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Coleccionamos muitas despedidas. O David era um homem muito generoso, muito culto, que não se esquece. Como diz o Jorge, até já, alé lá.
O Luís M. Jorge enumera aqui uma série de sete dogmas de grande utilidade. Como de costume no que escreve, oportunos. Há evidências sublimes, e uma delas é que a política não se fez para quem quer conciliar os portugueses e fazer-lhes ver o caminho da alegria – para isso existem o futebol, a psicanálise, o sexo e até a religião, entre outras coisas. A política é um mundo complexo cheio de compromissos, descaramento e gente de mau-feitio. É nessas coisas que acreditamos. Relembro ao Luís, por isso, a Santíssima Trindade do pequeno Maquiavel português, em finais do século XIV. Quando ofereceram o poder ao Mestre de Avis, explicaram-lhe: prometa o que não pode, ofereça o que não tem e perdoe a quem não o ofendeu. Aprendam. Aprendamos.
Morreu ontem Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011). Repito as palavras de David Justino que anotava, em 2005, que VMG «deixa um legado científico, cultural e cívico, a um País que pouco lhe deu e muito lhe recusou». Ao reler alguns dos seus textos, vê-se melhor como o país ignora a sua história, os seus erros e a sua participação na história global. Recentemente, ao rever as provas de um livro seu (que a Quetzal publicará em Maio), reencontrei o seu génio de historiador e de sociólogo, e percebi melhor a forma como o país o desgostava e – no fim de contas – continuava a ignorá-lo.
Ontem ao final da tarde, apresentação de Um Promontório em Moledo, de António Sousa Homem, infelizmente sem a presença do autor. Pedro Lomba falou sobre uma «política da nostalgia» no velho liberal conservador minhoto; Joana Amaral Dias leu uma saborosa carta da sobrinha do autor (tal como ela, ligada ao Bloco de Esquerda); pelo meu lado, historiei a presença de A. S. Homem na imprensa, de 1996 para cá. Alguns amigos do autor estiveram na Bertrand do Chiado e, entre eles, José Medeiros Ferreira, Manuel Alberto Valente, Pedro Mexia, Tomás Vasques, Diogo Pires Aurélio, Henrique Raposo, João Villalobos, Luís Naves, Jordi Bruch, Bruno Vieira Amaral ou João Paulo Palha.
Hoje, na Bertrand do Chiado, em Lisboa.
Apresentação de Joana Amaral Dias e Pedro Lomba.
«A Tia Benedita acreditava que o sistema solar estava errado e que o centro de todas as gravitações planetárias era Ponte de Lima, com as suas bandas de música, as suas romarias, os seus muros, as suas mimosas, as suas relíquias familiares. Nunca descobri por que razão não parti também eu, celibatário e remediado, à procura do desconhecido. Penso que o forte da Ínsua, coberto de neblina, me impediu de achar que o mundo fosse de uma natureza muito diferente da dos pinhais de Moledo. Não sei.»
«Os tempos mudaram, inevitavelmente. O que eram para nós insondáveis segredos da Criação aos quinze e dezasseis anos, são hoje evidências demonstráveis a qualquer criança de dez ou onze. Ao contrário do leitor, que é moderno e acha que o “conhecimento” é um bem absoluto, bom em si mesmo, eu tenho dúvidas. O leitor acha que se devem festejar as mudanças. Eu acho, pelo contrário, que se deve festejar aquilo que nos dá satisfação e acrescenta um pouco de felicidade à nossa vida, que é um pouco aborrecida; nem todas as mudanças fazem parte do caminho onde gostaríamos de nos encontrar.»
Quem se apresenta a jogo com disposição de ganhar, e num pais em estado de negação, capaz de tudo para evitar olhar-se ao espelho, fazer contas, aceitar a realidade, enfrentar os dias difícieis, não pode oferecer-se o luxo de dar tiros no pé. As tropas em silêncio, seria melhor. Protestar baixinho, fazer queixinhas «do mal que nos faz a imprensa» é má estratégia; já se sabia que cada deslize seria sublinhado, ampliado e transformado em grande notícia da temporada. Todas as crises arrastam um coro de tragédia; os seus intérpretes são os cínicos de serviço, que preferem viver com o inimigo a aceitar a responsabilidade de escolher dignamente. O país vive embalado por esse cinismo. Os tiros no pé são um alimento fatal e incendiário.
1. A ideia de que criticar a tolerância de ponto de quinta-feira é oportunismo leva grinaldas a acompanhar. Não fosse o ministro Silva Pereira a avançar com ela, e haveria dúvidas. Um governo que nunca, nunca se distinguiu por qualquer tipo de oportunismo não merecia esta desconfiança.
2. E, de facto, houve sentido de oportunidade no anúncio de tolerância de ponto na quinta-feira. Um país que enfrenta um dos cenários mais negros da sua história recente, sob observação, decreta o quê? Tolerância de ponto.
Sem piadinhas sobre a crucificação, o desaire do «futebol com nota artística», etc., o essencial é o seguinte: estávamos à espera que apagassem a luz e ligassem o sistema de rega, e foi isto – tivemos de comemorar em grande. Muito obrigado.
Os últimos dias foram, naturalmente, agitados. Por isso, uma explicação aos leitores do blog.
1. Três, quatro dias em «formação a livreiros», Lisboa, Coimbra e Porto. Uma tarefa agradável, entusiasmante — e até comovente. Cerca de 150 livreiros, aproximadamente, com quem se falou de livros. Aprender muito, bastante; ouvir relatos de experiências «do outro lado da barreira», de gente que manuseia livros, arruma livros, vende livros, devolve (com tristeza) livros não vendidos. Acho que a formação foi, realmente, para mim.
2. Encontro de Leitores da revista LER, desta vez no Porto, depois de uma primeira experiência em Lisboa. E esta brincadeira para o Dia do Livro.
3. Finalmente, a política. Fui convidado, como independente, para a lista de candidatos a deputados pelo PSD no círculo de Bragança – e aceitei. As razões são simples e prendem-se, todas elas, com a necessidade de responder a um desafio para a participação na vida portuguesa. Há muitas formas de o fazer — esta é uma delas. A participação activa na vida política nunca foi uma das minhas prioridades acima de todas as outras; a experiência dos últimos anos, no entanto, é dramática: a indiferença destruiu a capacidade de o país escolher, interrogar-se, pensar, escolher e agir. Essa indiferença conduziu, não raro, a formas obtusas de ressentimento, de mistificação, de medo, de mau governo e — finalmente — a um caos em que o debate, a troca de ideias e o esforço colectivo foram desprezados, até chegarmos a um ponto em que a indiferença diante do mau governo se tornou tolerada e, até, apreciada e valorizada. Essa perversão da vida democrática é inaceitável. Diante do mau governo devem apresentar-se propostas e soluções para a mudança — até para reconduzir o país a uma normalidade que lhe permita encarar as dificuldades económicas que vive actualmente.
Penso que Portugal deve mudar; não apenas de governo, mas de modo de vida. Os últimos dez anos conduziram-nos a um caos que não vivemos antes senão em situações de excepção — na economia, na justiça, na educação, na protecção social, na vida em sociedade. À situação económica próxima da calamidade (de que os sinais mais evidentes, nos últimos anos, são o endividamento crescente do Estado, das empresas e dos cidadãos, a par do descontrole das contas públicas e da incapacidade de o governo fazer as escolhas mais acertadas, mascarando a contabilidade, falhando nas previsões, tomando por realidade aquilo que não passa de uma soma de fantasias cujos resultados serão bastante graves para os próximos anos) junta-se também a necessidade de procurar novos caminhos para a nossa vida. Isso passa por repensá-la e não por sujeitá-la a conjuntos contraditórios de «medidas» ditadas pela propaganda, pelas circunstâncias mais imediatas, bem como pela necessidade de manter uma enorme máquina de poder e de influência, cujo único objectivo é o de criar mais poder e mais influência. Acredito que isso passa por exigirmos clareza e transparência nas contas públicas, porque isso há-de significar, também, respeito pelo esforço e participação dos contribuintes; pela ideia de parcimónia e moderação na vida das famílias, porque isso significará que não se endividarão para lá do aceitável; por exercer o poder sem abdicar das ideias de tolerância, de respeito pela diversidade de opiniões, da necessidade de debate e de consenso; passará também por reduzir o poder do Estado e das grandes corporações, de modo a não sacrificar a liberdade dos cidadãos nem a sua capacidade de iniciativa; passará por fazer com que a educação e o ensino regressem à escola pública, que não pode ser reduzida a um palco de experiências sindicais, pedagógicas, ideológicas e de «engenharia social»; passará por uma reforma da justiça, de forma a torná-la mais célere, mais próxima dos cidadãos, mais eficaz, mais fiável, mais prestigiada e independente do poder político; passará por não tratar como mera estatística (maleável e apta para toda a espécie de propaganda) o crescente e dramático aumento do desemprego, da pobreza e do desamparo na velhice; passará por mais, sempre mais, rigor e transparência na aplicação dos dinheiros públicos, uma vez que o Estado não pode ser «propriedade» de nenhuma geração iluminada, de nenhum complexo empresarial, de nenhum grupo de pressão e de influência, nem pode, tão-pouco, ser administrado ao sabor das conveniências do momento; passará por uma nova interpretação do papel do Estado na área da Cultura, que não pode ser concebida como o organograma dos interesses privados e corporativos no actual Ministério da Cultura – é impossível falar de Cultura sem falar da ideia de comunidade, sem falar de imaterialidade, de prospecção do futuro, de património e da independência dos criadores em relação ao Estado; é também impossível falar de cultura sem falar de novos públicos para a cultura, tendo em conta que os novos públicos não se formam com mais dinheiro, com mais investimento e mais despesa do Estado, mas com a sua criação a partir da escola, que não pode continuar a menosprezar a educação artística, o pensamento e o contacto com as letras e o património. Estas são as minhas ideias e continuarei a defendê-las —já as defendi até aqui, e penso que são justas e sensatas. E creio que as ideias de justiça e de sensatez devem regressar à vida política. Irei defendê-las agora noutro lugar, e a partir de uma candidatura em Bragança, terra de grande parte da minha família, a terra dos meus maiores, como escreveu Jorge Luis Borges. Tenho orgulho em fazê-lo a partir de Bragança.
Como disse, aceitei esta candidatura como um desafio à participação na vida portuguesa. A partir de agora, esse desafio será, também, um dever. Manter-me-ei como independente, no quadro de um programa eleitoral com que me identifico e que defenderei. Não tenho uma vida profissional como político dedicado à política a tempo inteiro — sou e serei sempre o que fui: autor e editor. Irei, portanto, manter essa identidade e essa raiz. Espero não me arrepender; mas, se isso acontecer, sei que não há novos começos. Continuarei, apenas.
José Eduardo Agualusa
Pedro Mexia e Abel Barros Batista
Diante do Douro, com Eduardo Pitta. | José Mário Silva.
Almoço. Entre outros, na foto da esquerda, Pedro Mexia, Abel Barros Baptista e Paulo Oliveira (CEO, grupo Bertrand/Círculo).
Na foto da direita, Mário Marques, José Mário Silva e João Pombeiro.
Eduardo Pitta. A cataplana com legumes.
Correi, leitores. José Rentes de Carvalho estará em Lisboa para o lançamento de La Coca. Terça-feira, na Bertrand do Chiado, às 18h30.
No blog de António Granado: a foto do secretário-geral do PS na primeira página do DN está assinada «Gabinete do Primeiro-Ministro».
Adenda: Atenção, que as limitações à circulação de fotógrafos existem nos congressos de outros partidos. Há abundantes casos de fotografias de campanha publicadas em vários jornais e que foram fornecidas pelos serviços de imprensa de todos os candidatos.
Tudo isto está muito certo. O problema é que muitas das pessoas que assinam o texto não só não acreditam nele como, no passado recente, foram excelentes avestruzes.
Quando se fala na «ajuda externa», um eufemismo sem mácula, há reacções curiosas: os que partem do princípio de que temos direito a ela, sem mais, e que «as instituições internacionais» não fazem mais do que a sua obrigação — muito semelhante à reacção argentina no tempo de Carlos Menem e no pós-Meném; os que a consideram «um novo saque» ao país, e que chamam canalhas aos que emprestaram dinheiro; os que vêem na «auditoria às contas públicas» um ultraje inultrapassável, uma desconfiança brutal, um ataque à honra. A poucas pessoas passa pela cabeça dizer, com clareza, que é necessário pagar as dívidas e que esse endividamento crescente existe independentemente de qualquer argumento. O argumento de que é necessário encarar esse endividamento como problema bate sempre numa barreira: sim, mas já viram o endividamento dos outros? O único problema são as garantias. O vetusto D. Manuel não pediu empréstimo para enviar a embaixada de Tristão da Cunha ao papa; nem precisava de garantias (curiosamente, uma primeira desfaçatez ideológica foi abandonar as ilhas de Tristão da Cunha e mandar o rinoceronte para Roma por via postal...), que abundavam no nosso tradicional desperdício – azares previstos da História, tudo veio a acabar. Hoje não temos garantias aceitáveis. Como uma família endividada, tem de negociar, renegociar, e mostrar as contas: estamos assim. Por mais que António Costa dê a volta ao discurso pré-eleitoral, é preciso «atacar o mal prioritário, reduzir a dívida, reduzir o défice, consolidar as nossas finanças públicas». Depois disso, sim, há vida para lá do défice.
«Tem de haver uma avaliação muito, muito profunda tanto das finanças públicas, como do sector financeiro, e só então poderemos determinar as necessidades», diz o ministro sueco das Finanças, Anders Borg, sobre a ajuda externa a Portugal. Afinal, parece que alguém quer uma auditoria às contas públicas portuguesas.
O argumentário sueco não é muito lisonjeiro: «O Governo português tem uma grande responsabilidade pela situação em que o país se encontra por causa do défice e dívida pública que se mantém elevados durante um longo período de tempo.» [...] «Há aqui muitos argumentos para críticas.»
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