendar os tratados, porque estes eram “muito complexos”? Lembram-se de os iluminados cérebros da Comissão Europeia terem criticado abertamente os eleitores dinamarqueses ou irlandeses por não terem votado num certo sentido? O que acontece em Itália também coincide com esta esquizofrenia: independentemente do voto recente dos italianos, vai formar governo quem for escolhido pelo presidente em conjugação com a bênção de Bruxelas e dos seus interesses conexos. Os europeus ainda não se deram conta de que a legitimidade para escolher as nossas vidas, hoje em dia, diminuiu drasticamente. A discussão sobre a natureza e a falência da democracia contemporânea não pode ignorar os anos recentes da UE.
[Da coluna do Correio da Manhã]
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