Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
No Malomil (e no Romeu Moscowit'z) a história da falsificação de uma fotografia de Cristiano Ronaldo. Sabiam que a fotografia era falsa? Se sabiam, por que a publicaram? Se não sabiam, que andam a fazer?
Adenda: ainda no Malomil, este texto delicioso de Onésimo Teotónio de Almeida.
Depois de fugirem do Egito, libertando-se, os antigos escravos atravessaram o deserto: a imagem bíblica repete-se anos após ano, relembrando o seu sentido. A Páscoa original, ou Passagem (Pessach, do hebraico), queria dizer também “paragem” e “travessia”. Os mistérios das religiões passam pela vida quotidiana e arrastam a lembrança de histórias que hoje fazem parte de uma memória proscrita e envergonhada. O Ocidente tornou-se laico, primeiro – mas cínico e ateu depois. Hoje, tem medo; teme a religião e os seus símbolos, mas geralmente desconhece o seu significado. No século passado, a filosofia decretava a morte do homem – hoje, a política assume que o homem é matéria dispensável. Mas o mistério da religião permanece, inquietante (vive-se em clandestinidade) e lembra-nos que somos peregrinos. Estamos de passagem. Estamos numa Páscoa que abre as portas a quem procura abrigo em busca de algum silêncio.
O mais importante da entrevista de José Sócrates à RTP foi o momento em que tratou os seus adversários como “essa gente”. O seu país é o país em que não tem de contar com “essa gente” – e “essa gente”, o material desprezível, é toda a gente que não partilha das suas mentiras, que não se submete à sua arrogância e não lhe promete genuflexão. Todas as armas que Sócrates transportou para a RTP já tinham sido usadas, desde o ataque à imprensa livre ao manuseamento de números. Na entrevista foi beneficiado: não era um entrevistado; era um colaborador da casa. Estava a preparar-se para a homilia.
Disponível para download aqui.
Num mundo dominado pelo interesse no espetáculo, com a sua velocidade e indigência, o nome de Óscar Lopes (que morreu na sexta-feira passada) está naturalmente confinado ao círculo da gente com memória, apesar de ter marcado várias gerações com os seus livros. Lopes (leia-se o magnífico e comovente poema de Vasco Graça Moura sobre “um senhor de Matosinhos”) foi um sábio. O seu trabalho circulava entre a literatura, a estética e a linguística, mas convocava toda a sua experiência de contacto com outros saberes (até a matemática); isso fez dele um dos nossos grandes professores, ocupação hoje caída em descrédito. A monumental História da Literatura Portuguesa, que escreveu com António José Saraiva, foi uma das peças da sua grande intuição e do seu edifício harmonioso – e toda a sua obra é um combate pela cultura (veja-se este título, A Busca de Sentido), contra a ignorância, a leviandade e a falta de inteligência. É bastante.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Passaram neste sábado vinte anos sobre a morte de Natália Correia. Não vale a pena praticar o exercício do anacronismo – por exemplo, pensar no que hoje diria Natália sobre o nosso país. A autora de Não Percas a Rosa disse-o em vida, na época, e com aquela veemência que nunca conseguiu fixá-la a uma redoma ideológica, de janelas fechadas para o exterior. Pessoas como ela fazem falta porque nunca podem ser substituídas; nem a sua poesia, nem os seus textos de intervenção mais imediata, nem o seu sarcasmo, nem a sua tentação de desancar a pátria e, sobretudo, os hierofantes empalhados da pequena moral. Por muito que se procure “uma forma de ser Natália Correia” é impossível encontrá-la porque ela foi tão plural e desconcertante que encaderná-la num catálogo é uma tarefa inútil. Os tempos não vão para pessoas assim. Para homenageá-la, vamos aos seus livros. É o que resta, no fim de contas.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Apesar do Tratado de Versalhes, nunca foi muito clara a vontade de manter uma Áustria independente; Hitler acrescentou dois importantes factores: o “pangermanismo austríaco”, garantido por referendo (a par do poder crescente e ruidoso do partido nazi), e o antisemitismo das ruas. Aquilo que fora uma sociedade livre, multicultural e cosmopolita regressava, a pouco e pouco, à nuvem da Grande Alemanha que, do outro lado da fronteira, tinha levado Hitler ao poder e ao crime, diante da passividade de uma Europa que não estava disponível para enfrentar o demónio do novo Reich. A 12 de Março, há exatamente 75 anos (em 1938), o exército alemão desfaz as dúvidas e sobe o primeiro degrau da escalada pelo domínio dessa Europa amorfa e desistente, entrando na Áustria com aplauso. No dia seguinte, a Anschluss (anexação) é anunciada oficialmente. A Alemanha estava preparada para começar a guerra.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Vem aí novo livro de E.L. James, a autora de As Cinquenta Sombras de Grey, o grande êxito editorial de 2012. Não são mais aventuras de Anastasia e Christian – mas um manual para quem queira tentar-se a escrever um livro (de preferência sobre sexo). Por isso, a notícia teve mais impacto na Business Week: E.L. James ensinará a escrever romances e a ganhar dinheiro com isso. É uma perspetiva agradável, mas difícil. Steinbeck, Patricia Highsmith, Kundera, Vargas Llosa, por exemplo, escreveram sobre a arte do romance. Faltava-lhes esta dimensão. E.L. James explicará como transformar um ‘felatio’ num capítulo digno de ser adaptado ao cinema ou de proporcionar retribuição adequada. Não me julguem mal; James promete mostrar como se consegue captar a atenção dos leitores ‘até ao fim’, a matéria mais difícil de todas. Está tudo ao alcance da mão. Nem sei como alguém não se lembrou disso antes.
Haber visto crecer a Buenos Aires, crecer y declinar.
Recordar el patio de tierra y la parra, el zaguán y el aljibe.
Haber heredado el inglés, haber interrogado el sajón.
Profesar el amor del alemán y la nostalgia del latín.
Haber conversado en Palermo con un viejo asesino.
Agradecer el ajedrez y el jazmín, los tigres y el hexámetro.
Leer a Macedonio Fernández con la voz que fue suya.
Conocer las ilustres incertidumbres que son la metafísica.
Haber honrado espadas y razonablemente querer la paz.
No ser codicioso de islas.
No haber salido de mi biblioteca.
Ser Alonso Quijano y no atreverme a ser don Quijote.
Haber enseñado lo que no sé a quienes sabrán más que yo.
Agradecer los dones de la luna y de Paul Verlaine.
Haber urdido algún endecasílabo.
Haber vuelto a contar antiguas historias.
Haber ordenado en el dialecto de nuestro tiempo las cinco o seis metáforas.
Haber eludido sobornos.
Ser ciudadano de Ginebra, de Montevideo, de Austin y (como todos los hombres) de Roma.
Ser devoto de Conrad.
Ser esa cosa que nadie puede definir: argentino.
Ser ciego.
Ninguna de esas cosas es rara y su conjunto me depara una fama que no acabo de comprender.
Un hombre que cultiva su jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología.
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
El tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada.
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.
Os Filhos do Zip-Zip (Esfera dos Livros), de Helena Matos, está nas livrarias. Num país sem memória, ou que a despreza e frequentemente adultera, Helena Matos evoca, através de recortes de jornais, fotografias e publicidade da época, a transição portuguesa para os nossos anos setenta. Há gente que se lembra de como o Zip-Zip marcou a sua vida – e gente que não se recorda do programa de televisão de Solnado, Fialho e Cruz. Mas o país está lá, no fundo das recordações: guerra colonial, futebol, Vilar de Mouros (com Elton John em 1971), cigarros Kart, a fabulosa Dyane 6, Tulicreme, drogas, Procol Harum, J. Pimenta, ‘Simplesmente Maria’ e os bonecos do ‘Riso Amarelo’. Para alguns, esta evocação é pura nostalgia; na verdade, é o ‘Portugal futuro’ que já ali aparece desenhado. Nem de propósito, atravessamos uma época especial: os filhos do Zip Zip estão a abandonar o poder. Façam contas.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Para os dias de hoje, o nome de Louisa May Alcott há de querer dizer muito pouco. Compreende-se: o seu livro maior, Mulherezinhas, é um romance moral e, hoje em dia, fora de moda (há cerca de seis edições diferentes em português). Foi lido por gerações de adolescentes e raparigas saídas da infância: as quatro irmãs que protagonizam a história passam por dolorosas dificuldades financeiras, submetem-se a todos os sacrifícios em nome do bem, são caridosas e bem intencionadas – e a história termina bem, com casamentos e sucessos familiares. Um livro assim (publicado há 145 anos) está condenado hoje em dia. Os tempos mudaram: na época, Mulherezinhas obteve um sucesso extraordinário e era modelo do feminismo americano. Alcott, que morreu há 125 anos, assinalados ontem, foi abolicionista e sufragista, discípula dileta de Hawthorne, Emmerson ou Henri-David Thoreau, tudo menos reacionários.
[Da coluna do Correio da Manhã]
Dezoito tipos de penteado são largamente suficientes. Eu, por exemplo, só gosto de quatro ou cinco. Dezoito é um número para lá de adequado; se percorrermos a história da pintura dos últimos duzentos anos, acrescentando-lhe mesmo a nossa memória do cinema, e as descrições presentes na literatura (há sempre essa gente) não encontraremos muitos mais modelos de penteado. E, se houver necessidade (um acaso), aumenta-se para vinte. Vinte e quatro no máximo, duas dúzias exatas. A Coreia do Norte, aquele país que “não se sabe se é uma democracia”, determinou, e bem, que as mulheres do país só podem usar esses dezoito penteados. O assunto transitou de Kim Jong-Il para o novo líder, o seu filho Kim Jong-un, que não teve dúvidas em promulgar o decreto. Os cabeleireiros de Pyongyang têm a vida facilitada. Durante a revolução cultural chinesa nunca se avançou tanto. O socialismo capilar sobreviverá.
O Dr. Soares considerou que Chávez fez bem em encerrar a televisão RCTV; esta era «de uma imensa impertinência contra o presidente eleito» (disse-o em Agosto de 2007 – a revolução devia e não devia ser transmitida pela tv). Sean Penn defendia a pena de prisão para jornalistas que chamassem ditador a Chávez (disse-o em Março de 2010, o que estava bem para o espírito do tempo). Na sequência do encerramento de 34 emissoras de rádio na Venezuela, a universidade de La Plata, na Argentina, atribuiu a Chavez o Prémio Rodolfo Walsh para a liberdade de expressão (foi em Abril de 2011). Chavez também falava de si na terceira pessoa: «Farei um referendo. Vou perguntar-vos, a todo o povo, se concordam com Chávez ser Presidente até 2031» (foi a 6 de maio de 2006). Que descanse em paz.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.