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Portual é um país livre sem liberais, ou seja, sem pessoas que protestem contra as ingerências absurda do Estado e das corporações na liberdade dos cidadãos. Já tivemos um presidente da República, Jorge Sampaio, que defendeu a inversão do ónus da prova. Já tivemos (temos) um governo que acha que pode decretar o uso obrigatório de chips electrónicos numa matrícula de automóvel. Toda a gente acha natural que um cidadão sob suspeita da administração fiscal é um foragido que deve ser denunciado. País de denunciantes e de denunciantes anónimos, desejoso de sacrificar a sua própria liberdade.
Depois da vitória de ontem, nova ronda hoje em Istambul: mesmo com duas expulsões espanholas, três golos esclarecidos.
[Ou seja, vitórias do SC Braga, do FC Porto e do Sporting. Boa jornada europeia.]
P.S. - Sobre o Sporting: não percebo os resultados na liga portuguesa. Medinho?
Ninguém explica a Manuel Alegre que quase tudo o que diz não tem sentido?
Adenda: Nuno Gouveia chama a atenção para a corrida ao disparate.
De facto. Só existem três tipos de votação: aprovar, abster-se ou votar contra. Por vários motivos, abster-se; este é o vosso orçamento, tomai e comei todos. Mas negociar – nem uma linha. Nada de más companhias.
A capa chegou agora e junta-se à das outras traduções italianas. Gosto bastante, gosto – mesmo – muito. Obrigado, Lorenzo; obrigado, Giorgio; obrigado Serena; obrigado Paola.
(E obrigado a Mirella Appiotti, que no La Stampa me chamou «il Montalban portoghese» – acho um elogio tremendo.)
«[…] pergunta a televisão a gerontes surdos se lhes agradaria a vida fora daqui; aparecem uns jipes de mirones citadinos a fotografar isto aquilo e acham "muito típicos" os casebres arruinados, a fonte velha, as pedras do lagar, aquele castanheiro.
«Estes são os melhores anos de Portugal. Não temos ilusões e está tudo por fazer. Nada esperamos da Europa, das obras públicas ou da canalha que nos prometeu o céu.»
Luís M. Jorge, no Vida Breve
«Somos todos iguais – eis o que se descobre nos autocarros – um igualitarismo rodoviário, co-financiado pelo Estado, não vale a pena simular enjoos perante o que se ouve, a pornografia da alma é uma grande conquista das nossas sociedades, todos nus e de mãos dadas num reality-show ininterrupto.»
Bruno Vieira do Amaral, no A Douta Ignorância
«Os departamentos criativos encheram-se de quadros médios e de filisteus pomposos (o que há na pompa para estar sempre associada à pobreza?). De um dia para o outro substituimos as campanhas por uma bosta inerme e esverdeada a que chamamos acções, ou conteúdos. De maneira que não consigo afastar esta sensação de falhanço. Hoje em dia trabalharia nas obras, se trabalhar nas obras rendesse, vamos lá, dois mil limpos por mês. Ou, melhor ainda, ia para a marinha mercante. Imagino-me com uma cana de pesca na popa de um petroleiro, a cofiar a barba e a morder o cachimbo, a caminho de Singapura ou da Malásia.
Nas profissões manuais, a percentagem de imbecis é muito inferior à média dos serviços. O bulshit é ontológico, libertador — dizem-se coisas estapafúrdias sobre a vida e as mulheres, mas leva-se o trabalho a sério. Nos serviços, não. Qualquer labrego imprestável nos dá secas sobre a performance, o ROI e a excelência.»
Luís M. Jorge, no Vida Breve
Este governo multiplicou o número de institutos públicos, transformando grande parte deles em albergues para ‘boys’ de estimação. Aproveitando o Orçamento de 2011, tratou agora de acabar com alguns, misturando tudo para que não se entendesse a aldrabice. A Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, herdeira do Instituto Português do Livro dos tempos de Teresa Gouveia (foi então o motor da rede de leitura pública e da única política do livro consistente que até agora tivemos), é uma delas – integrada na Biblioteca Nacional. Primeiro, os políticos retiraram poder, dinheiro e funções à DGLB; depois, tornaram-na inútil – o livro não tem a ver com a política do espetáculo ou com o parlapié dos burocratas, de efeito mais fácil, que é o que lhes interessa verdadeiramente.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Um dos grandes prodígios da política é o uso que se faz de certas palavras ou expressões. Por exemplo, ‘Estado Social’. O governo gosta muito dela e o primeiro-ministro usa-a sempre que pode, porque é uma bela síntese e serve para vários fins. Ora, se há coisa que põe em causa o ‘Estado Social’, é o novo orçamento – é estranho que o primeiro-ministro tenha ontem defendido exatamente o contrário: que é o garante do ‘Estado Social’. Aí está outro grande prodígio. Por exemplo: o primeiro-ministro diz que esta ou aquela medida “são de esquerda” porque ele decide que é assim, não porque haja alguma correspondência com o real. A realidade, aliás, é um limite aos desejos de José Sócrates, e um empecilho diante dos seus projetos. Por isso usa as palavras como lhe apetece.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Diz «não» à insegurança e à incerteza. Explica por que razão os mercados agora já são importantes. Explica como o défice cresceu por vontade própria.
Em adenda: por que razão não comentam o facto de O Estado de S. Paulo ser impedido de escrever sobre José Sarney* (o mesmo que diz que Dilma Roussef é uma «sacerdotisa do serviço público»), aliado de Lula e de Dilma?
* A liminar impediu o Estadão de dar informações sobre o envolvimento de José Sarney noutra das grandes operações (a «Boi Barrica») de corrupção do lulismo, as tais que são «uma armação das éééélitisss», à semelhança do mensalão,.
Uma metáfora? O raio de uma metáfora? Vamos lá ver: Manuel Alegre fez uma acusação e ele sabe o que é uma metáfora. Ou não.
Ficámos ali. Um cemitério rodeado de gente a despedir-se da Isabel (a quem eu um dia chamei «a Rosa Mota das bibliotecas»), o sol luminoso da Granja, de que ela tanto gostava, os amigos que vieram de Lisboa, de Braga, de todo o lado. Ficámos ali sem dizer nada e, sobretudo, sem dizer que «não se sabe o que se há-de dizer». Acho que éramos muitos e havia o sol luminoso da Granja, como tu querias que fosse, certamente.
É um problema. Por exemplo, a tese de 1997 descoloria um pouco a tese de 1979: o papel das telenovelas da Globo não era negligenciável na passagem da mulher brasileira para a modernidade; era a agenda, não era? Mas onde estava quando o governo Lula tentou fazer passar a lei do audiovisual e a lei do estatuto do jornalista para domesticar a imprensa, silenciar as vozes incómodas e acelerar os processos de «liberdade de imprensa» feitos a pedido da entidade que iria «regular» o funcionamento da imprensa? Lula queixa-se de «falta de imprensa»? Só se for agora, depois de ter passado oito anos a bombardear o governo de FHC com a cobertura da imprensa e o beneplácito dos tribunais, porque não se podia criticar o «pai dos pobres» – e de determinar a expulsão de correspondentes estrangeiros (foi preciso vir um ministro, a correr, da Suíça, para pôr algum bom-senso nos miolos de Brasília), coisa que a ditadura brasileira só fez uma vez. Quando o governo Lula deslocou funcionários incómodos (de agentes policiais a juízes, procuradores, professores, etc) com a cobertura da patrulha ideológica do costume (de cineastas do RS a publicitários que recebiam pelas contas cifradas dos bancos de Belo Horizonte, onde se desenhava o mensalão). Quando o Estado de São Paulo ficou proibido de falar sobre o caso Sarney (o grande Ribamar!, o impoluto senador do Amapá!, o aliado de todas as horas!, o homem que negociava os cargos da Petrobras!), estavam onde? Ocupados com a agenda? Quando os processos judiciais, em segredo de justiça, contra jornalistas incómodos, apareciam nas secretárias do Planalto e eram «vazadas» para outras secretarias judiciais, e eram divulgadas as suas contas bancárias e a sua situação fiscal – nessa altura estavam onde? Quando o governo FHC instituiu os programas de Bolsa Família (e Lula dizia, na tv, que FHC queria comprar o povo, tal como quando José Serra lutou pela quebra de patentes dos retrovirais a soldadesca o acusou de fazer negócios), estavam onde? A tratar de psicanálise. Também estava a tratar de ética de psicanálise quando as tropas de choque do PT, do MST e dos sindicatos do PT assaltaram combis para queimar exemplares da Veja? Coitado do Lula, que não tratou da corrupção, «porque não sabia de nada», no fundo os negócios do leninismo brasileiro eram tratados longe, no gabinete de Dirceu (primeiro) e de Dilma (depois), que era mesmo ao lado, no mesmo corredor — porque devia estar a tratar da psicanálise, naturalmente. Eu defendo que a Maria Rita devia escrever sobre psicanálise, no ESP, se o ESP a contratou para isso, e que o caso do despedimento está mal esclarecido – e que, como já fui despedido por razões políticas (e deixado sem trabalho por um bando de canalhas servis que tomaram conta de tudo), sou contra todos os despedimentos por razões políticas, seja de funcionários da DREN ou de jornalistas de uma redacção, junto o meu nome à petição: deixem a Maria Rita escrever. Mas no resto, ah, no resto não me fodam com o pai dos pobres, a perseguição das éééélitisss, a classe A, a esquerda brasileira – e, pior do que tudo, com os psicanalistas da USP.
Conheci Isabel Sousa na Biblioteca Raul Brandão, em Guimarães, há muitos anos. Depois, encontrei-a em muitas outras (S. João da Madeira, Espinho, etc.), ou em iniciativas invulgares (pão com livros, pizzas e livros, etc) que ela inventou, organizou e defendeu. Onde ela estava, estava também a paixão pelas bibliotecas, pelos livros, pelas salas onde os livros se guardavam e abriam. Morreu esta noite ao fim de um ano difícil e de muito sofrimento. Amanhã, de manhã, a (sua bela) Granja despede-se de Isabel. Todos os que gostam das bibliotecas portuguesas ficam mais tristes, muito mais tristes.
Tem razão Luís M. Jorge. Só no último minuto — ou então já. A histeria em torno da aprovação do Orçamento (quem nunca leu nenhum, faça favor) e a exigência de «responsabilidade» ao líder da oposição (a «responsabilidade» transformou-se numa espécie de aspirina, cabe bem em todos os discursos e em todos os posts) é uma «constante moral» e tem uma grande eficácia política para quem acha que é preciso política com «recorte literário» ou que um pantomineiro tem sempre razão desde que discurse como um salteador. À direita, Passos Coelho era irresponsável quando, nos idos de Maio, aceitou negociar medidas urgentes que o governo teve de adoptar depois de ser obrigado a isso em Bruxelas. À esquerda, tornou-se irresponsável quando, depois de ter negociado essas medidas, exigiu que o governo fosse mais competente em matéria orçamental e aceitasse algumas condições de princípio (contenção da despesa, cortes na administração, não aumento de impostos), antes de negociar o orçamento. Mas Sócrates aprendeu depressa e é esperto: antes das condições serem discutidas (teve alguma razão: não há tempo para prolegómenos teóricos), anunciou que já havia negociações sobre o Orçamento. Ou seja: tenho-te na mão, Coelho amigo. A questão é dupla: 1) eu acho que o Orçamento até pode ser aprovado com a abstenção do PSD; mas era bom que se exigisse responsabilidade a Sócrates, que tem sido o grande irresponsável e por isso deve ser vigiado ao milímetro; 2) um Orçamento discute-se desde que exista, suponho eu; linhas gerais é matéria com interesse, mas o gozo está nas minudências (o que vão fazer as Obras Públicas, como se vai gastar o dinheiro da Parque Escolar, onde entra a máquina da administração, onde estão os fundos para o TGV); portanto, para o povo (peço perdão, é sem ofensa) que pede aprovação sem condições do Orçamento, não interessa o que está lá escrito, pois não?
Vai entrar na guerra suja. O PT não pode largar o poder, porque o lulismo e o seu folclore dependem dele – e o partido já conheceu abundantemente a cor do dinheiro.
Joan Sutherland (1926-2010), ‘La Stupenda’, a grande soprano australiana, morreu ontem. De alguma maneira, coube-lhe recuperar algumas das grandes «óperas italianas» para o século XX, mas a sua voz (recordo-a como D. Anna em D. Giovanni, ou em Lucia di Lammermoor) brilhava para lá da fixação num estilo ou numa herança do bel canto. Tenho uma memória infiel das suas interpretações, mas guardo a voz em discos que relembram a magia das primeiras óperas ou das primeiras peças líricas escutadas na minha adolescência, que não viveu só de rock (longe disso) e pretendia alguma elevação. Uma voz como a de Sutherland aproximava-se disso – de uma dependência do sublime, que tantas vezes falta à vida e só se encontra numa partitura a que alguém empresta génio e timbre.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Tiago Moreira Ramalho sobre uma das expressões mais irritantes das badanas e contracapas de livros: «Lê-se como um romance.»
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