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O Mar Salgado está com problemas de acesso. Devem ter entregue a gestão do blog ao Filipe, que mudou o endereço — e agora é isto: não se consegue entrar no Mar Salgado.
Que o primeiro-ministro e Passos Coelho se reunam, é uma evidência — era necessário, dado o tamanho da crise e o desnorte das finanças. Passos esteve bem, respondendo à letra — mas com actos — a Teixeira dos Santos, que se preparava para foguetório; Sócrates não tinha margem de manobra para recusar a visita. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Está bem que a fotografia dos dois, unidos para encarar o mal feito, fica bem para mostrar na imprensa estrangeira; mas os resultados internos ficam aquém do desejável. Não só os propagandistas do governo continuam a festejar o TGV, as obras públicas e as grandes realizações da legislatura (onde ficou dinheiro mal aplicado), como o anúncio da diminuição do subsídio de desemprego ou do corte do 13° mês a funcionários públicos não encontra a outra face — a diminuição clara das despesas do Estado. O optimismo é indecoroso: na semana passada, cortar mil milhões da despesa do Estado eram minudências, diziam os porta-vozes; esta semana, além de ter sido finalmente adjudicada uma nova auto-estrada de 1,5 mil milhões, o Estado continua sem abater um cêntimo à sua despesa. O argumento é bom: 75% da despesa pública serve para pagar ordenados. O ministro Teixeira dos Santos lançou o alerta laranja contra o ataque dos mercados; o eurodeputado Vital Moreira quer que os mercados partam os dentes, há quem pense que o Estado está empobrecido por causa dos mercados — mas dá a ideia de que, se não fossem os mercados, o optimismo histérico & propagandístico ia continuar e Teixeira dos Santos continuaria a vestir a farda de Mohammed Saeed al-Sahhaf. Portanto, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa: não chegámos onde chegámos só por culpa do «ataque dos mercados» ou da «conjuntura». Não tirem o cavalinho da chuva.
A imprensa delirou e admitiu que a ministra da Cultura esteve à altura de Joe Berardo, desdramatizando e sanando aquilo que podia ser um sério conflito entre o Estado e o proprietário do acervo do Museu Berardo — o próprio Berardo. Assim vista a coisa, cada qual podia regressar ao seu remanso e a vida continuava; o ministério da Cultura lá andava e Berardo seguia em frente. Mas não. Berardo acusa a ministra de mentir ou, como agora se escreve e usa, de «dizer inverdades». Das duas, uma: ou é um conflito entre personalidades das ilhas ou Berardo quer esticar a corda e pedir à ministra que faça sangue. Um xeque-mate.
Aldous Huxley dizia que “os factos não deixam de existir só porque são ignorados”; a frase aplica-se ao sempre inesperado ministro das Finanças que, diante das más notícias de ontem, lá bradou que o país tem de responder aos ataques dos mercados – esquecendo que foi ele que, ao longo de quatro anos, mais se equivocou nos números da desgraça, enganando as estatísticas como um otimista a caminho do abismo. Entretanto, o tempo mudou de repente e a Direção-Geral de Saúde, achando que a meteorologia não deu tempo para uma adaptação lenta ao calor, receia complicações no sistema cardiovascular dos portugueses – e, dramática como de costume, não vá o diabo tecê-las, lançou um alerta. A solução podia ser aplicada à medida do governo: que a DGS e as Finanças troquem de estratégia.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O acordo entre o Estado e Joe Berardo para a criação do seu museu no CCB esteve sempre rodeado de polémica. O investidor acha que presta um serviço ao país ao mostrar em público o acervo de arte contemporânea que reuniu ao longo dos anos; o Estado não quis ser acusado de deixar seguir as obras para o estrangeiro e negociou um acordo para que o museu se instalasse no CCB, o que permitiu que Berardo aparecesse como um mecenas, defendendo a gratuitidade dos museus e da cultura em geral. A cada dúvida ou inquietação, Berardo ameaça largar a Pátria, acrescentando agora a novidade de que, por este caminho, o país também está difícil. Moral da história: Berardo sabe o que faz e o que tem em casa – e sabe que quem assinou o acordo vai ter de aturá-lo. Ou de fazer de mau da fita.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Trinta e seis anos depois, “defender Abril” é um anacronismo. Algumas boas almas consideram que o “espírito de Abril” não foi cumprido. Foi: vivemos em liberdade, há eleições, terminou a guerra e somos parte da Europa. O resto depende dos portugueses e não do “espírito de Abril”. Claro que a descolonização podia ter sido bem feita (não foi) e podíamos ter sido poupados ao PREC, ao “socialismo militar”; julgar isso é tarefa dos historiadores. Mas o essencial é que tudo depende dos portugueses. A constituição americana, de forma inteligente e avisada, não garante o direito à felicidade, mas sim o direito à busca da felicidade. Se o “espírito de Abril” garantia o paraíso na Terra, era uma impostura. Basta sermos pessoas normais, com direitos, liberdades, deveres e garantias.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
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