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As televisões — graças, sobretudo, ao aumento da percentagem de meninas e meninos ignorantes nas suas secções de «internacional» — gostam de «tragédias humanitárias». Raramente estão lá, nos aeroportos sujos, nas ruas malcheirosas, nas casas em ruínas, entre os feridos e os esfomeados. No Ruanda, onde estive uma semana na década de oitenta, vi repórteres a telefonar para as redacções a protestar pelas condições do hotel (Carlos Fino, valha a verdade, também se queixava de que havia bombardeamentos à hora a que os jornalistas procuravam um pouco de tranquilidade no hotel, ao fim da tarde); e vi jornalistas, como eu, que regressavam de Ramallah a meio da tarde para não perderem a melhor hora do buffet no hotel. A vida é assim. Felizmente, andei sempre com fotógrafos corajosos e gostava de falar disso. Um dia, no México, depois de passarmos uns dias entre Chiapas e a Guatemala, dois jornalistas (um do NYT e outro do Miami Herald) invejaram as fotos do João Francisco Vilhena; regressávamos de umas trapalhadas na Sierra Madre del Sur, com tiroteios aqui e ali, barreiras militares, paragens no alto das montanhas — estávamos em trabalho freelance para a Visão. O João, que tinha passado pela pior experiência da vida de um repórter, que é estar durante cinco minutos com o cano de uma metralhadora apontada à cabeça, a meio da noite, no meio do Cañon del Sumidero (enquanto eu oferecia volumes de Marlboro em troca), nem pestanejou quando os periodistas y reporteros que estavam no Café del Teatro de San Cristóbal de Las Casas (com um orçamento que lhes permitia pagar guias que os levavam a visitar aldeias turísticas chamulas, que depois eles transformavam em cenário de guerra civil entre exército e zapatistas) se preparavam para nos oferecer uns milhares de dólares pelo material. «Vão-se foder», foi o que ele lhes disse. Nunca agradeci suficientemente ao João este gesto (ele hoje trabalha no Sol). Coisa parecida aconteceu quando o Pedro Loureiro (então para a Grande Reportagem) e eu regressávamos de dois dias em plena guerra civil na fronteira de Gaza com o Egipto e Israel. Tínhamos sido evacuados de Termit/Raffah para o Egipto a meio da noite, no meio de explosões e de tiroteio (no meio da coisa ficámos sem um dos coletes à prova de bala, já agora). Uma estupidez corajosa, andar por ali. Quando, um dia depois de termos sido resgatados no meio das dunas, chegámos a Jerusalém, eu subi ao quarto para tomar banho e escrever; o Pedro ficou um bocado mais no bar. Ouvi os berros do Pedro e ele explicou-me que um filho da puta (a expressão é dele) de uma revista francesa lhe queria dar 2 mil euros pelo material, mas que nós não o podíamos publicar. Uma semana depois, o filho da puta publicou uma reportagem como se lá estivesse, ensanguentada e cheia de números fornecidos pela ONU — quando mal saiu da esplanada do hotel, onde lia o Haaretz e um tradutor lhe passava as citações dos outros jornais. Como conhecíamos bem o fotógrafo que vendeu as fotografias, sabemos do que falávamos.
A ideia de que se morre bastante no meio das tragédias é ampliada pelo negócio das ONG que recebem à cabeça — e antecipadamente — pelos refugiados que albergam em acampamentos. Três mil, dezoito mil, um milhão. Nada pára a vontade de aumentar a eficácia da própria tragédia. Os efeitos colaterais são fantásticos. O problema é que a morte tem poucos adjectivos. Basta falarem com alguém que tenha feito a cobertura de casos assim — Martin Adler, que escreveu durante muito tempo para a Grande Reportagem, antes de ser assassinado a tiro e pelas costas, na Somália, durante uma manifestação convocada pelos Tribunais Islâmicos, era o mais crítico dos guionistas da tragédia.
A pornografia televisiva em redor do Haiti vai no mesmo sentido. Eduardo Pitta fala do assunto — e bem. De um milhão, o número de vítimas passa a meio milhão; de meio milhão está agora em 50 mil, mas há quem avance 200 mil. Mas ajuda-ajuda-ajuda, vê-se pouco. Imagens repetidas até à exaustão e sem critério (com a excepção da TVI24, como escreve o Eduardo), retratinhos da net e das webcam, testemunhos que repetem a tragédia até ao infinito, números escutados na esquina do hotel. Um dia, um repórter foi apanhado num banco de jardim de uma cidade do Médio Oriente a fazer um despacho telefónico para a sua rádio, falando dos mísseis Scud que iriam cair nessa tarde. Uns amigos que passavam, entre o divertido e o enojado, ainda o convidaram para jantar num restaurante de gente corajosa que tinha um belo humus com kaftedes, e beber um whisky (quando o vejo, lembro-me de quando fazia reportagens de campo, nos estádios, como se o mundo tivesse desabado). A indústria da tragédia é uma das misérias do jornalismo.
[Fotografias de Martin Adler — arquivo da Grande Reportagem — na Tchechénia, Sudão, Somália e Afeganistão]
O Filipe inventa, a passo e passo, uma στάσις no futebol, o único lugar onde não há estabilidade mas apenas movimentos perpétuos. Há, porém, várias diferenças entre o futebol português e a guerra do Peloponeso. Por isso, ataca onde mais dói, cirurgicamente. Ele tem razão quando diz que, apesar de Sapunaru não jogar, o FC Porto não melhora (a mesma coisa acontecia com jogadores inteligentíssimos como Nelson, Aguiar, Thomas, Okunowo, Chano ou o grupo de novos Eusébios onde andavam Akwá e Mawete); mas não vale a pena rezingar-lhe e chamar a atenção para três golos mal anulados – é para aí que ele melhor dorme, com a satisfação que recupera os tempos em que a equipa da galinha era o clube do regime, guardado pela televisão, pela rádio, por A Bola, pelos ministros do interior e pela populaça. Não é preciso ler Tucídides para isso, mas é sempre bom tê-lo em conta. O ideal, eu sei, é ver o adversário estatelar-se; ou, pelo menos, ser derrotado com um golo – a versão é a de Mário Filho, o criador do Maracanã, fundador da Gazeta dos Esportes e irmão de Nelson Rodrigues, no Sapo de Arubinha – precedido de agressão ao guarda-redes, em fora-de-jogo, ao minuto 91, e marcado com a mão. Isso era a glória.
Parece que há uma polémica entre duas editoras (Gradiva e Bertrand) para saber qual livro (‘Fúria Divina’, de Rodrigues dos Santos, ou ‘O Símbolo Perdido’, de Dan Brown) pode ser “o mais vendido de 2009”. O pormenor não é despiciendo uma vez que – além da literatura, propriamente dita, ou do romance – há folhas de cálculo, orçamentos, lucros e salários para pagar. Publicar livros é um negócio complexo e , às vezes, dramático. Depois, há outras coisas: ler, esconder, ocultar, segredar, confidenciar, murmurar, simular, calar, recolher. E gostar. Um leitor a dizer uma frase ao ouvido do outro. Deixar-lhe (lembram-se?) um recado dentro de um livro. Esconder um livro para ser só seu. Segredar uma coisa maravilhosa, um verso, uma frase, um lugar, um gesto, um nome. Um livro.
[Na coluna do Correio da Manhã]
1. Uma arbitragem destas seria escandalosa nos jornais do regime. Como se trata do FC Porto, o máximo que leva é a nota fraquinha. Na dúvida, castiga-se o FC Porto, porque podem. Dois golos anulados na quarta-feira; um golo hoje. Soma e segue. Parabéns. O cavalheiro chamava-se Rui Costa, estão bem um para o outro. Belos apitos.
2. Temos alas. Sei que é escandaloso dizer; mas é verdade: temos alas (Fucile e Alvaro). Não temos miolo. Não há «número dez», não há «número oito». O esquadrão que veio tapar os buracos deixados por Lucho, Lisandro (e Cissokho) resume-se a isto — Alvaro Pereira, às vezes Falcão e o resto é Prediger. Aliás, Belluschi é Prediger, Valeri é Prediger, a juntar aos Prediger que já cá estavam, Mariano e Tomás Costa, sem falar de Guarín. Se Prediger não foi convocado, então não percebo o resto. Silvestre Varela, a contratação mais simples, é quem traz mais soluções. Ainda há 14 dias para tratar do assunto, mas eu percebo: não se podem despachar os Prediger, pois não?
3. Jesualdo arriscou o que havia a arriscar na sua cabeça e com o banco que tem.
Adenda: entrou o Ruben Micael mas não saiu nenhum Prediger.
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