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Manuel Alegre, que durante a campanha eleitoral para as presidenciais várias vezes ameaçou entrar na esfera de competências do governo, diz (no Expresso de hoje) que Cavaco «não resiste à tentação de governar».
Paulo Rangel fala — e bem — de uma revolução conservadora no ensino. Uma revolução «que substitua o facilitismo pela exigência». Anos de atraso nesta conversa. Duas décadas, pelo menos. Nesta matéria, é preciso ter alguma memória para não cair no espectáculo. Lembram-se quando um ministro (do PSD) tratou de substituir a designação «alunos» pela de «aprendentes»? Lembram-se como, que me lembre, todos os ministros que tentaram reformas curriculares e chamaram a atenção para o problema dos programas de ensino (como David Justino e Marçal Grilo, por exemplo) foram trucidados pelas máquinas partidárias?
O conceito (revolução conservadora) tinha graça há uma ou duas décadas. Nessa altura, muito antes de aparecerem «os números da Finlândia» (descansem, que não foi só com computadores na sala de aula que apareceram os bons resultados), já se falava de outros modelos, como os da Coreia do Sul (descansem, que não foi só com computadores na sala de aula que apareceram os bons resultados), «que não tinham a ver com a nossa cultura, pá». Pobre gente que nunca tinha lido David Landes. Agora, o próprio Paulo Rangel levanta a ponta do véu: associado ao lema «revolução conservadora» adianta logo o «estatuto do aluno». Já se vê. Uma piscadela de olho que não é nada conservadora, mas que apenas transporta o seu tique disciplinador e de «cada coisa no seu lugar». Infelizmente, o «estatuto do aluno» é o menor dos males — vai ser coisa para a fedelhagem tratar da «participação na escola», do «modelo de gestão», do «poder da escola» e dos vícios congéneres.
Não. O que é preciso discutir, realmente, é o que se vai ensinar na escola. E para isso é preciso questionar seriamente uma geração de burocratas das ciências pedagógicas que, durante os últimos trinta anos, torturaram professores e alunos com as suas ideias de «engenharia escolar e social», os seus manuais deficientes, as ideias feitas, as vulgaridades e erros nos manuais de Português, História ou — ah, sim — até Matemática. Não se trata, apenas de mudança de mentalidade; isso, como o país está, ligeirinho e moderno, é o menos. Portugal muda de mentalidade todos os anos, conforme as conveniências, as oportunidades, o «Prós e Contras», as «fracturas» e os «psis» chamados ao estrado do Ministério da Educação.
A «revolução conservadora» tinha graça há duas décadas quando valia a pena construir o edifício. Hoje, ele está deficiente. Em primeiro lugar, chamem os professores. Os professores-professores — não os técnicos em Ciências da Educação que não dão aulas há vinte anos. Chamem os professores que contactam com os alunos, que dão aulas, que passam pelos corredores e sabem do que se fala quando se fala de educação. A tentação da reforma a todo o custo cria vítima insuspeitas; para legislar sobre o «modelo de avaliação dos professores» a primeira coisa que fizeram foi afastar os professores. Não queiram fazer a reforma curricular afastando-os de novo. Basta ouvir, tomar notas, recolher histórias reais. Isto não são os cientistas da pedagogia que o podem fazer; eles não têm histórias reais para contar — aliás, lendo o que eles escrevem nas introduções aos programas escolares e nos materiais ideológicos produzidos pelo Ministério da Educação, até é legítimo supor que não falam Português.
[act.]
Rigorosamente nada a dizer sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já tudo foi dito, e em todas as direcções, desde a «hecatombe nos costumes» até ao «avanço civilizacional». A lei foi aprovada na Assembleia, segue-se um périplo que incluirá a verificação da constitucionalidade (duvidosa) e o regresso à normalidade. Daqui a um ano, estatísticas nos jornais.
Simplesmente, estas coisas não são estatísticas e têm a ver com a vida real, onde as leis fazem sombra.
Politicamente, a direita perdeu porque não soube — desde o princípio — lidar com o problema nem falar com clareza sobre o assunto. A conversa sobre «a finalidade do casamento» não era coisa para campanha eleitoral; e foi a única vez que o assunto foi tratado. A triste (tristonha) invocação de valores ancestrais não basta para enfrentar questões de hoje; e é uma pena que a legislação sobre uniões de facto não tivesse sido aproveitada para iniciar essa discussão. A direita teve vergonha, os homossexuais conservadores tiveram vergonha. Nos livros de Andrew Sullivan rasgam as partes inapropriadas.
Foi também a direita a culpada desta radicalização ligeiramente folclórica, permitindo que o discurso político pudesse ser apopriado por um discurso de género. Fazer política não é reagir; é antecipar. A invenção da união civil registada, à pressa, às portas da votação e em plena discussão, é a prova desta incompetência (que ameaça ser genética) do PSD para tratar questões que ultrapassem as minudências das comissões parlamentares.
A fractura foi feita, o Estado mete-se em nossas casas como gosta. Sigamos em frente.
Muito bem. O assunto sindical dos professores está arrumado. Agora, vamos tratar da escola, da revisão curricular, da reforma das matérias a ensinar, das questões pedagógicas essenciais, da gramática e da matemática. Não são questões para tratar na rua — mas na escola. Aquilo que, manifestamente, Maria de Lurdes Rodrigues não conseguiu tratar nem tinha apetência para tratar. Agora vamos discutir a escola.
Um estudo da Anacom mostra que mais de 90% dos portugueses que aderiram aos programas do Plano Tecnológico ou ao fornecimento de Magalhães à mistura – já tinham computadores em casa (tal como banda larga). Não custa a acreditar. Além disso, as muitas escolas que tenho visitado têm computadores nas bibliotecas e nas salas de TIC. A superabundância de computadores no ensino é um bom negócio para as empresas fornecedoras de material mas não sei se está a favorecer grandiosamente o estudo e a aplicação nas escolas. Embora tenha dúvidas, deixo esse assunto aos professores – eles deviam ter sido consultados antes desta trapalhada. Mas não. As luminárias do costume acham que os professores não devem ter palavra sobre o ensino. Talvez tivessem alguma coisa a aprender com eles.
[Na coluna do Correio da Manhã]
À descoberta do Ponto G – nos anos cinquenta, pelo alemão Ernst Gräfenberg – correspondeu diretamente a década de 70 e a “emancipação sexual” das mulheres. Com a existência do Ponto G tudo era possível. Ainda bem. Foi bom. A procura desse lugar invisível era, além disso, uma promessa de encontro, de devassidão e de prazer, tudo coisas positivas. Um grupo de investigadores do King’s College garante agora, no entanto, que o Ponto G não existe ou que a sua existência é “subjetiva”. Ora bolas. Há novidades científicas que não deviam divulgar-se sem cautelas suplementares, para não correr o risco de convulsões desnecessárias. É como se alguém nos tentasse convencer de que, afinal, as sereias ou os unicórnios não existem. Para todos os efeitos, continuaremos à procura.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Quando os entusiastas do e-book festejam o lançamento de mais um novo leitor de livros eletrónicos, tenho dúvidas. Tenho dúvidas porque sou conservador – e tenho dúvidas porque tenho receio da pirataria informática que afetará os direitos de autor e a indústria do livro. Ontem, o CM noticiou: o título mais pirateado das bibliotecas digitais foi o ‘Kamasutra’, com cem mil a 250 mil cópias falsas. Neste caso não há problema com os direitos de autor, evidentemente – mas o top das falsificações revela o perfil do pirata de livros: ‘softporno’, informática, bricolage (não estou a brincar) e em oitavo lugar vampiros e Stephenie Meyer. Ainda são piratas de pacotilha. A ‘The Economist’ diz que até 2011 se vão vender 18 milhões de leitores de e-books. É fazer contas, piratas.
[Na coluna do Correio da Manhã]
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