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Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
«Há quase vinte anos que não me dedico à ciência económica – um assunto que ficou arrumado , no Porto, no velho escritório da família, quando decidi retirar-me para os pinhais de Moledo convencido de que a pátria se tinha morigerado e que estávamos no caminho do progresso. Mesmo assim, os hábitos frugais dos Homem, longe da sovinice, recomendaram sempre economias, poupança, aforro – os Homem não confiam no Estado, nem para cobrar o imposto nem para gastá-lo depois.
O velho Doutor Homem, meu pai, tinha gostos moderados e gastos sem expressão. Habituado à contemplação, às sestas de fim de semana e os Verões supliciantes de Ponte de Lima, bastava-lhe considerar que a vida tinha um termo e que ele não estava talhado para decidir quando seria esse dia. Limitava-se a um pequeno-almoço de torradas com pão do dia anterior e à leitura de jornais; o café de cevada mantinha-o erguido durante toda a manhã – e considerava que “jantar fora” era um luxo fora de moda, bom para burgueses e homens sem família. Ele tinha razão no essencial; a ementa dos restaurantes era péssima e os perfumes da cozinha de casa ainda hoje são recordados com saudade. Habituados a poupar no acessório para dar satisfação ao essencial, duas gerações de portugueses remediados puseram as suas economias a salvo, na convicção de que esse sacrifício tinha sido feito por eles e não pelo Estado. Mudou tudo, entretanto. Não há nada na vida das pessoas sobre que o Estado não tenha opinião, desde alta economia até puericultura. E esse é o nosso principal problema.»
Morrisey, «First of the Gang to Die»
Lembram-se do candidato egípcio a director-geral da Unesco que Portugal apoiou? Leio que está em prisão domiciliária. São os infortúnios da virtude. Pobre diplomacia.
100 números. 100 edições. 24 anos. Um número especial com uma entrevista com George Steiner.
Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
«A minha sobrinha Maria Luísa, que vota esporadicamente no Bloco de Esquerda quando as eleições não a afastam da praia, em Moledo, desencantou-se com a pedagogia e berrou com os dois filhos, proibindo-os de ver televisão. ”Veja lá, não os traumatize”, murmurou Dona Elaine, que não desviou os olhos da revista espanhola onde aprende o essencial sobre o high-society do Mundo. Ela é a governanta da casa de Moledo, onde a família se reúne aos domingos para o almoço familiar. Sabe pouco de pedagogia mas aprende os rudimentos da vida contemporânea com os diálogos das telenovelas portuguesas.
Maria Luísa compreendeu a ironia da observação. Dona Elaine, sim, estava traumatizada porque os rapazes cavaram trincheiras em redor dos canteiros das tulipas (a sua flor preferida, tirando as japoneiras), cujas pontas rebentaram na semana passada. ”Eu quero lá saber dos traumas, vou interná-los num colégio ou enviá-los para adopção.“
“Fico à espera”, respondeu a governanta. Ela sabe que o velho Doutor Homem, meu pai, que odiava os gladíolos e lírios brancos do jardim de Ponte de Lima, dava — aos filhos e sobrinhos — dez tostões por cada rebento arrancado e destruído. Manteve-se sempre na clandestinidade, deixando-nos ao arbítrio das coisas e enfrentando um julgamento por banditismo botânico.»
Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
«Descobri sem surpresa, mas rendido às evidências, que a minha sobrinha Maria Luísa já não espreme a pasta dentífrica pelo meio mas pela base, enrolando-a metodicamente. Nunca tendo acreditado em ‘equivalências morais’ mas confiando no rumo da História, isto corresponderia a acreditar que o dr. Afonso Costa ia – às escondidas – beijar o lausperene da Sé de Braga sob olhar embevecido de D. Rodrigo de Moura Teles, que tinha sido arcebispo da arquidiocese duzentos anos antes.
Os Homem de antigamente eram poupados e minuciosos; amparava-os nisto a certeza de que a vida tem um fim e de que o dinheiro de algum lado vem. Desiludindo a Doutora Filomena Mónica, que me julgava um remanescente temporão da fidalguia minhota, os Homem foram sempre muito ciosos das suas economias – não porque passassem por sovinas, mas porque acreditavam na finitude das coisas e nos princípios da economia doméstica mais básica. Por um breve período, a Tia Benedita achou o dr. Salazar uma espécie de vidente quando anunciou que pretendia aplicar esses princípios às contas da Pátria para lhes acabar com o saldo negativo. O velho Doutor Homem, meu pai, tentou explicar-lhe que uma coisa eram os orçamentos do Estado e que outra eram os modos como as famílias educavam os seus filhos, ensinando-os a poupar os lápis e a barrar de manteiga apenas um dos lados do pão. Nesta matéria, o causídico achava que o antigo lente coimbrão não devia entrar na casa dos portugueses para lhes vigiar os defeitos.»
Parece que em Angola estão nervosos por causa da manifestação convocada para dia 7. Comecem a recolher as notícias dos jornais e acompanhem; aqui sim, vai ser um festival — e um bom debate entre economia útil e regime tolerado, entre corrupção a nosso favor e alianças com ditadores corruptos e militares que percebem do negócio. Vai tremer a banca, vão tremer as construtoras, etc. Há o factor China, claro. Mas ainda vamos assistir a um espectáculo interessante: marechais da banca luso-angolana a pedirem menos democracia e mais desenvolvimento, menos parlapié e mais negócios. Além do mais, eles são africanos, não é? Democracia, direitos humanos, luta contra a pobreza — para quê?
Mario Vargas Llosa é um «reaccionário, inimigo das indústrias culturais e útil a um sistema de dependência cultural na América Latina». Por isso, o convite para participar na Feira do Livro de Buenos Aires, é «uma ofensa à cultura argentina». Leiam e aprendam.
Lembram-se de Serge Gainsbourg? Morreu há exatamente vinte anos, depois de uma vida cheia de canções, escândalos, álcool, duetos inesquecíveis. A nossa memória está cheia desses encontros. Cantou com Brigitte Bardot, com Deneuve (‘Dieu est un fumeur d’Havanes’) e, naturalmente, com Jane Birkin (ah, ‘Je t’Aime, Moi Non Plus’) – e escreveu para gente tão diferente como France Gall, Gréco, Françoise Hardy ou Petula Clark. Discípulo de Boris Vian para o bem e para o mal, a imagem de Gainsbourg, o notívago decadente, talvez não sobrevivesse aos dias de hoje, mais puritanos e vigiados. Vinte anos depois, o seu rosto vincado e mal barbeado é ainda a lembrança de uma beleza triste, apaixonada, provocadora e adolescente. Esquecê-lo seria um pecado e uma cedência desgraçada.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
«Duas causas concorrem para que a vida seja como é: a natural imperfeição do género humano e a presunção de que o mundo pode mudar-se para benefício geral. O resultado disto é um pessimismo tão desastrado como, igualmente, confirmado pela História.
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