Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Todos os anos, o verão enche-se de cantorias – o país fica transformado num palco. A avalanche de espetáculos e de “programas das festas” alegra todos os concelhos. Há, no entanto, um pormenor nada despiciendo: caso não saiba, boa parte da fatura é paga pelo contribuinte. Ou seja: provavelmente, há autarquias que financiam ilegalmente a “música comercial”. Se isso faz parte dos seus cadernos de encargos, registemos a novidade; se a ideia é providenciar “cultura” às populações, o catálogo nem sempre é bem escolhido e convinha que o fosse; se é um hábito adquirido e mais nada, então é bom começar a fazer a lista desses maus hábitos, para se lançar um programa de desintoxicação, tendo em vista uma boa administração do dinheiro dos cidadãos. É uma maneira de dizer.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O Ministério da Cultura é uma das instituições mais frágeis de qualquer governo. Primeiro, porque em redor da cultura se reúne um numeroso grupo de interessados, mais do que de interesses; depois, porque é difícil negociar com pessoas que se acham no direito absoluto de serem financiadas segundo critérios altamente flutuantes; finalmente, porque esse financiamento vem de um fundo cada vez mais restrito, que não dá para tudo. Daqui resultam muitos equívocos que se acumulam nos arquivos da chamada “política cultural”. A forma de evitar os cortes orçamentais na cultura ficou agora encontrada: €8,5 milhões ficam à guarda do Ministério das Finanças. Se o historial do MC pode levantar dúvidas, as trapalhadas das Finanças ao longo deste ano bem podem deixar-nos aterrados.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Há de vir o dia em que a cultura não significa apenas espetáculo, financiamento, palco – mas há de ser vivida como parte do dia de cada um. Por necessidade. Por absoluta falta. Porque a cultura (a literatura, a música, a pintura, o cinema, o teatro, a língua, a paisagem, as ruínas do tempo, o património invisível) tem uma relação estreita com a felicidade e a infelicidade. Não é apenas um gueto de atividades catalogadas na ‘programação cultural’ – é, também, elegância, espírito do tempo, negação do tempo, memória, transigência. E mesas de café. Esplanadas. Contemplação. Distância. Viagem. Coisas que não se entendem. Coisas sem explicação. Vidas sem geometria. Uma respiração. Uma representação, um eco, um silêncio. Uma inspiração para coisas perfeitas e impossíveis.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O empresário Joe Berardo é um homem imparável. Conheci-o e sei-o bem. Não está para meias palavras, o que é uma vantagem em Portugal. Ontem, por exemplo, e a propósito do seu museu e dos cortes no orçamento da cultura, lançou um aviso ao governo: “Existe um acordo que tem de ser respeitado.” O problema dos acordos é que têm sido rasgados sucessivamente e já ninguém parece lembrar-se do que disse ontem, ou do que prometeu em campanha eleitoral, ou do que anunciou em clima de disparate. O próprio empresário, anteontem, lançou a ideia de o Estado “nacionalizar tudo e começar tudo de novo”. Deve ser ironia, a menos que as suas empresas estejam a salvo ou queira vender baratos, ao Estado, os direitos sobre a sua coleção de arte, por exemplo. Ou é só outro amigo do Estado?
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O pior dos argumentos em literatura, gastronomia, asfaltamento de estradas, jogo do berlinde ou política é o patriotismo. Pior ainda, o “patriotismo de conveniência”, já referido no século XVIII por Samuel Johnson, mestre dos mestres: “O patriotismo é o último refúgio dos malandros.” José Sócrates oscila entre o amor e o temor por Espanha, como também se divide entre o populismo nacionalista e o cosmopolitismo de alfaiate. Convinha definir, antes de mais, que o interesse nacional é fazer com que os “nacionais” vivam melhor e de acordo com aquilo que acham justo, correto e melhor para eles. O problema é maior, no entanto, quando nos comparamos – porque ficamos a perder. Em música, literatura, presuntos, costumes ou futebol. E, claro, até em matéria de governantes.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O Ministério da Cultura apresentou uma proposta sobre taxas e isenção de taxas para efeitos de doação de livros. Explica-se com facilidade: ao fim de alguns anos, os editores têm de dar um destino aos livros que estão em armazém. Alguns deles gostariam de doá-los – mas essa doação não está isenta de IVA, o que é um absurdo. Em alguns casos, os editores são obrigados a destruí-los, opção certamente desumana mas que lhes fica mais barata do que pagar ao Estado por vendas não efetuadas. Com esta iniciativa, o governo propõe-se ficar com os livros em excesso e distribuí-los conforme entenda, encaminhando-os para associações culturais, prisões, escolas, etc. É uma ideia a estudar. Em se tratando de livros, toda a gente quer oferecê-los. Pagá-los é mais difícil..
[Na coluna do Correio da Manhã.]
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.