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O pior deste Mundial, até agora. As vuvuzelas, os jornalistas portugueses histéricos com os assaltos e a insegurança, o medo do jogo contra a Costa do Marfim, os noticiários da rádio,a ameaça de explicadores de futebol na tv portuguesa, os cromos da Panini esgotados, Maradona.
O melhor deste Mundial, até agora. As lesões democraticamente distribuídas por várias equipas, Vanessa Carreira, as colunas de opinião do Daily Telegraph, a memória de An Yong Hak.
«Portugal não é uma pátria. Portugal é um pretexto para o ódio que, não sei porquê, habita no peito dos portugueses. Vivemos consumidos por este ódio selectivo que apenas selecciona como alvo outros portugueses. O português é o lobo do português.»
«É público e já chegou às revistas que abomino qualquer tipo de expressão desse desporto colectivo que é o futebol. Não suporto os clubes, os adeptos nem a selecção.»
«Frases (longa) da semana (so far): “Uma escola descentrada da sala de aula”. Como se não bastasse toda a doutrina implícita nestas breves oito palavras, a frase explica-se em crescendo “em que os alunos se espalham por espaços informais, com os seus portáteis, cruzando-se com os professores na biblioteca”, acabando neste climax intelectual que promete novos mundos e novas visões: “e discutindo projectos”. E nós tão sossegados e desatentos sem nos darmos conta destes sonhos e destas visões geniais. Discutindo projectos, quem diria, hein?»
«Guardiola, por exemplo: amou o seu Barcelona e foi sempre um senhor a defender aquela camisola; Mancini: um símbolo da grande Samp de Vialli e Lombardo, vice-campeã da Europa, mas um senhor a defender todas as camisolas que vestiu (talvez por isso quando regressou ao Luigi Ferraris com a camisola da Lázio, tenha sido ovacionado de pé); Schuster: só me lembro dele no Atlético de Futre, mas a memória é de guerreiro; Maradona: o maior de todos e de sempre; Rijkaard: ídolo da minha infância pelo golo que marcou ao Benfica no Pratter e o melhor jogador que alguma vez passou pela sala de imprensa de Alvalade; ou ainda Zico, Van Basten, Mikhailichenko, Fernandez, entre outros. O que é que transportam: histórias, glórias, memórias, sucessos. Sem isto o futebol não presta.»
«O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo.»
Discutirei todos os jogos, incluindo aqueles que não vou poder ver (sobretudo esses). Em Danger Point a bola parece mais próxima de nós. Cada jogo será um degrau no parnaso futebolístico. Estou em estágio; amanhã serei latino-americano, acompanhando o Uruguai (naturalmente) e o México (aí está). Para me apoiar, a colecção de cromos quase completa, a sessenta cêntimos a carteirinha. Não haverá lesões suficientes para fazer um contraponto ao patriotismo. Amor e dedinhos dos pés.
Pela estrada fora, ontem, de carro, ouvi os relatos dramáticos e atormentados dos jornalistas portugueses de rádio enviados à África do Sul e que, ai de nós!, ai deles!, foram assaltados, ou testemunhas de um assalto, ou estão a menos de cem metros de um assaltado. Que frisson, ser assaltado na África do Sul. No entanto, eles estavam zangados. O mundo é injusto. Que assaltem e assassinem emigrantes portugueses na África do Sul, é uma estatística; mas, caramba, um jornalista destacado para o Mundial, esse evento que devia fazer parar o universo, obrigar os assaltantes a umas férias, interromper a violência, morigerar os larápios? É uma falta absoluta de senso. Ainda por cima, a polícia demorou a chegar. Ainda por cima, a polícia adiou por diversas vezes a conferência de imprensa em que devia prostrar-se (espero que tenham ouvido um jornalista em histeria, contando estas peripécias, ai dele, ai de nós – tanto, que foi interrompido pelo pivot, em Lisboa) em homenagem à classe. Que falta de senso, a da polícia, que não largou os trinta e dois assaltos e vários homicídios que houve nas redondezas para se dedicar em exclusivo a falar para os microfones das estrelas – um assalto, caramba, um assalto, que frisson. Ainda por cima, vejam bem, a polícia recuperou 90% do material roubado e enviou um destacamento para proteger os jornalistas que, de imediato, eu ouvi bem!, passaram a protestar contra a vigilância policial porque se sentiam inseguros. Parece que um comandante disse, entretanto, que a violência crime «já cá estava antes do Mundial e estará no Mundial», que despautério, que abuso, que falta de noção – então vai a rapaziada comentar as glórias da bola, e este homem chama-os, assim, à bruta, à realidade? Sinceramente, isso não se faz. Quando muito, interrompia-se a África, propriamente dita, até que os jornalistas acabassem de transmitir os relatos e depois, só depois disso, os assaltos e os homicídios que fossem paulatinamente retomados, com a bonomia habitual, para que – de Lisboa, nas almofadas das redacções, entre graçolas – se riscasse o assunto da agenda com o argumento de que ninguém quer saber de outro tipo assassinado ou de um portuga baleado à porta de casa, além do mais são emigras, quem é que se vai importar? Assaltar um jornalista? Que falta de senso.
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