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Belo jogo do Sporting. Patético — e até imerecido — adeus de Jesualdo; mas é.
O jogo correu mal desde o princípio, com um atraso evidente: aos 40', Jesualdo devia ter substituído imediatamente Mariano (por quem, é outro problema). Depois do golo de Izmailov, muito bom, não havia muito a fazer numa equipa que mostrava o entusiasmo e a energia de uma manada de bois. O resto são minudências que podem ter interferido com o resultado final (hoje não vou entrar em contabilidade) mas que não afectam o tom geral. Boa vingança do Sporting, que tem agora a responsabilidade e o dever de ganhar aos lampiões, seja de que maneira for. Quanto a Jesualdo Ferreira, a mensagem só pode ser a do hooligan: gostámos muito, mas o melhor é preparar a retirada. E os prediguers podem fazer as malas.
Qualquer leitor de romances policiais ou de thrillers de ficção política e espionagem sabe que uma das regras é haver bons e maus. Isto vai um pouco contra o espírito da época, mas é a única forma de funcionar, uma vez que os leitores têm todos os maus vícios do costume. Com o andamento da narrativa, começa a haver, digamos, nuances. Aí entra «a habilidade» do autor: no campo dos maus há variantes boas do género humano e, no campo dos bons, há casos fatais de mau carácter. Até aqui, é uma questão de técnica — depois da clareza inicial, a turbulência e as pequenas variantes. É isto que obriga o leitor a querer ler até ao fim. Quando o leitor pensa que tudo está a caminho de ser esclarecido (efeito James Ellroy, que é, também, o efeito Larry McMurtry ou Kurt Vonnegut ou Elmore Leonard — aqui, por causa dos diálogos, que são muito bons), alguém tem a tentação de imaginar um jogo em que os papéis de bons e maus podem inverter-se. A ideia é a de criar uma instabilidade total no leitor: então, quem tem razão? Em autores que são adaptados ao cinema, costuma haver — neste ponto — um dos maus que se suicida por não conseguir suportar a pressão nem a verdade, ou um mau que é sacrificado para dar a ideia de que a justiça sempre triunfa. É então que convém relembrar o diálogo entre o tenente Kaffee e o coronel Jessep (Tom Cruise e Jack Nicholson): «You want answers?» «I want the truth.» «You can't handle the truth! You have the luxury of not knowing what I know.» Um modelo de clareza: sabe-se que o mau não só é cínico como sabe que é cínico e que o mundo não vai lá assim. E o leitor que toma partido pelo bom dá-se conta de que é um nadinha idiota ou, pelo menos, ingénuo. Vai-se a ver (no fundo, Philip Marlowe sempre suspeitou que o Coronel Sternwood, em À Beira do Abismo/The Big Sleep, sabia a verdade), o bom deixou que o mau actuasse porque isso lhe garantia o traje completo para entrar na galeria dos bons. E ainda a história vai a meio.
Se há coisa que isto prova é o amor eterno do bloco central pelos negócios do Estado. Nunca como agora é evidente a necessidade de mudar de gente para, também, mudar de mistificações. Tenham fé, tenham.
Primeira tradução mundial.
Lançamento nacional na Póvoa de Varzim, nas Correntes d'Escrita, noite de quinta para sexta, às 24h00, no Bar da Praia — junto do hotel Axis Vermar. Rock afinado pela literatura de Roberto Bolaño, com o DJ Irmão Lúcia.
Lançamento em Lisboa, no MusicBox, ao Cais do Sodré, dia 5 de Março, à 1h30.
Um livrinho? Façam o favor de não acreditar nesta modéstia; é um grande livro. Tanto este, como este.
A tragédia só tem um nome: tragédia. A força da natureza destruiu uma parte desse equilíbrio entre ela mesma e o povoamento da Madeira. Uma das mais belas cidades portuguesas, ou a mais bela, o Funchal, ficará abalada durante muito tempo por essa tragédia. Ao recordar a beleza profunda, irremediável e fantástica dos seus cerrados, das suas florestas, picos, falésias, do seu rumor ilhéu, não se pode senão ficar do lado dessa gente orgulhosa que sofre com o isolamento e a claustrofobia – e, agora, com a destruição. Mais tarde, poderemos discutir o ordenamento, a ocupação do território, o urbanismo. Agora, silêncio, compaixão, ajuda e pudor. Mesmo se a memória nos atraiçoa em nome da beleza transitoriamente perdida do Funchal, uma varanda humana e luminosa sobre o mar.
[Na coluna do Correio da Manhã.]
O senhor procurador-geral fala amanhã «se assim o entender» («fez chegar ao DN esta informação: ˜Respondo segunda-feira se assim entender.˜»). Se lhe apetecer, vá lá. Se vir que vem a propósito ou que está para aí virado. Se cogitar que é melhor. Se quiser. Se deduzir que. Se assentar em que. Se tiver, finalmente, o entendimento de que lhe fica bem. Que do país — essa coisa, ali ao lado — lhe façam perguntas, é uma coisa; que essas perguntas sejam importantes, enfim. É extraordinário. Ou não. Como diz o nosso bom Almocreve, «estados d'alma, ferros curtos».
Na coluna da direita do site da Livraria Artes & Letras há um poema de Alexei Bueno sobre isso mesmo, livros: «Meus livros amados,/ Como trepadeiras/ Sobem, apinhados,/ Paredes inteiras.// Alargam seus flancos/ Por cômodos, quinas,/ E erguem-se em barrancos/ Fabricando esquinas.» Leiam todo; há fulgores clássicos que nunca passam.
O grupinho de Carnide e Sete Rios bem pode ir fazendo contas e aconchegando a nuca. Já aí vamos, descansem. Podem aguardar no túnel.
De resto, com extremos e laterais a funcionar, três homens na frente e cinco golos, Jesualdo não precisa muito de falar de processos, sistemas, métodos e arquitectura.
O Miguel Marujo, com o seu bom gosto habitual, homenageou o Origem das Espécies com Hannah Hilton.
Miguel: depois dou-te uma palavrinha.
É visível, finalmente, que o debate sobre a liberdade de expressão no Parlamento está a seguir o caminho esperado, o da dissolução pura e simples. A liberdade de expressão — reduzida à questão da «liberdade de imprensa» — não é coisa para discutir no parlamento, entre pares com telhados de vidro e departamentos de comunicação & imprensa. Chamar este ou aquele, ouvir considerações, exemplos que dão vontade de rir, proclamações de ética geral, é mais do que metade do caminho para não chegar a lado nenhum. Ora, não chegar a lado nenhum, se não me engano, é coisa que favorece o estado de coisas. Para quem criticou a declaração do primeiro-ministro, bem pode limpar as mãos na parede. Ficámos cientes. Mas, pior do que isso, é transformar epifenómenos políticos em tramóias criminais e juntar tudo na Bimby. Velocidade turbo.
[Também aqui.]
No Brasil, o escândalo do mensalão e o processo judicial que se lhe seguiu foi a crise mais séria do governo de Lula. As autoridades tentaram impedir a imprensa de publicar escutas; mesmo assim, não era e não foi necessário (até que foi pedido, judicialmente, que certos jornais fossem impedidos de dar notícias sobre fulano e cicrano — situação que ainda se vive, creio eu, no Estado de São Paulo). O PT, o partido de Lula, além das organizações leninistas que o acompanham (a CUT, o MST, etc.), lançaram os piores ataques contra a imprensa (sobretudo a Veja, a Folha de S. Paulo e o Estadão), com os militantes, irados, queimando jornais e revistas na rua. Nada feito. A imprensa tinha feito o trabalho de casa e é justio dizer que nenhum jornal português lhes chega aos calcanhares. A cada mentira dos dirigentes do PT, apareciam fotos e documentos que os desmentiam. Lula nunca foi atingido; Lula não sabia de nada, Lula era inatacável. O tesoureiro do PT foi demitido e cassados os seus direitos políticos. José Dirceu, ministro da Presidência, cujo gabinete ficava ao lado do de Lula, foi demitido e cassados os seus direitos políticos. Lula não sabia de nada e falava de uma campanha contra o filho eleito do povo. José Genoíno, presidente do PT, foi demitido. Lula era inocente, apesar das dúvidas da imprensa e de manifestamente ser impossível que não soubesse de nada, se os personagens pertenciam ao núcleo duro do seu governo, se se encontrava com eles todos os dias, se lhes telefonava a qualquer hora do dia e da noite, se trabalhavam ao seu lado. Lula nunca soube de nada. O povo tinha mais com que se preocupar. Às vezes, o povo pode querer que as coisas sejam assim mesmo.
O CD da Liga vai anunciar, mais logo, e com pompa, os castigos aplicados a Hulk e Sapunaru. Já se sabe quais as penas. O CD da Liga ouve os réus como nos tribunais plenários do regime anterior, com a agravante de não lhes dizer de que são acusados; demora o tempo que quer; e, finalmente, delibera quando lhe apetece. Por exemplo, Lisandro, que já está no Lyon, chegou a cumprir o castigo? Se Hermínio Loureiro quer, de facto, mudar a Liga, tem de explicar aos cavalheiros o que é a independência dos tribunais. Mas temo que seja tarde demais.
J.K. Rowling, a autora da saga de Harry Potter, foi novamente acusada de plagiar um livro de Adrian Jacobs. O problema não é esta acusação; é que o mundo de Harry Potter é o de muitas histórias juvenis onde o maravilhoso se cruza com a demanda de justiça e de perigo. O mundo das férias grandes seria o mesmo depois de Enid Blyton e das histórias de Os Cinco? As histórias de vampiros, que vêm do fundo dos tempos, passam por Bram Stoker, Dumas, Anne Rice e Stphennie Meyer – o que plagiam? Quantas vezes foi Homero plagiado? Lawrence Sterne, o autor do prodigioso Tristram Shandy, foi plagiado por Garrett ou Machado de Assis? A Bíblia e o Corão foram plagiados’ quantas vezes? O problema é este: a literatura é uma corrente sem limites, cruzando várias vezes o mesmo caminho e os mesmos esconderijos.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Se dúvidas houvesse sobre o que escrevi aqui, os resultados das «audições» na comissão de ética, pelo menos até agora, são risíveis — e despropositados. Há assuntos que só se discutem no seu lugar.
Com o devido respeito, nem todas as questões políticas estão sujeitas a escrutínio parlamentar e a comissões de inquérito (nascidas de maiorias flutuantes) já suficientemente desacreditadas. A ideia de discutir a ‘liberdade de expressão’ no parlamento é uma pequena vingança que pode sair furada ou afogar-se no meio do ruído e da guerra governo-oposição. Os portugueses, infelizmente, não são muito sensíveis às questões de liberdade de imprensa nem de direitos cívicos; conformam-se. Há demasiados jornais proibidos, perseguidos e odiados na nossa história. O poder aproveita essa tradição iliberal portuguesa e reduz o problema a inveja, maledicência e conspiração; a oposição, que tem telhados de vidro, nem sempre escolhe bem o terreno onde pisa. O debate devia ser cá fora.
[Na coluna do Correio da Manhã]
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