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Miguel Noronha voltou ao Intermitente. Reconstruído, como na boa e velha terminologia.
Jorge Jesus diz que o Benfica foi superior ao Schalke-04 até aos 73 minutos. Azar: só os 17 minutos finais é que contavam.
Evidentemente que estas medidas se tornaram necessárias, mas não são as melhores, nem são as mais indicadas. Politicamente, este primeiro-ministro, este ministro das Finanças e este governo são os mesmos que sempre negaram a sua necessidade e que adoptaram outras em sentido contrário (das SCUTS à subida de impostos, do aumento dos salários da função pública à manipulação dos números do desemprego e do crescimento). Encostada à parede desde os idos de Maio (quando o primeiro-ministro foi pessoalmente – e duramente, na fronteira da humilhação – confrontado em Bruxelas com o descalabro das contas e com a necessidade de mudar o rumo), esta gente trabalhou apenas no sentido de manter o poder, de preparar a temporada política e de verificar a inevitabilidade deste pacote, mas negando-o sempre, mentindo sempre que pôde a propósito do défice e do orçamento, balbuciando sobre o Estado social, as obras (pois que todas seriam lucrativas, como asseguravam as suas trombetas) e o investimento públicos. Quem não os conheça que os compre.
«O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre.»
António de Almeida Santos
Presidente do Partido Socialista.
Na sequência da comunicação do Sporting sobre o dress code de Alvalade, eis como seria descrita uma tarde de domingo naquele sumptuoso estádio:
Sua Excelência, adornado nas vestes presidenciais, voltou-se então para o Duque, que ostentava na lapela a Comenda da Conceição: «Reparou, senhor duque, naquela bela passagem que o Sr. Carriço efectuou na direcção do Sr. Saleiro?» «Brilhante, Sr. Presidente, lembrou-me uma jogada idêntica do Sr. Hilário, em Junho de 1972. Não houve outra igual.» Só então repararam, ao mesmo tempo, que o Sr. Visconde da Graça estava sentado atrás deles, brilhando como uma camélia escarlate na tribuna, de casaca e crachat, grã-cruz sobre o colete branco, de binóculo a tiracolo, tremeluzindo de casimiras e tules. Toda a tribuna, aliás, resplandecia. Sua Excelência, que tinha recebido no telefone móvel (que logo escondera, envergonhado) uma chamada do Sr. Costinha, notara, mais abaixo, a presença da Sra. Viscondessa de Melo, nédia e branca, com o corpete negro reluzente de vidrilhos, de costas voltadas para o relvado, esperando que a primeira parte do jogo terminasse naquele empate de sportsmen educados, contra a equipa da Figueira da Foz, a Naval. O presidente da Naval aceitara as normas de vestuário do Sporting, e estava sentado, recostado na poltrona, de grande chapéu panamá, calça listrada de cheviote, o mantelete da filha no braço, o guarda-sol entre os joelhos, embora revelasse o jaquetão de veludo coçado nas entretelas. O Dr. Rogério Alves, de casaca e colete branco, limpando um resto de espuma do bock, bateu com a mão na coxa, queixando-se de um fora-de-jogo mal assinalado pelo Sr. Olegário Benquerença: «Irra!» E até o Dr. Dias Ferreira, de de grande colarinho à francesa, sobre uma jaqueta de botões amarelos, ameaçava requerimentos, contra-ordenações, queixas, o diabo, contra «esta terra de vagabundos». O Sr. Olegário Benquerença, no relvado, luzidio de suor e enfiado na sua fardeta azul de botões da regra, apitava enfim para o intervalo. O Sr. Conde de Tomar, arfando, protestava, mostrando um botão de rosa no peito da sobrecasaca muito justa e batendo no chão atapetado de Arraiolos com os seus sapatos de verniz que resplandeciam sobre as polainas de linho. O Sporting prometia. Foi quando um criado, de libré e calça listrada de vermelhos, enfiado num enorme colete branco, reteso de goma, anunciou que estavam servidos os canapés. Ouviu-se então um rumor de saias amarrotadas, senhoras que se levantavam para beber o seu capilé, as suas groselhas, enquanto – de olhar lânguido, mas severo, preocupado – Sua Excelência, com o paletó todo abotoado, com a gola engomada, quase escondendo a gravata verde, murmurava ao telefone para o Sr. Costinha: «Ah, meu preclaro director, imagine que eu vi por aqui um cavalheiro de paletó sem jaqueta por baixo, com a calça repuxada a deixar ver as peúgas. Que vergonha, que vergonha. Queira proceder. Mande a guarda, mande a guarda!»
O reaccionário está de volta. Eu. Associo-me ao redesenho da pátria apresentado pelo Filipe N.V., e em breve evocarei o embarque do Principe, em Sines, a caminho de Génova e do exílio. Mas notícias como esta são «interessantes»: a CP já não encomenda mais comboios novos e arranjou maneira de avariar o concurso internacional. O PEC e o Ministério das Finanças encarragaram-se do assunto. A aquisição de «novo material circulante» é uma inevitabilidade, mas recomendo aos senhores leitores que apreciem o modo como parte dele é deixado ao abandono, de portas e (alguns) janelas escancaradas nos arrabaldes das grandes estações. Carruagens que não são lavadas, nem por dentro nem por fora; casas de banho que não são desinfectadas nos prazos regulamentares; pó, lixo e óleo acumulados e nunca removidos das composições — o que fazer senão comprar «novo material circulante»? Volto aos países nórdicos (não me venham com estatísticas...): carruagens de outrora continuam com o aquecimento a funcionar ao fim de dezenas de anos, assentos cómodos continuam a oferecer os seus préstimos, carruagens são vistas a receber mangueiradas estrepitosas nos terminais, viajantes pouco cientes são repreendidos em tempo, etc. O que se passa connosco? O país suja os nossos comboios, ou os nossos comboios estão sujos porque não são limpos e a pátria acrescenta-lhes mais lixo em função do desleixo? Às vezes penso que não me importava de oferecer um limpa-vidros, uma esponja, coisas práticas.
Bilhetes falsos para o concerto de uma banda que outrora foi conhecida como U2. Confere.
Compreende-se perfeitamente a ameaça do primeiro-ministro; ele não sabe «o que fazer quando tudo arde» — a não ser jogar, e jogar bem, muito profissionalmente, para manter o poder, o que é relativamente fácil em Portugal. José Sócrates está preparado para esse jogo há muito e, melhor do que ninguém, sabe como ele pode ser sujo, frio, calculado. Frequentou uma boa escola e viu como os melhores se arredaram depois de considerarem o pântano; não vai na cantiga de Guterres, sabe como o poder lhe faz falta e rodeou-se de um exército eficaz, bem preparado e a trabalhar em rede. Mas os portugueses merecem estar submetidos a esta chantagem: detestam fazer contas, encarar factos, viver a sua vida. Vivem, há anos, num país que não existe: gastam muito para lá do que podem e recusam-se a fazer as contas mais óbvias; acreditam num destino superior que os salva sempre que se aproximam do precipício; entregam-se facilmente nos braços das melhores promessas, mesmo quando percebem que essas promessas não podem ser cumpridas; desculpam os pantomineiros com a existência de outros pantomineiros; aceitam a inevitabilidade da escravidão (a da última moda ideológica, a fiscal, a do Estado, a da que lhes cai melhor e lhes facilita a vida); querem existir em grande, mesmo quando sabem que não passa de fachada; cultivam o ressentimento, ao imitar os discursos dos chefes, uns rapazes malandrecos no tu-cá-tu-lá, cheios de lugares comuns. O resto não faz grande escola nem tem sucesso.
Ontem ao fim da tarde, no Chiado, preciosidade entre as preciosidades, numa banca de rua. Os dois volumes da edição Garnier, a clássica, por duas notas apenas.
Irritado com os golos falhados por Falcao, Varela e Fernando, esqueci-me de assinalar esta evidência.
Tomás Vasques na mouche: «Quando em Agosto, em Quarteira, Passos Coelho pediu para José Sócrates se demitir até 9 de Setembro, o presidente do PSD sabia que, depois dessa data, ficava com uma batata quente nas mãos: o ónus de ter de aprovar o Orçamento de Estado. E tinha razão.»
Há umas semanas relembrei aqui que tudo começou em Maio: «Há uma lição simples a tirar, desde os Idos de Maio, quando estávamos à beira da catástrofe: em política não se negoceia com quem não está disposto a negociar.» Nessa altura não houve testemunhas; mas houve conversas, e algumas bastante dramáticas. Mas o erro não foi de José Sócrates; a ingenuidade foi de Pedro Passos Coelho.
Uma boa vitória para Cameron. Ed Miliband promete que vai regressar aos valores tradicionais.
A este propósito («...a trapalhada do costume. E ainda não acabou.»), como se esperava, cá está a trapalhada: segundo o tal tribunal arbitral do desporto, Queiroz pode treinar.
Mas uma coisa me surpreende nesta peça: a Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) anunciou a 30 de Agosto a suspensão de Carlos Queiroz por seis meses; esta semana, a ADoP, entretanto, acha razoável a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e, segundo o Secretário de Estado, a mesma ADoP (a mesma que a 30 de Agosto suspendia Carlos Queiroz por seis meses) afinal «não tem nenhuma razão para impedir que o ex-seleccionador nacional possa exercer a sua profissão» enquanto não houver decisão final. Quando houver decisão final, que poderá levar vários meses, o caso terá prescrito. Nessa altura, a FPF despediu Carlos Queiroz, a ADoP despediu Carlos Queiroz – e Carlos Queiroz poderá (depende do acórdão do TAD) pedir uma indemnização à FPF e à ADoP, para aprenderem a não brincar com o tempo e o trabalho dos outros. É o que estão a pedir.
Admiro muito o espírito, digamos, contemplativo do Luís M. Jorge. Ele filia-se numa espécie de riso suave que vem de Montaigne e passa pelos conservadores e liberais ingleses. Os seus posts sobre o TGV são antológicos – resumem-se nisto: nada que o tempo não venha acertar, corrigir, decidir com sensatez. Falta sensatez aos optimistas portugueses, como diria Roger Scruton no seu último livro, The Uses of Pessimism.
Já passou a onda do «caso Queiroz». Mas esta peça dá conta do maravilhoso acerto da chamada justiça desportiva. Decisões duvidosas, recursos, acusações veladas de decidir em causa própria, acusações claras de decidir em causa própria para salvar a pele, arguidos condenados mas ilibados, a trapalhada do costume. E ainda não acabou.
The Pains Of Being Pure At Heart, «Young Adult Friction»
“Between the stacks in the library
Not like anyone stopped to see
We came they went our bodies spent
Among the dust and the microfiche.”
Vejo, aqui e ali, festejos sobre uma improvável «entrada do FMI». A ideia é que, «chegado o FMI», tudo correria com a disciplina orçamental da ordem e ficaria provada a incompetência do governo. Lamento desiludi-los, mas não iria ser assim; «chegado o FMI», o governo lava as suas mãos e diz, como lhe compete: «Era preciso haver disciplina orçamental e o FMI está cá; mas não somos nós, calma; são eles, os malvados, com o apoio dos inimigos do TGV; a responsabilidade não é nossa.» Os portugueses, além do mais, apreciam ligeiramente a ideia de um governo em Vichy.
Um dos argumentos para o despedimento de Manuel Maria Carrilho (a ser rotação, conviria saber-se para onde segue) será o de não ter cumprido à risca as instruções das Necessidades quando se tratava de, em Setembro de 2009, votar em Farouk Hosni para o cargo de director-geral da UNESCO. De facto, uma desobediência inqualificável — que foi combinada com o próprio ministro Amado; acabou por ser o número dois da missão de Portugal na UNESCO a votar a ignomínia. Porque, naturalmente, apoiar para o cargo de director da UNESCO um Farouk Hosni só se compreende do ponto de vista dos mistérios diplomáticos. Mesmo assim, como não se trata de petróleo da Líbia nem de pérolas de Caracas, teria sido conveniente que as Necessidades explicassem que virtudes viam num cavalheiro com aquele curriculum. E, se virtudes não existissem, então que fosse dito com clareza sussurrada, que devíamos qualquer coisa ao Egipto (uma passagem no Suez) ou que iríamos pedir qualquer coisa ao Egipto (um lugar na ONU). Compreendia-se. Já fizemos muito pior, embora votar em Farouk Hosni para presidir à inútil trapalhada da UNESCO não deixasse um rasto de glória nos corredores das Necessidades.
Portanto, se é esse o argumento, Manuel Maria Carrilho limitou-se a ser uma pessoa decente que não votou em Farouk Hosni mas deixou que o governo português apoiasse um anti-semita, censor e polícia para a UNESCO. Agora, se por cúmulo penal, lhe assacam culpas por ter denunciado o embuste do arraial tecnológico, além do programa das Oportunidades, merece que os seus argumentos sejam muito bem discutidos. Mas era mais fácil despedi-lo.
José Medeiros Ferreira sobre o afastamento de Manuel Maria Carrilho:
«Manuel Maria Carrilho aceitou ser embaixador na UNESCO e saiu da Assembleia da República para o efeito. Dois anos depois é substituído. Como entretanto houve eleições para a AR, Carrilho perdeu também o cargo de deputado. Carrilho é uma personalidade política competente, estudiosa, com ideias próprias e com a coragem necessária para as defender. Mais um em processo de centrifugação. Depois queixem-se da qualidade dos políticos.»
A vida dá voltas (esta frase vai repetir-se).
Montreal.
(A encerrar, os chefs Helena Loureiro, do Portus Cale, e Manuel Martins, do Vintage —
duas das referências gastronómicas de cidade.
No domingo passado, Helena Loureiro fazia a capa do magazine do Gazette.
Manuel Martins cozinhou ontem à noite um arroz de bacalhau fantástico.)
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