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Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
Quando o velho Doutor Homem, meu pai, queria fustigar os da sua — a nossa — trincheira, limitava-se a invocar a figura do senhor marquês de Chaves a comportar-se como um vilão nas freguesias de Amarante ou da Régua. Havia elementos sagrados, a começar pelo Príncipe, mas todos nós sabíamos que o exército ideológico conservador estava cheio de cicatrizes. Essas cicatrizes foram alargadas pela mania portuguesa de fazer pregação sem necessidade. A vitória dos liberais, as assinaturas na Concessão de Évora Monte e a partida do senhor D. Miguel para o exílio (a que a Tia Benedita, sempre oportuna, gostava de acrescentar o fuzilamento do Remexido à traição) transformou os manuais da História Pátria numa confederação de vitoriosos e vencedores. Ou seja, numa galeria de arrogantes. Os portugueses foram, doravante, educados a acreditar que todos os conservadores eram facínoras ao serviço da Áustria, que todos os padres eram gémeos do Frei Januário dos Fidalgos da Casa Mourisca e que a regeneração e salvação da Pátria foi obra dos marujos e exilados que desembarcaram na Praia dos Ladrões como os bravos do Mindelo, e que depois se deitaram ao trabalho, incansáveis e competentes, transbordando de predicados.
Quase duzentos anos depois, as feridas estão saradas por falta de comparência dos derrotados — nós. A minha sobrinha alega que apenas existem três tipos de miguelistas hoje em dia: o primeiro, é composto de remediados descendentes dos fidalgos transmontanos e minhotos; o segundo, constituído de leitores de Camilo (à falta do próprio Camilo); o terceiro, composto apenas por mim, sentado à mesa da biblioteca neste eremitério de Moledo, manejando a velha Parker que herdei e que ela herdará. Conto que a caneta a faça um nadinha mais conservadora. O resto vai por si.
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