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Hoje à noite, no MusicBox, ao Cais do Sodré, um pouco antes da meia-noite, começa a noite de Roberto Bolaño, a propósito do lançamento do romance inédito O Terceiro Reich — em primeira tradução mundial.
Música com DJ Irmão Lúcia (autor da ilustração acima) e Rocky Marsiano.
Jeff Healey, «While My Guitar Gently Weeps»
Tremam de indignação e inveja, leitores, como eu. Temos — todos, ai de mim — um longo caminho a percorrer. De nada valem as horas passadas em frente da televisão para assistir às emissões de Nigella Lawson. Anda uma pessoa a alimentar a vaga ilusão de ter fixado aquele olhar, aquela inflexão renascentista, aquele jeito de usar o limoncello para ligar um tempero, aquele roupão, aquela mania de inclinar a cabeça, aquele apetite triunfal, que sei eu — e, de repente, eis Luís Caetano, nesta foto, ao lado de Nigella, ela-mesma. O que resta de tudo isto? Saber que, ao contrário de Luís Caetano — o realizador de, entre outros programas, «A Força das Coisas», um dos melhores programas de rádio portugueses, na Antena 2 —, eu sou capaz de cozinhar as receitas de Nigella. O resto é inveja pura; entraste no top, Luís. Tens a vida feita num oito. Não vale de nada, a partir de agora. Vigia bem a tua sombra.
Foi também o idealismo dos seguidores de J. J. Rousseau que permitiu o suicídio de Leandro, um miúdo de 12 anos que se atirou às águas do Tua, em Mirandela, depois de ter sido humilhado e agredido por colegas seus. Para designar o fenómeno criou-se o conceito de ‘bullying’, que não é bastante nem ajuda a explicar por que razão a humilhação de colegas, na escola, se tornou tão preocupante. Os leitores de Rousseau, tal como o filósofo, acreditam na bondade dos ‘indivíduos’ e supõem que a sociedade os decompõe (os ‘indivíduos’ são sempre vítimas e, por isso, os agressores de Leandro já têm o correspondente apoio psicológico, que ele não teve). Não acreditaram que os ‘indivíduos’ eram capazes de aterrorizar de tal maneira um seu semelhante ao ponto de o levarem ao suicídio.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
Alice encontra-se hoje connosco no cinema – é um enorme risco, porque o livro de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, é um dos grandes enigmas da modernidade, erradamente apresentado como ‘literatura infantil’. Longe disso. A obra, que sobreviveu a todas as leituras, tanto serve para explicar cálculos matemáticos como dificuldades da filosofia; tanto ilustra a vontade de rebeldia, como mostra o ridículo da tirania. Imaginar uma Alice de Tim Burton é um problema, porque o melhor, em clássicos tão importantes, é apresentá-los tal como são, literalmente. É a única maneira de não os empobrecer. Veja-se Shakespeare: depois de cada ‘adaptação moderna’, é preciso voltar ao original, para reencontrar a sua grandeza. A grandeza de Alice é, precisamente, o inexplicável.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
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