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Band of Horses, «No One's Gonna Love You»
Best Coast, «When I'm With You»
O repórter da SportTv, no final do Benfica-Portimonense, tem uma tirada de génio: «Com este resultado, o Benfica reduz para dez pontos a distância para o FC Porto.» Não sei o que te diga.
Francisco Assis cumpre o seu papel; neste caso, diz que o PSD abriu uma crise política ao não festejar efusiva e condignamente o novo PEC. Mas, até melhor do que ninguém no seu partido, Assis sabe que é exactamente ao contrário: o primeiro-ministro abriu uma crise política ao não negociar o PEC, apresentando-o como uma inevitabilidade. Como Assis sabe, em democracia a estabilidade não é um fim em si mesmo; e, mais do que isso, nem sequer é o melhor meio para chegar a uma solução.
O ministro Santos Silva, em Bragança, resolveu «o problema dos jovens»: a moção de estratégia do secretário-geral do PS contém «políticas de apoio à inclusão dos jovens». É tão fácil. Como é que ainda não se tinha descoberto esse instrumento decisivo, a inclusão? Sentem-se excluídos, rapaziada? Passam a incluir-se, é claro. Simplex.
É normal que o primeiro-ministro, em bicos de pés e com o dedo espetado (Durão Barroso tinha o mesmo tique), clame «pelo Estado Social» enquanto arrasa «o Estado Social», ou que diga que «é de esquerda» apenas porque diz que «é de esquerda», ou que invoque oito séculos de história para aceitar todas as imposições que lhe permitam manter-se no poder. Reconhecer que errou? Nunca.
Por exemplo. Os correios funcionam mal. A primeira informação é a de que uma série de instruções «sobre as sanções contra a Líbia adoptadas pela União Europeia e a ONU» foram enviadas há oito dias. A segunda é a de que essas instruções ainda não foram recebidas ou, se foram, estão a ser analisadas depois dos investimentos do governo de Ricardo Salgado do BES para aplicação.
«As pessoas» habituam-se facilmente às inevitabilidades. Por exemplo, a inevitabilidade da União Europeia como ela é gerida hoje; à inevitabilidade de não discutir, debater e votar os tratados sucessivamente assinados em nosso nome (como se sabe, recordem bem e não se esqueçam, porque não estávamos preparados para discutir coisas tão complexas); à inevitabilidade de todas as medidas impostas a partir da União (desde, e não estou a rir, a distância entre os dentes dos garfos, a taxa de gordura dos queijos, o tamanho e forma dos legumes — até aos cortes nas reformas, às reformas das leis laborais, etc.); à inevitabilidade dos orçamentos de Estado que era necessário aprovar, caso contrário seria a catástrofe; desde há um ano, à inevitabilidade de todas as medidas de austeridade que visam tapar buracos gerados por anos e anos de despesas indiscriminadas para «construir uma política de modernidade»; à inevitabilidade dos conluios entre o governo e as grandes empresas amigas, mesmo que isso significasse esmagar os cidadãos; à inevitabilidade de todos os sacrifícios nas «políticas sociais»; à inevitabilidade nas curvas e contracurvas da propaganda, «porque todos fazem o mesmo»; à inevitabilidade da «engenharia social» na educação ou na política de família; à inevitabilidade do governo «porque todos fariam o mesmo». Isto conduziu à anestesia geral, à indiferença, à autorização daquela bonomia feliz com que se anunciam «sacrifícios colectivos» sem discussão prévia, à contemplação embevecida de todos os «porreiro, pá», ao adormecimento da própria consciência cívica que encolhe os ombros quando um acto eleitoral está manchado por erros e boicotes óbvios. «As pessoas» tornaram-se indiferentes, autorizam tudo, acham tudo «normal», pensam que tudo é banal. Quando tudo é banal, nada é banal — tudo pode ser uma catástrofe subterrânea.
Interrogado sobre a manifestação da «geração à rasca» (uma designação pérfida), o primeiro-ministro respondeu que compreendia bem os «problemas dos jovens» (o que é já todo um programa) e que, por isso, tinha aprovado leis como a da paridade, a do divórcio litigioso, a do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a da interrupção voluntária da gravidez. «É assim que se constrói uma política de modernidade e uma política para o futuro», concluiu.
1. Se o PSD aprovar o «novo pacote de medidas de austeridade» deixará — em definitivo — de ser uma alternativa ao PS. Mas a questão não tem a ver com a «política partidária» ou a conquista do poder. O problema é, aqui, de confiança — e, mesmo que sejam necessárias mais medidas de austeridade, este governo esgotou praticamente todas as reservas de confiança. Manobrou, ocultou, tomou o Estado (a República, o País) como coisa sua, achando-se no direito de se perpetuar no poder em qualquer cenário, sem negociar (ou, negociando, faltando logo de seguida à sua palavra) aquilo que se tinha comprometido a negociar.
2. Não se pode confiar num governo que funciona desta forma, flutuante, errática, ao sabor das imposições que tem o descaramento de desmentir. Não se pode confiar num governo cuja acção desmente cada uma das suas bandeiras. Desculpar este carácter errático e sinuoso é criar a ideia da sua inevitabilidade, o que é um perigo letal para a democracia.
Esticar a corda é uma especialidade do governo. Aqui, ali, mais umas medidas, mais outras medidas, um atrevimento ali, um atrevimento aqui. Não percebo, por isso, a indignação de tanta gente com mais este plano de austeridade. Era esperado: José Sócrates tinha-o anunciado há uma semana e meia, mas o tempo está a passar depressa demais; o ministro das Finanças anunciara-o antes, mas ninguém acredita nele. Estão indignados com o secretismo do plano? Escusam: é o resultado das exigências da União. Querem que o PSD vote contra as medidas? Escusam: o governo quer cortar no défice e tem uma arma apontada ao que lhe resta de cabeça, pelo que fará chantagem como habitualmente. E entoará a cantilena do costume: é a Europa, é a Europa que o exige, por mim aumentava salários e distribuía TGVs. É uma defesa pobre, convenhamos, quase tão indigna como a de dizer «por nós as SCUTS eram SCUTS, mas o PSD quer portagens...» Poupem na indignação, poupem na teoria da conspiração; é tudo simples, como as trapalhadas do costume – trata-se de salvar o poder a todo o custo. É gente que gosta do poder, que vive aterrada pela possibilidade de abandoná-lo. Farão tudo o que estiver ao seu alcance (e para lá desse limite).
O Presidente da República tem, por isso, toda a razão: “Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos.” Precisamos de saber para que servem estes sacrifícios. Se for para pagar o défice provocado pelas asneiras, desmandos, patetices e favorecimentos deste governo, não. É isso que o PSD precisa de dizer com clareza. Ou não — mas depois é lá consigo.
Eduardo Pitta, no Da Literatura.
«Não é improvável que, empolgada pelo efeito-Deolinda, uma nova vaga de politólogos, sociólogos, hermeneutas, historiadores, exegetas, psicólogos e outros Professores Karamba, se lance, avidamente, sobre o crucial acontecimento político-cultural que foi a vitória dos Homens da Luta na relíquia televisiva anual conhecida como Festival RTP da Canção. Uma trupe revisteira de "clowns" mascarados de bonecos-do-PREC — o proleta, a ceifeira, o soldado, o pintas, a jovem-estudante-de-esquerda e o zecafonsodepunhoerguido — é uma caricatura que não só diz bem com o espírito do Carnaval como é pitéu demasiado tentador para se lhe conseguir resistir.»
João Lisboa, no Provas de Contacto.
«O Estado social, como está na moda dizer, é parcialmente uma ficção. O primeiro a ser cortado nos dias difíceis, pois não consta que as crises sejam muito más para os ricos.»
Luís Naves, no Albergue Espanhol.
«Um rapaz que frequenta o 8.º ano esclarece que só sabe assinar o nome, que ler sozinho é coisa que não consegue fazer e que se farta de faltar às aulas. Percebe-se que foi passando de ano em ano sem saber nada. A jornalista pergunta-lhe como chegou até ali. Não é com ele. Uma professora da escola que ele frequenta, no seu melhor “eduquês”, vem dizer que é impossível. Não vale a pena desmenti-la. A geração “mais bem preparada de sempre” encarregar-se-á de o fazer. E de despedi-la. Já faltou mais.»
Sérgio Almeida Correia, no Delito de Opinião.
«Esta nova série sobre As Mais Belas Mulheres de Portugal (inspirada naquele livrinho sobre as aldeias, que muito me marcou e sobre o qual há rumores de corrupção a propósito da entrada da vila de Ourique*) visa responder a duas necessidades: 1) resistir às idas ao Pingo Doce e aos encontros fortuitos com Tatiana; 2) resistir à leitura de Pavese, Kleist e Wallace, raramente em simultâneo mas por vezes ao som de Nick Drake.»
No Ouriquense.
«Para o ano há mais; para o ano não há Hulk, e espero que haja controlo anti-doping para o Falcão.»
Lourenço Cordeiro, no Complexidade e Contradição.
«Nada a fazer. Uns moços invadem uma reunião partidária e são postos fora. Não há sequer um ferido. Grita-se logo “fascismo!”: do lado dos aproveitadores do costume (a esquerda radical-flácida que não sai de Lisboa e das redacções) e do lado dos janotinhas do PS, que já bispam potenciais Codreanus em qualquer puto precário exaltado.»
Filipe Nunes Vicente, no Mar Salgado.
«Os “Homens da Luta” vão representar Portugal num festival da canção, na Alemanha. Sem ironia, acho que estamos bem representados. Não vamos desiludir ninguém.»
Tomás Vasques, no Hoje Há Conquilhas.
«A festa anual de música (alternativa, dizem eles) em Paredes de Coura não alegra só os que, nos cálidos verões, se extasiam com baterias tonitruantes e potentes bels de guitarra. O público hedonista, sem o saber, mantém parte daquele local arejado de relva e de outras plantas competidoras e, ao conformar-se à proibição de aceder a algumas áreas sensíveis, permite que, entre Fevereiro e Março, decorra um outro festival: o do narciso-de-trombeta, a que os locais que o conhecem — surpreendentemente não todos os habitantes da vila — chamam martelinhos.»
Maria Carvalho, no Dias com Árvores.
Há pessoas com uma vasta, enormíssima, devastadora boa-vontade. O problema é que, num artigo de 1,707 caracteres sobre «inovação cultural», são capazes de debitar coisas tão importantes e arrasadoras como
«inovação cultural como factor central de uma sociedade aberta», «aposta numa sociedade aberta participativa», «participação dos cidadãos», «participação activa da sociedade civil», «nova atitude perante a participação individual em sociedade», «aposta na inovação cultural», «importância estratégica que a temática da inovação cultural assume», «lógica colaborativa em rede», «novos factores estratégicos de desenvolvimento», «nova agenda de desenvolvimento», «perspectiva estratégica de aposta num novo modelo de economia sustentável», «lógica de mudança na sociedade portuguesa», «envolvimento dos “actores operacionais” (Estado, universidades, centros I&D, empresas)», «abordagem estruturada das opções», «desafio complexo e transversal», «capital de compromisso colaborativo», «um país da linha da frente em matéria de infra-estruturas de última geração», «economia sustentável centrada no conhecimento e na criatividade» e, finalmente, hossana nas alturas, a «inovação cultural como “enabler” estratégico».
Do texto de 1,707 caracteres citei (retirei as aspas, as vírgulas e uma piadinha) 916; ficaram 791, onde ainda há complementos que bastem. Servindo-no desses 916 caracteres (com boa vontade podemos reduzi-los a 800) qualquer um é capaz de escrever um texto sobre os caminhos de ferro de Benguela, a bolha especulativa, o Dia Internacional do Carteiro, o novo iPad, as empresas municipais de transporte ou os testes de admissão de pessoal não efectivo num banco a operar em Angola. Temos a coisa resolvida e, ao mesmo tempo, a prova de que a vida não está fácil.
Ora aqui está: «Face aos últimos acontecimentos políticos na arena nacional e internacional, os líderes de organizações da sociedade civil, atentos às manobras desencorajadoras que visam desestabilizar a paz social, declaram o apoio incondicional ao líder da Nação angolana, José Eduardo dos Santos.»
Está bem. Obrigado.
Ao final de noite de domingo, a maioria dos «internautas» que passaram pelo inquérito online do Público (51,4%) acha que devia haver intervenção externa no conflito da Líbia. Tomem nota do «voto popular».
Os organizadores do tal festival da canção resolveram consultar o povo. Ora, o povo, seja lá o que isso for, é manhoso e aproveita todas as oportunidades, porque conhece bem os sms, o facebook e os telefonemas de valor acrescentado, e a propaganda é uma indústria baratinha hoje em dia. Além de a patetice ter horror ao vazio e de se espalhar com grande determinação, ela é como os gatos: o «voto popular» deixa o rabo de fora.
O problema desta notícia sobre o Grupo de Trabalho para o Património Imaterial não é ter acontecido o que preocupa os contribuintes, ou seja, ter-se gasto €290,000 sem resultados — é, peço desculpa às pessoas que fizeram parte do Grupo, ele ter-se constituído. Existem trabalhos, nas universidades e fora delas, sobre o património imaterial. Aquele que pertence às universidades é relativamente parco e institucional demais; mas há bastante, realizado fora da universidade, ou fora da estrutura do MC, que serve para os efeitos. O recenseamento das «tradições e expressões orais», das «expressões artísticas e manifestações de carácter performativo» e das «práticas sociais, rituais e eventos festivos» tem vindo a ser feito há muito, mesmo que as designações não sejam essas. A constituição de um Grupo de Trabalho devia responder a outra pergunta: qual a finalidade desse recenseamento? Ficar guardado nos arquivos do MC? Ser entregue a outros investigadores? Ser publicado pelo MC? Fazer-se um mapa, pago pelo MC, mas a ser utilizado «pelo turismo»? Em cada resposta a estas outras perguntas estaria, com certeza, ou uma ilegalidade, ou um erro estratégico de base. Esse é realmente o problema. Além do dinheiro gasto. E da oportunidade perdida. Mas não se admirem; há muitos outros casos.
Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
Quando o velho Doutor Homem, meu pai, queria fustigar os da sua — a nossa — trincheira, limitava-se a invocar a figura do senhor marquês de Chaves a comportar-se como um vilão nas freguesias de Amarante ou da Régua. Havia elementos sagrados, a começar pelo Príncipe, mas todos nós sabíamos que o exército ideológico conservador estava cheio de cicatrizes. Essas cicatrizes foram alargadas pela mania portuguesa de fazer pregação sem necessidade. A vitória dos liberais, as assinaturas na Concessão de Évora Monte e a partida do senhor D. Miguel para o exílio (a que a Tia Benedita, sempre oportuna, gostava de acrescentar o fuzilamento do Remexido à traição) transformou os manuais da História Pátria numa confederação de vitoriosos e vencedores. Ou seja, numa galeria de arrogantes. Os portugueses foram, doravante, educados a acreditar que todos os conservadores eram facínoras ao serviço da Áustria, que todos os padres eram gémeos do Frei Januário dos Fidalgos da Casa Mourisca e que a regeneração e salvação da Pátria foi obra dos marujos e exilados que desembarcaram na Praia dos Ladrões como os bravos do Mindelo, e que depois se deitaram ao trabalho, incansáveis e competentes, transbordando de predicados.
Quase duzentos anos depois, as feridas estão saradas por falta de comparência dos derrotados — nós. A minha sobrinha alega que apenas existem três tipos de miguelistas hoje em dia: o primeiro, é composto de remediados descendentes dos fidalgos transmontanos e minhotos; o segundo, constituído de leitores de Camilo (à falta do próprio Camilo); o terceiro, composto apenas por mim, sentado à mesa da biblioteca neste eremitério de Moledo, manejando a velha Parker que herdei e que ela herdará. Conto que a caneta a faça um nadinha mais conservadora. O resto vai por si.
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