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Compreende-se perfeitamente a ameaça do primeiro-ministro; ele não sabe «o que fazer quando tudo arde» — a não ser jogar, e jogar bem, muito profissionalmente, para manter o poder, o que é relativamente fácil em Portugal. José Sócrates está preparado para esse jogo há muito e, melhor do que ninguém, sabe como ele pode ser sujo, frio, calculado. Frequentou uma boa escola e viu como os melhores se arredaram depois de considerarem o pântano; não vai na cantiga de Guterres, sabe como o poder lhe faz falta e rodeou-se de um exército eficaz, bem preparado e a trabalhar em rede. Mas os portugueses merecem estar submetidos a esta chantagem: detestam fazer contas, encarar factos, viver a sua vida. Vivem, há anos, num país que não existe: gastam muito para lá do que podem e recusam-se a fazer as contas mais óbvias; acreditam num destino superior que os salva sempre que se aproximam do precipício; entregam-se facilmente nos braços das melhores promessas, mesmo quando percebem que essas promessas não podem ser cumpridas; desculpam os pantomineiros com a existência de outros pantomineiros; aceitam a inevitabilidade da escravidão (a da última moda ideológica, a fiscal, a do Estado, a da que lhes cai melhor e lhes facilita a vida); querem existir em grande, mesmo quando sabem que não passa de fachada; cultivam o ressentimento, ao imitar os discursos dos chefes, uns rapazes malandrecos no tu-cá-tu-lá, cheios de lugares comuns. O resto não faz grande escola nem tem sucesso.
Ontem ao fim da tarde, no Chiado, preciosidade entre as preciosidades, numa banca de rua. Os dois volumes da edição Garnier, a clássica, por duas notas apenas.
Irritado com os golos falhados por Falcao, Varela e Fernando, esqueci-me de assinalar esta evidência.
Tomás Vasques na mouche: «Quando em Agosto, em Quarteira, Passos Coelho pediu para José Sócrates se demitir até 9 de Setembro, o presidente do PSD sabia que, depois dessa data, ficava com uma batata quente nas mãos: o ónus de ter de aprovar o Orçamento de Estado. E tinha razão.»
Há umas semanas relembrei aqui que tudo começou em Maio: «Há uma lição simples a tirar, desde os Idos de Maio, quando estávamos à beira da catástrofe: em política não se negoceia com quem não está disposto a negociar.» Nessa altura não houve testemunhas; mas houve conversas, e algumas bastante dramáticas. Mas o erro não foi de José Sócrates; a ingenuidade foi de Pedro Passos Coelho.
Uma boa vitória para Cameron. Ed Miliband promete que vai regressar aos valores tradicionais.
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