[Na coluna do Correio da Manhã]
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Já nas livrarias, o novo livro
de crónicas do Dr. António Sousa Homem
«O meu médico de Viana (a quem recorro nas aflições, e que vigia o temperamento das coronárias e do fluxo renal) não o diz, mas sei que a longevidade dos Homem o aflige como um milagre da província. O segredo é só este: espremer a pasta de dentes pelo fundo, não ler demasiados romances, manter os retratos dos antepassados, levantar cedo e evitar ceder à indignação. Depois de fazer oitenta e cinco anos, já lá vão uns tempos, a família trata-me como uma página do álbum de glórias, anterior ao Titanic, destinado ao naufrágio ou ao museu. Faço o que posso, só para não os desiludir.»
«Não fosse uma amável série de coincidências e este cronista estaria reservado ao seu destino — terminar os seus dias de velhice neste promontório de Moledo, em frente ao mar do Minho e mantido no merecido anonimato, rodeado dos livros e dos cuidados familiares que não o abandonaram até hoje. Só a vaidade, um bem inestimável, tanto quanto prejudicial ao temperamento humano, permitiu que mais este conjunto de textos visse a luz do dia. Não diferem dos que o leitor já conhece; um velho repete-se até à eternidade convencido de que tem, ainda, alguma coisa para dizer, mesmo num país que preza galantemente a ignorância, a mediania e a meteorologia destemperada do nosso clima ameno.»
Lançamento dia 17 em Caminha; dia 18 em Viana do Castelo.
Eu não conhecia, mas o Henrique Raposo alertou-nos para a existência de um Prémio Kadhafi para os Direitos Humanos. Fui ver e é verdade.
Insurgente: seis anos são seis anos. Parabéns.
Nada explica melhor a nossa situação do que o livro Charles Mackay, Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, de 1841. Os economistas tomaram os seus exemplos sobre as bolhas especulativas (a história da tulipas holandesas é a mais extraordinária); mas o seu ataque ao optimismo permanente é de primeira linha. Se falha uma «utopia» inventa-se outra patetice, e assim sucessivamente, até à catástrofe final, sempre com o argumento de que temos de ser optimistas, de valorizar «o que é bom», «o que funciona bem» a curto prazo, etc. É só aplicar à actualidade.
Roger Scruton tem uma interpretação mais radical: Zeus ofereceu a Pandora, como presente de casamento, uma caixa que não devia abrir. O costume em todas as mitologias. Ela abriu-a e libertou todo o género de desgraças; ao ver o que tinha feito, fechou a caixa rapidamente deixando no interior apenas uma das desgraças originais: o optimismo sem escrúpulos.
De Moacyr, os primeiros livros que li foram O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim. A década de oitenta foi o grande ponto de partida para uma obra que nunca deixou de ser fascinante pelas interrogações que criava. Saturno nos Trópicos: a Melancolia Européia Chega ao Brasil foi um deles, um ensaio notável; tal como A Mulher Que Escreveu a Bíblia, uma encenação ficcional da tese de Harold Bloom; tal como A Majestade do Xingu, uma história em redor do médico e higienista Noel Nutels e da emigração de judeus russos para o Brasil. O seu mundo era esse, aliás: o de Porto Alegre, a sua cidade de sempre (escreveu um belíssimo Porto de Histórias: Mistérios e Crepúsculos de Porto Alegre), com o bairro do Bom Fim transformado em catalizador da sua memória judaica, da gente humilde que fugira da velha Rússia e do comunismo, judeus que reconstruíam o seu mundo longe da Europa. Entrevistei-o duas vezes, em sua casa, no limite do bairro de Moinhos de Vento, com as suas árvores altíssimas – um apartamento cheio de livros; escrevia em todo o lado, a toda a hora, porque tinha sempre um livro «para terminar». Talvez por isso, «escrevia simples» (as suas crónicas na Folha de São Paulo eram um exemplo disso – uma espécie de adaptação literária de notícias publicadas pelo jornal). Encontrámo-nos em vários voos e aeroportos e ele escrevia em todas as circunstâncias; era um grande leitor, um leitor atento, avassalador. Ficámos mais amigos por causa de A Condição Judaica, um pequeno livro que mostrava o Moacyr simples, com o seu gosto pela clareza e, ao mesmo tempo, pela beleza ética do judaísmo. Um adeus para Moacyr não basta. Vai custar despedir-me.
Daqui a pouco, à 01h00, no Nada de Cultura (TVI24), José Gil, Carlos Amaral Dias e Bento Domingues — sobre a crise para além da economia.
Quando se juntam uma grande fome de leis e o entendimento de que a sua aplicação não pode ser limitada o resultado é sempre calamitoso. Nada causa tanto regozijo num legislador tarado e psicótico do que a possibilidade de alargar a sua área de influência até ao infinito, ou seja, até à casa das pessoas, moldando-lhe os hábitos, vigiando-lhe os vícios, proibindo-o de ouvir estações de rádio perniciosas, de beber licores de origem duvidosa ou de fumar um cigarro. Há livros que o legislador acha ofensivos? Há maneira de proibi-los. Este grande projecto de pura engenharia social tem pernas para andar, aviso-vos. Na vida, tudo é contrato vigiado pelo Estado. O Estado sabe o que é melhor. Há ainda um pequeno grupo de distraídos que fala de sensatez e de privacidade e de liberdade. Mas vai acabar. O império dos legisladores não conhece fronteiras, não reconhece limites. Nesta peça há ainda um jurista que reconhece – vejam bem – que «uma residência não poder apenas ser entendida como um local de trabalho, mas também um local que as pessoas habitam e onde têm a sua privacidade», mas acho que é o reconhecimento de uma excentricidade.
Lembrem-se da notável presciência da nossa diplomacia. Uma notável análise que tem em conta, necessariamente, os interesses portugueses e a aliança de civilizações.
Silêncio, silêncio. Mapas, atlas, livros de memórias, o extraordinário La Coca de J. Rentes de Carvalho, dois ou três livros mais, árvores ao crepúsculo. Nos próximos dias, o blog estará mais silencioso.
O Déjà Lu é uma página de leilões de livros já lidos. Poderíamos chamar-lhes livros em segunda mão, mas não é a mesma coisa: são livros que já fizeram companhia a alguém. E vão continuar a fazer porque o valor das vendas resultante dos leilões reverterá, na sua totalidade e de forma directa, para a APPT21 (Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21) e para o Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenças.
Apetece muito que Leire Pajin, a ministra espanhola da Saúde e da engenharia social, se transforme numa matrona às antigas. Tarada.
A ideia de que “a juventude é que é”, que “a juventude tem sempre razão”, que “é preciso investir na juventude”, entre outras anomalias herdadas dos anos 70, criou um mundo de monstrinhos egoístas e salafrários – e manda-nos esconder os velhos, ou porque têm rugas, ou porque não fazem aeróbica, ou porque são um incómodo e fazem xixi na cama. É preciso afastá-los da vista. Depois de um ou dois dramas mais macabros, a atenção das pessoas regressa aos seus velhos, que o Estado, muito amável, trata por “idosos”. Uma sociedade que não gosta dos seus velhos, que não os protege, que não os salva da doença, que não os prepara para a velhice — não merece a sua sabedoria nem a sua melancolia. Favorece o medo e a angústia diante do futuro. E autoriza todas as formas de egoísmo.
[Na coluna do Correio da Manhã]
[Na coluna do Correio da Manhã]
Já não se pode falar de escândalos, mas isto é escandaloso. O medo de encarar as coisas é terrível, mas a vergonha de dizer as palavras é cobardolas: «Despite the fact that the majority of acts of religious violence in recent years are perpetrated against Christians, EU High Representative Lady Catherine Ashton claimed that it would be politically incorrect to explicitly name one religion.»
Isto tem importância? Não. Mas vale a pena observar que o DN, na sua primeira página, sob o título «Durão em Portugal a preparar resposta para a crise» deu, de repente, importância ao tempo que o presidente da Comissão Europeia esteve com o Presidente da República e com o primeiro-ministro. E informa que Durão dedicou 25 minutos a Cavaco e 90 minutos a José Sócrates. Tanto cuidado, tanta minúcia, tanta precisão: Durão – diz o DN – chegou a Belém às 11h00 e saiu às 11h25. Até seria normal. Mas, na verdade, não foi: Barroso chegou a Belém às 11h00, sim senhor, mas só saiu às 12h25, o que lhe permitiu estar às 12h30 em São Bento. Sabe-se isto pelas agendas oficiais. Mas o DN, caramba, tão preciosista, tão minucioso — enganou-se em 60 minutos numa só notícia de primeira página. Tanto zelo dava para desconfiar, não é?
É de ler muitos romances de espionagem. É de imaginar como os bastidores são o esqueleto do palco. Mas esta notícia é muito interessante: a moção de censura com que o Bloco tenta tranquilizar o governo (alguém duvida de que o censuro-te mas só ao de leve é uma ajudinha preciosa do Bloco a José Sócrates?) foi agendada pelo próprio ministro Lacão, já que o BE se tinha esquecido de o fazer.«Espera. Está a faltar aqui uma coisa qualquer. O que será? Ah, a moção de censura. Ó Pureza, então vocês esqueceram-se da moção, pá? Então, pá? Tínhamos combinado isso, pá.»
Tem razão, Joana. Muito, muito, muito, infinitamente muito melhor do que aquele ser chamado Chakall e que não tem grande intimidade com a cozinha. Sophie Dahl, 34 anos flutuantes, não tem, digamos, o que se sabe que tinha Nigella Lawson, fantásticos e suculentos 51, embora ser neta de Roald Dahl ajude. Mas é um bálsamo, confesso — embora a 10 pontos da Lawson. Teria (enfim, teria) muitas dúvidas sobre esta truta recheada ou sobre esta omelette (e sobre muitas outras coisas, basta ver como se desfaz de um dente de alho), mas mesmo assim é (sempre) melhor do que Chakall, mesmo que não olhe a câmara de frente, o que seria uma coisa muito interessante, se me faço entender.
E para quem tem saudades, é ir aqui. Há coisas que são como são.
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