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«Há quem diga que há o perigo de Portugal falir. Não parece o caso. Um credor não quer que um devedor fique sem dinheiro para pagar o que lhe deve. O que deseja é fazer a pressão máxima para conseguir o melhor reembolso possível, com os juros máximos. Os célebres mercados não querem estrangular Portugal. Querem é comer-nos a carne. Com ossos não se faz "nouvelle cuisine" financeira. É claro que escusamos de nos queixar. Não são os mercados os vampiros de Portugal. São as nossas elites políticas que sempre se salvaram no meio da pobreza generalizada gerada pelas suas actividades de rapina em proveito próprio. Portugal não irá à falência. A Alemanha ainda precisa de nós, dos gregos, dos espanhóis e dos irlandeses para vender coisas. E os mercados precisam de quem pague juros estratosféricos.»
Manuel Alegre pede aos socialistas para se empenharem mais na campanha. Até nisto, que é simples e directo (e óbvio), o candidato volta atrás, como se alguém lhe tivesse soprado que o pedido soava mal em termos de marketing: «Não só para os socialistas; também para o Bloco, para os eleitores transviados, para os reticentes e para os ausentes.» E Alegre, de uma penada, corrige: «Estão enganados. Lancei um alerta para as pessoas se mobilizarem à escala nacional. Falei para socialistas, democratas-cristãos, bloquistas e comunistas. Falei para toda a gente que se identifica com o meu projecto solidário e humanista.» Já tinha corrigido a questão da greve geral, passando de um «não apoio nem deixo de apoiar» para um «é um sinal». É penoso e amargo ver Manuel Alegre prisioneiro de uma máquina que não funciona. Isso também não merecia.
Segundo Manuel Alegre, se Cavaco for reeleito, vamos assistir à «destruição do Estado social, da Segurança Social, da escola pública, dos serviços públicos». Uma razia. Nas última eleições presidenciais, várias luminárias anunciaram que a eleição de Cavaco seria um golpe de Estado constitucional enquanto outras previram o regresso do fascismo. Como escrevia o bom Camilo, numa das Novelas do Minho: «Afinal, o temperamento sanguíneo dos cavalheiros de Basto borbulhou em comichões de novas ideias; e todos eles se coçaram mais ou menos com a Carta Constitucional.»
Não havia, no café do sr. Bernardo, no barzinho ao lado de casa, na tabacaria, ninguém que ontem não elogiasse a clarividência e a generosidade da China, que vinha aí para nos comprar a dívida. Se a China nos comprasse a dívida, saldando uma esperteza subtil (quem, senão os chineses, poderia ser tão esperto ao ponto de viajar até Lisboa para piscar o olho e dizer «eles não percebem, mas a vossa dívida é um mimo, é uma mina para nós, vamos disputá-la até ao fim»?), estaríamos disponíveis para ir a jogo outra vez. Estava na cara. Estamos salvos. Estamos no bom caminho.
No arranque do campeonato, o benfiquismo (as primeiras páginas de A Bola e do Record) fabricou um bode expiatório — Roberto. Castigando e humilhando Roberto salvava-se o Benfica: retire-se Roberto da baliza e temos a pureza virginal do Benfica, a que era apenas preciso acrescentar umas alas mais eficazes. Depois, Roberto defendeu um penalti e ganhou confiança — era o novo herói do Benfica, o vértice luminoso de um polígono de glórias destinado a subir pela tabela e atacar o título. A partir de agora, o benfiquismo (as primeiras páginas de A Bola e do Record) encontrou uma nova desculpa: Jesus, o homem que se limitou a desviar David Luiz para a faixa de Hulk, a fim de parar o tufão que no ano passado foi impedido de jogar. Humilhando Jesus, que no ano passado pôs o Benfica a jogar como não acontecia há vinte anos, salva-se o Benfica. É toda uma doutrina sobre danos colaterais.
E dizer, com clareza e simplicidade, que o FC Porto ganhou o jogo de ontem porque foi superior? Está quieto. Melhor é inventar um novo bode expiatório.
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