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Qualquer leitor de romances policiais ou de thrillers de ficção política e espionagem sabe que uma das regras é haver bons e maus. Isto vai um pouco contra o espírito da época, mas é a única forma de funcionar, uma vez que os leitores têm todos os maus vícios do costume. Com o andamento da narrativa, começa a haver, digamos, nuances. Aí entra «a habilidade» do autor: no campo dos maus há variantes boas do género humano e, no campo dos bons, há casos fatais de mau carácter. Até aqui, é uma questão de técnica — depois da clareza inicial, a turbulência e as pequenas variantes. É isto que obriga o leitor a querer ler até ao fim. Quando o leitor pensa que tudo está a caminho de ser esclarecido (efeito James Ellroy, que é, também, o efeito Larry McMurtry ou Kurt Vonnegut ou Elmore Leonard — aqui, por causa dos diálogos, que são muito bons), alguém tem a tentação de imaginar um jogo em que os papéis de bons e maus podem inverter-se. A ideia é a de criar uma instabilidade total no leitor: então, quem tem razão? Em autores que são adaptados ao cinema, costuma haver — neste ponto — um dos maus que se suicida por não conseguir suportar a pressão nem a verdade, ou um mau que é sacrificado para dar a ideia de que a justiça sempre triunfa. É então que convém relembrar o diálogo entre o tenente Kaffee e o coronel Jessep (Tom Cruise e Jack Nicholson): «You want answers?» «I want the truth.» «You can't handle the truth! You have the luxury of not knowing what I know.» Um modelo de clareza: sabe-se que o mau não só é cínico como sabe que é cínico e que o mundo não vai lá assim. E o leitor que toma partido pelo bom dá-se conta de que é um nadinha idiota ou, pelo menos, ingénuo. Vai-se a ver (no fundo, Philip Marlowe sempre suspeitou que o Coronel Sternwood, em À Beira do Abismo/The Big Sleep, sabia a verdade), o bom deixou que o mau actuasse porque isso lhe garantia o traje completo para entrar na galeria dos bons. E ainda a história vai a meio.
Se há coisa que isto prova é o amor eterno do bloco central pelos negócios do Estado. Nunca como agora é evidente a necessidade de mudar de gente para, também, mudar de mistificações. Tenham fé, tenham.
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