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Um talento enorme para surpreender, cativar e descrever a física da nossa matéria. O Padre João Resina Rodrigues está mais perto dos mistérios que descrevia.
[Foto do Publico, Enric Vives-Rubio]
«Quando um ministro declara abertamente, numa comissão parlamentar, que o seu governo vai desrespeitar a Constituição de forma consciente e intencional, só a loucura geral permite complacências. Controlar o poder do governo é o principal motivo para a existência de uma Constituição. Permitir ao governo fazer interpretações livres do texto é o mesmo que recuar trezentos anos na História.»
Tiago Moreira Ramalho, no A Douta Ignorância.
«Já não se viola apenas o pacote de promessas eleitorais sufragado em Setembro e o programa do Governo: agora viola-se abertamente a Constituição da República.»
Pedro Correia, no Delito de Opinião.
«Se até os princípios que garantem um mínimo de segurança e de liberdade aos cidadãos cedem, de forma ligeira , àquilo que são as conveniências (obviamente, sempre qualificadas de superior ”interesse público”!) do Governo, então, quem nos garante que a seguir e pelas mesmas pseudo-razões difusas, não meteremos na gaveta a ”liberdade de expressão” ou não aparece outro qualquer governante a defender que o “interesse público” da celeridade processual deve eclipsar o princípio de que “não há crime, sem lei” ou ainda, de que a lei penal também se deve aplicar retroactivamente para condenar cidadãos e que todos seremos beneficiados com a instauração da “censura prévia“, etc., etc., etc?»
P. M. F., no Blasfémias.
Na última viagem que fizemos, para o Brasil, contou que não sabia se iria poder escrever o livro que sempre quis escrever depois de A Voz dos Deuses e Os Comedores de Pérolas. Não pôde. O Bando dos Quatro e A Voz dos Deuses tornaram-no (justamente) conhecido do grande público. Monárquico, conservador, irónico; nasceu em Lisboa mas os anos Moçambique foram decisivos e nunca esqueceu o Índico. Até logo.
O futuro começa quando menos se espera. Há uma semana, uma dúzia de editoras de livros lançou em Espanha uma ‘plataforma de distribuição de conteúdos digitais’, depois de em Outubro do ano passado o mesmo ter acontecido em França. Ou seja: estão preparados para publicar, gerir e distribuir e-books. As redes de distribuição e comercialização portuguesas encolheram os ombros porque ‘é longe’, claro. Ontem, as editoras brasileiras mais importantes anunciaram a mesma opção. É do outro lado do Atlântico, mas é mais perto do que Espanha. Seria bom relembrar as infelizes e improváveis declarações do ministro da Ciência sobre a pirataria na net, e mencionar a ausência de legislação e iniciativas do governo sobre o mesmo assunto. Vai começar a guerra. E os ‘maus’ vão ser punidos.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O nome de Ferreira Gullar, um poeta superior da nossa Língua, é Prémio Camões deste ano. É conhecido em Portugal por uma minoria de leitores de poesia. Este fato, explicável e compreensível, leva ao despeito de uma série de inteletuais que acha que só existe o que vem nos seus dicionários. Foi assim com Antônio Cândido, um dos grandes mestres da cultura de Língua Portuguesa; foi assim com Arménio Vieira ou Autran Dourado; mas, em relação ao Brasil, foi o que também aconteceu com Eduardo Lourenço ou Velho da Costa, pouco conhecidos do lado de lá do mar – o que prova a ignorância mútua no mundo da Língua Portuguesa. Mas o Prémio Camões também tem culpa; é atribuído em silêncio, sem burburinho nem apelo público, como se fosse um segredo da Academia, embrulhado em celofane.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Assisti, no Rio de Janeiro, em 1985, ao primeiro Rock In Rio. A romaria que hoje em dia toma o nome daquele festival tem poucas semelhanças com o entusiasmo e o sentido originais. O rock é uma coisa séria – o Rock In Rio lisboeta é uma provação delicodoce para famílias, onde até o som dos Motorhead é quase falso. Nada contra; mas é bom distinguir esta ocupação da Bela Vista do som original de uma guitarra manejada por um bom rocker. Shakira e Miley Cyrus estão bem num pátio de adolescentes ou de famílias que transportam os filhos, mas temos o direito de temer pelo uso da palavra “rock”. Salvas as devidas proporções, é como convidar Elton John para um ajuntamento de fanáticos de canto alentejano ou ter Tony Carreira a oficiar um concerto de Deep Purple, há vinte anos.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
No dia em que Clint Eastwood festeja 80 anos – despedimo-nos de Dennis Hopper, que morreu no sábado. Easy Rider (1969) não é um dos filmes da minha vida, mas Dennis Hopper era um ator raro, de culto, perseguido por um halo de admiradores que também se comoveram ao ver um dos grandes filmes da década de oitenta, Blue Velvet (1986) e prezaram muito o seu papel em Apocalipse Now (1979). Hopper tinha uma habilidade natural para incarnar o olhar do mal. É isso que ele fazia como ninguém. Realizou Easy Rider depois de Kerouac e de J.D. Salinger terem escrito os seus livros decisivos, mas a perdição estava lá, tal como em Fúria de Viver, onde tinha entrado muito atrás de James Dean. Hopper sobreviveu sempre como um olhar fatal, perdido e ameaçador. Mesmo hoje.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Parece que o cantor Quim Barreiros, conhecido pelo seu tom jocoso (com largas tradições no nosso cancioneiro popular) compôs e gravou, no seu estilo, uma canção intitulada ‘O Casamento Gay’, onde usa o dicionário do costume e o tradicional jogo de palavras relacionadas com sexo. As organizações do setor protestaram — fizeram bem; uma delas pretende mesmo averiguar, com juristas, se a canção “configura algum crime”. Pode até acontecer que um tribunal decida ‘proibir’ a canção, o que cairia bem para Quim Barreiros – porque o disco se tornaria num êxito estrondoso, com a canção repetida pela net, cantada nos arraiais de Verão e discutida em público. Cada um sabe de si, mas, sendo as coisas como são, não sei se o melhor processo será mandar a polícia falar com Barreiros.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Ben Kingsley quer adaptar ao cinema O Primo Basílio, de Eça de Queirós. É uma notícia que interessa, não por ‘patriotismo’. É por causa da literatura, cujo espaço nas escolas tem sido cada vez mais reduzido – sobretudo o dos clássicos, desalojados para dar lugar a livros moderninhos que ainda não enfrentaram o tempo nem a sua poeira. Eça é um génio (como Camilo, como Machado de Assis) da literatura da nossa Língua. Que venha um ator de Hollywood relembrar-nos que as escolas portuguesas leem cada vez menos clássicos e se entretenham com gramática e “comunicação”, é uma coisa que deveria fazer pensar os responsáveis. Mas está lá alguém disponível? Não. Em vez de livros, distribuem computadores Magalhães – que, aliás, não funcionam e vão parar à sucata. É o destino.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Está nas bancas a LER de Junho. Ajudem-nos, que nós merecemos.
Aliás, acho absolutamente inacreditável que não se oiçam já os protestos de tantos constitucionalistas que nunca faltam em circunstâncias de desrespeito dissimulado pela Constituição. Desta vez trata-se de uma violação assumida do texto constitucional. O descaramento com que se fala do assunto sem que o governo, inteiro, core de vergonha, leva a pensar que ou o país não tem vergonha ou esta gente está em roda livre. Parece-me que são ambas as coisas. Ide para a praia, ide.
A ideia de que o princípio «da defesa da economia, do emprego e do futuro do país» se sobrepõe ao princípio constitucional da não-retroactividade dos impostos é outra abóbora; o princípio da não-retroactividade dos impostos é um princípio objectivo; a defesa da economia, do emprego e — sobretudo — do futuro do país, com esta gente, é uma nebulosa muito mais subjectiva.
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