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Vitória!

por FJV, em 30.06.10

O Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco da Associação Portuguesa de Escritores foi atribuído a Afonso Cruz e ao seu livro Enciclopédia da Estória Universal (Quetzal).Vão lê-lo, que é muito bom.

Depois de a Casa da América Latina ter atribuído o Prémio de Literatura a Hector Abad Faciolince e ao livro Somos o Esquecimento Que Seremos, este é o segundo prémio recebido pela Quetzal no espaço de um mês.

Parabéns ao Afonso Cruz; é um belo livro. E o seu novo romance, que publicaremos em Setembro, é outra boa novidade.

 

O booktrailer.
O blog de Afonso Cruz.
Outro booktrailer da Enciclopédia.

Além de escrever, Afonso Cruz é ilustrador, realizador de filmes de animação e compõe para a banda de blues/roots The Soaked Lamb onde canta, toca guitarra, harmónica e banjo). Nasceu em 1971, na Figueira da Foz, e haveria, anos mais tarde, de viajar por mais de sessenta países. Vive com a sua família num monte alentejano onde, além de manter uma horta e um pequeno olival, fabrica a cerveja que bebe. Em 2008, publicou o seu primeiro romance A Carne de Deus – Aventuras de Conrado Fortes e Lola Benites. Em Setembro de 2009 a Quetzal publicou Enciclopédia da Estória Universal, agora distinguido com o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco – Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão/APE.

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Acasos, 32.

por FJV, em 29.06.10

 

 

Beach House, «Take Care»

 

Beach House, «Used to Be»

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Naked city.

por FJV, em 29.06.10

O Sérgio Aires regressa à fotografia. Infelizmente, ainda não ao blog.

No Porto, no Labirinto, até dia 24 de Julho.

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Em Julho. Sontag, Rentes de Carvalho, etc.

por FJV, em 29.06.10

 

Mais estes que já estão nas livrarias:


 

Todas as capas são de Rui Rodrigues.

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Finalmente (ou de como bons amigos fazem bons negócios).

por FJV, em 28.06.10

Com quem é que ele aprendeu, com quem foi?

 

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Ponto da situação.

por FJV, em 27.06.10

A falta de jornalistas séniores, por exemplo. A televisão portuguesa, no seu conjunto (mais aplicadamente na RTP, o que é estranho — e muito menos na SIC), abdicou da presença de jornalistas séniores. Na CNN, Sky, CBS, etc., entregam-se os momentos «mais solenes» ou apenas «mais importantes» a jornalistas seniores. Pessoas que já leram, que não embarcam na primeira histeria, que relembram uma história relacionada (coisa só possível com memória, cultura e, até, experiência), que são capazes de traçar a biografia de um entrevistado em quinze segundos sem destruir a oportunidade (por exemplo: no funeral de Saramago, reduzir Guilherme Oliveira Martins a presidente do Tribunal de Contas), que não reduzem o material de apoio a dois prints mais recentes da internet (já leram, pois), que não caem na primeira treta que alguém deixa cair perto do microfone, que têm a noção da maneira como se deve fazer uma pergunta sem ofender o senso-comum (a jornalista aproxima-se de um táxi à hora do jogo Portugal-Brasil e quer saber por que razão está ele ali a ouvir o relato pela rádio, e não diante da televisão: «Porque está aqui e não foi ver o jogo? Está a trabalhar, é?»).

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Pobre homem.

por FJV, em 26.06.10

Pobre homem, Camões. De arauto das glórias do Império a vate do imperialismo e do colonialismo, foi um salto. Já se gostou dele por isso; já se gostou dele (na historiografia de esquerda, por exemplo) por causa do episódio do Velho do Restelo; já se gostou dele por causa do Império e por causa do fim do Império, passando de símbolo das glórias nacionais a sinaleiro da derrota de Alcácer-Quibir. Mas a leitura de Camões é sempre um problema; ele é um dos poetas mais politicamente incorrectos da nossa literatura – glorificava os heróis que matavam com gosto e em nome da pátria, uns matreiros que violavam, ensandeciam, bebiam e procuravam mulheres para se recompensarem a si mesmos depois das viagens atribuladas. Antes da vulgata do islamismo contemporâneo, Camões já imaginava o paraíso como uma reunião de mulheres que aguardavam – numa ilha para lá do mar – os marinheiros portugueses, e à cabeça estavam os que tinham combatido com mais aplicação. Camões na política, então, é uma trapalhada. Escolhem-se uns versos, eliminam-se outros. Com Pessoa é a mesma coisa. Políticos e jornalistas que não sabem distinguir um soneto de uma décima brincam com os que não sabem quantos cantos tem Os Lusíadas e quantas estrofes tem o IX Canto. Pobre homem. Pobres aproveitadores.

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«Eu gosto dos políticos que gostam de Camões.»

por FJV, em 26.06.10

José Sócrates em Arcos de Valdevez: «Eu gosto dos políticos que gostam de Camões.» Está certo, mas não é uma garantia. Há mesmo alguns problemas. Seria bom, neste caso, relembrar — ao longo da história portuguesa do século XIX — os políticos que não gostavam de Camões (que, em termos «patrióticos», foi uma invenção liberal contra a Regeneração e, depois, repescada na rua pelos republicanos). Mas seria ainda melhor enumerar os políticos que gostavam de Camões ao longo do século XX. A lógica (e nem precisa de ser malévola) é assim: «Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Salazar gostava de Camões. Logo, eu gosto de Salazar.» Também significa que: «Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Manuel Alegre gosta de Camões. Logo, eu gosto de Manuel Alegre.» Ou «Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Vasco Graça Moura gosta de Camões. Logo, eu gosto de Vasco Graça Moura.» Por maioria de razões, Vasco Graça Moura estudou e publicou muito sobre Camões. Claro que a trapalhada vai até ao infinito. «Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Isso não quer dizer que eu goste de Camões. Se eu não gostar de Camões, não gosto de mim. Mas eu quero gostar de mim, logo tenho de gostar de Camões.»

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Autocrítica.

por FJV, em 26.06.10

Soares tem alguma razão; mas é uma autocrítica. Por exemplo, recordando as «presidências abertas» do seu segundo mandato como presidente.

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Linha 3 (Zona Universitaria - Trinitat Nova) .

por FJV, em 23.06.10

«No metropolitano de Barcelona lê-se muito mais do que em qualquer lugar público de Lisboa.»

Alexandre Andrade, no Um Blog Sobre Kleist.

 

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Livrinho.

por FJV, em 23.06.10

 

Lançamento hoje, às 18h30, na Fábrica dos Pastéis de Belém (em Belém...). Apresentação de Carla Maia de Almeida.

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A. M. Couto Viana.

por FJV, em 23.06.10

Na altura escrevi sobre a morte de António Manuel Couto Viana mas, entretanto, não estive atento ao disparate imbecil denunciado pelo Eduardo Pitta. Não só é lamentável que, à direita, ninguém tenha protestado contra o silêncio, como é lamentável que a esquerda se preste a mais um exercício de policiamento.

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Os feriados.

por FJV, em 23.06.10

Não acredito que o aumento da produtividade dependa da abolição de feriados, da mudança de feriados e da criação de feriados «para a família», essa coisa ainda mais flutuante do que os feriados. Andam aí umas senhoras com o calendário às costas, mudando aqui, recriando ali, inventando e suprimindo. Gabo-lhes o esforço, mas agradecia que estivessem quietas. Hoje mudam os feriados, amanhã mudarão os horários de deitar e de acordar, depois os das refeições (como já um celerado quis fazer em Espanha) e, finalmente, conseguirão o que querem, que é abalar-nos o juízo. São muitos feriados, certamente; outra coisa é as senhoras quererem tomar o calendário de assalto.

 

 


Podíamos argumentar de outra maneira. Por exemplo. Eu embirro com a coisa e o Natal custa-me muito a passar, nunca é pacífico e «o espírito do Natal» é insuportável; agradecia que o feriado acabasse logo e que não o prolongassem até dia 27. Já o de 10 de Junho, gostava muito que o estendessem até ao fim-de-semana, em podendo, sobretudo onde há bosques ou praias decentes, para podermos ler a lírica de Camões à vontade. Quanto ao Carnaval, acho deprimente e devia ser decretada uma moratória. O da Ascenção é desnecessário na época do ano. Já em relação ao da Imaculada, gosto da ressonância italiana. O 1.º de Dezembro dispenso e poupa-nos um almoço na raia, com possibilidade de Cáceres (esqueçam Olivença) ou, em podendo, em Ciudad Rodrigo ou em Ourense. O 25 de Abril repete o 5 de Outubro, que repete o 25 de Abril, mas está lá como deve. A 23 de Junho, D. Miguel foi aclamado rei — como pensar num aniversário só para Évora Monte (o desembarque dos liberais no Pampelido a 8 de Julho podia compensar) está fora dos planos, ao menos que se permita em Ribeira de Pena, por exemplo, ou em Redial, concelho de Chaves. A 24 de Junho, já se sabe, a data exige-o. Associarmo-nos aos espanhóis e festejarmos o Dia de Reis parece-me sensato.

 

Adenda. Esclarece o leitor Pedro  Valadares: «Não temos feriado da Ascenção — ao contrário de Espanha — mas sim da Assunção. Nossa Senhora não ascendeu aos céus, mas foi Assunta... O que também dá um nome bonito, penso que em castelhano. E italiano

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O hooligan em Danger Point. Malabarismo e um golo à chuva.

por FJV, em 21.06.10

 

Não há mal nenhum.

 

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Perguntas a despropósito que não se deixam sem resposta.

por FJV, em 21.06.10

Para o Miguel, que — à hora de almoço — faz perguntas a meio de um jogo de futebol.

 

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O hooligan em Danger Point. Medo.

por FJV, em 21.06.10

Acho isto perigoso. Gastámos os golos agora e depois, na final com a Holanda ou a Argentina, como é que vai ser?

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Se eu fosse.

por FJV, em 21.06.10

Foi uma ideia de há muitos, muitos anos — e que agora é uma espécie de surpresa. Não é literatura «para infantes»; é uma conversa sobre «geografia do mundo» que sai esta semana. O livro, publicado pela Booksmile, deve quase tudo ao Rui Penedo, que desenhou (são ilustrações bonitas, aviso-vos) – e ao Paulo Ferreira, da Booktailors, que teve a ideia. O lançamento é na quarta-feira, 18h30, na Fábrica dos Pastéis de Belém, Lisboa. A apresentação é de Carla Maia de Almeida.

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O essencial sobre futebol também pode ser isto.

por FJV, em 20.06.10

«A verdade desportiva, segundo Rui Santos, é apenas a primeira etapa no percurso para uma ditadura da verdade no desporto em que se controlará a própria consciência dos jogadores. Nesse mundo distópico, o golo de Maicon contra a Coreia só seria oficialmente declarado um golo fabuloso se o jogador confirmasse a sua intenção de chutar à baliza daquele ângulo e passasse no teste do polígrafo.»

No blog Ouriquense.

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O que fica: talento, trabalho, dedicação.

por FJV, em 19.06.10

Lembro o cenário: uma casa tranquila onde os objectos essenciais eram a mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia — e uma janela voltada para o mar. Estávamos na Ericeira e eu tinha combinado entrevistá-lo antes da edição de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, em 1991. José Saramago escrevera e reescrevera o livro num videowriter, moderno na época; nessa tarde fez a primeira impressão do texto em papel. Tinha exactamente 444 páginas. Saramago era cuidadoso com os seus livros — entregava os originais quase irrepreensíveis, sem rasuras. E falava sobre eles com uma notável clareza, muito rara. Recordo por isso quando me convidou para fazer a apresentação de Ensaio sobre a Cegueira, de 1995 — e como falava sobre o livro como se o tivesse escrito há muito tempo. Esta aparente «facilidade» contrastava, no entanto, com a forma disciplinada — e até austera — que rodeava o seu processo de escrita. Foi já depois da atribuição do Nobel, em Lanzarote (repetia-se o mesmo cenário: mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar) que pude perceber o trabalho que acompanhou a escrita de O Ano da Morte de Ricardo Reis (que, juntamente com Memorial do ConventoEnsaio sobre a Cegueira constitui uma espécie de «trilogia do cânone»): uma agenda, dessas, antigas, domésticas, que Saramago tinha transformado num diário de Ricardo Reis escrito em Lisboa depois de regressar do Brasil, e que funcionaria como uma espécie de «segundo livro» que reuniria a parte estritamente documental do romance. Tudo tinha sido ali anotado, desde o preço do tabaco no Alentejo naquele ano, até à menção das crises diplomáticas que varriam a Europa e anunciavam o fascismo.
Esse trabalho oficinal sempre me apaixonou em José Saramago — e era justamente esse trabalho disciplinado que tornou possível uma obra monumental, escrita do ponto de vista da eternidade. Só um monumento pode fazê-lo.
A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua «intervenção cívica» — mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará Manual de Pintura e Caligrafia, por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa «trilogia do cânone» onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.
Tanto em Levantado do Chão como em Memorial do Convento ou em Todos os Nomes, os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anónimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos «exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas. Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de História do Cerco de Lisboa, a que é vivida pela editora e pelo revisor — ele, mais uma vez, o homem anónimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).
Creio, acreditei sempre — e escrevi-o — que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfémia e interrogar directamente a figura de um Deus «humanamente injusto». O resto é polémica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação.

[Publicado hoje no I]




Um homem nu na universidade

 

A morte é uma interrupção. Uma intermitência. O que pensei e penso sobre Saramago escrevi-o acima. Como jornalista acompanhei-o muitas vezes, aqui e ali; ouvi-o, li-o, conversei com ele. Afastámo-nos realmente depois de 2003, mas o respeito pelo seu trabalho manteve-se e permanece. E, com esse respeito, a admiração por esses livros «do cânone» que refiro no texto. Há duas ou três histórias que, para mim, ficarão a lembrá-lo. Quando o visitei em Lanzarote (eu estava a preparar um diaporama de apresentação de Saramago para Estocolmo, por ocasião do Nobel), vi um homem que precisava de refúgio. Encontrou-o entre os seus e com as suas ideias, que não partilho. Não concordo com as suas opiniões políticas (o debate «religioso» não é para aqui chamado, e sobre isso escrevi na altura), mas a morte é uma interrupção que decidimos, ou não, em função da nossa memória. Injustiças, erros, desatinos, crueldades. Uma pequena interrupção. Recordo de Saramago o meu essencial e esqueço o resto.

Um dia, na Alemanha (antes do Nobel), descobri que Saramago ia fazer uma conferência na Universidade de Frankfurt. Era um mês de Abril chuvoso e frio — e eu não tinha muito para fazer nessa tarde, de modo que fui esperá-lo à porta da universidade (a mesma de Goethe, de Marcuse, etc.). A meio da conferência (sobre autoria, autobiografia e ficção) entrou um homem nu. Verdade. Completamente nu. Saramago continuou a falar, ao fundo do anfiteatro. O homem, completamente nu, sentou-se na terceira ou quarta fila, e as pessoas sorriram, olharam, mas continuaram a ouvir Saramago. Eu estava sentado ao lado de Ray-Güde Mertin, a sua (e minha) agente, a sua tradutora e amiga de sempre. Ray sorriu também mas não disse nada. Ao fim de uns minutos, o homem nu levantou-se e desceu os cinco ou seis degraus do anfiteatro, curvou-se, numa vénia para Saramago — e saiu como entrou. Passou depois junto à janela, do lado de fora, no meio da chuva. «Coitado», disse então Saramago, finalmente, «é melhor dar-lhe um impermeável.» Só então a assistência (professores, estudantes, leitores anónimos) pôde rir à vontade, distendida e alegre. «Foi uma coisa no meio da literatura», disse ele. «Nada de mais.»

O que ficará depois de tudo é isso: literatura. Uma coisa literária. E esses livros de que gosto: Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Viagem a Portugal, Manual de Pintura e Caligrafia, História do Cerco de Lisboa ou Ensaio Sobre a Cegueira. O resto é como um homem nu que entra no meio da literatura, que se senta e sai da sala. Passa. Fica a literatura.

 

P.S. - Pedro Correia, que é um bom leitor, escreve hoje no seu blog que recordará sempre Viagem a Portugal. É outra história. Em 1979, Saramago estava arredado depois da revolução. Nessa altura, fazia traduções, revisões, etc. Manfred Grebe, que era administrador alemão do Círculo de Leitores, convidou-o então a regressar à literatura e ofereceu-lhe um contrato, com condições decentes e muito favoráveis, para escrever Viagem a Portugal — que sairia no Círculo em 1981, e seria o seu primeiro grande êxito — e o que ele depois quisesse. Saramago começou o livro entrando pelo Norte e descrevendo uma igreja românica que fica, curiosamente, a vinte metros do muro da casa dos meus pais. Seja como for, foi Manfred Grebe que o foi buscar e a quem Saramago por várias vezes manifestou a sua gratidão pelo convite, pelo gesto e pela oportunidade. Viagem a Portugal, como diz o Pedro, permanece como uma lembrança perene.

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Gato escondido.

por FJV, em 17.06.10

Não me faz espécie que o movimento Mulheres Século XXI reabilite os grandes temas do frentismo católico. Basta ler um pouco da literatura vagamente ultramontana do século passado para compreender o dislate da coisa — salvemos a pátria da excomunhão, da imoralidade e do pecado; e pelo caminho, já agora, salvemos a nossa alma com acções que glorifiquem o papado e o altar. O regresso dessa tentação de unir o trono e o altar é aparentemente nova mas só agora, depois do 13 de Maio e de algumas derrotas recentes, tem condições reais de se exprimir.

Como é isto possível? Simples. Primeiro, com o entusiasmo em torno da visita do Papa, que mobilizou milhares nas ruas, na altura em que Roma estava debaixo de fogo. Tamanha mobilização deixou o frentismo católico com água na boca e o desejo de transformar em força eleitoral o que era uma «demonstração de fé». Para os mais distraídos, volto a insistir que se leia um pouco dessa «literatura vagamente ultramontana do século passado»; está lá tudo. Nada de novo quando se trata de trazer a religião para a rua e de a medir em projecções eleitorais. Claro que causa estranheza o facto de a campanha ultramontana contra o Presidente ter sido lançada no site da rádio católica — foi o início de um combate às claras por parte de uma Igreja tradicionalmente discreta e que normalmente «não se mete em política». Mas as multidões fazem milagres em tempo de «casamentos gay». Só assim se explica o discurso desastrado do próprio cardeal patriarca (há muito tempo que a Igreja não usava a qualidade de católico de um político para exigir dele um compromisso público e lançá-lo às feras). Segundo: é estranha a coincidência — e só isso bastaria. Mas o que leva o cardeal patriarca, geralmente tão cordato com José Sócrates e tão ausente do debate político, a ser tão ríspido em relação a Cavaco Silva, o homem que — convém relembrá-lo — convidou o Papa a visitar Portugal? Boas almas relembram a condição «de católico» do PR, o que o colocaria sob o pastoreio do cardeal («devendo-lhe obediência» — recordações ultramontanas, de novo); não basta. É preciso fazer as contas (coisa que a Igreja, num país católico mas com poucos praticantes e contribuintes, tem feito bastante nos últimos tempos).

A Igreja não se mete na política (embora tenha negócios com ela, à semelhança da «classe empresarial», também dependente do Estado), ou, como diz o cardeal patriarca, «abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito estritamente político» mas, naturalmente, incentiva os católicos a agir em seu nome («os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos») sem, naturalmente, prejudicar os negócios entre a Igreja e a política. Gato escondido.

 

Esta curiosa coincidência de pontos de vista e de interesses pode ler-se, página a página, nos jornais e blogs das últimas semanas: o ressentimento de Santana Lopes (o menor dos males), o desejo de um frentismo católico (à semelhança dos de antigamente, também este começou no Estoril) animado pelas senhoras do Século XXI, a vontade de deslocar o centro político para a direita católica, a repentina vontade de a Igreja verificar o seu peso eleitoral (transformando matérias morais em motores de mobilização política, no que demonstra um extraordinário erro de avaliação) e o apoio de José Sócrates à nova candidatura de Manuel Alegre. No meio de tudo isto, um fenómeno: a criação de uma nova classe de actores políticos — a de idiotas inúteis.

 

Aqui, sobre os guerreiros que vestem a pele de heróis de Canudos.

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