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Kristin von der Goltz, absolutamente divina.
Peças de Joseph-Marie-Clément dall'Abaco [1710-1805]
Esta notícia («Um grupo de cerca de vinte homens disparou sobre estudantes que participavam numa festa no México e matou 13 pessoas. O massacre ocorreu em Ciudad Juárez.») não é apenas sobre cartéis da droga — é sobre irrealidade absoluta. E sobre Ciudad Juárez, o inferno. E sobre a quarta parte de 2666, de Roberto Bolaño.
Comemoraram-se os 150 anos do nascimento de Anton Tchekhov. É uma das figuras mais enigmáticas da grande literatura russa, que praticamente desconhecemos – e o autor atento às pequenas coisas, o que fez dele um contista exemplar e um dramaturgo minucioso. O que mais me apaixona na sua vida é a viagem incompreendida que inicia aos 30 anos e que o levou à ilha de Sacalina (o mais longínquo dos territórios do desterro russo) e a Vladivostoque, primeiro, e ao Sri Lanka depois. No regresso (por Odessa) – e só então – tornou-se um grande escritor, disponível para prestar atenção aos personagens que desenhou com pluma trágica e melancólica. Se Tolstoi é o gigante das epopeias ou dos dramas familiares, Tchekhov foi um criador miniaturista, impopular e no fio da navalha.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Está tudo aqui: «centralidade e a transversalidade»; «modernidade e a qualidade da democracia»; «a igualdade de género prende-se com a efectividade do desenvolvimento»; «mainstream de género»; «queremos um desenvolvimento em que as questões da igualdade se coloquem de forma transversal e central»; «taxa de feminização é de 29 por cento»; «incrementar planos para a igualdade nos ministérios»; «incentivar planos para a igualdade»; «temos, em todos os ministérios, o ou a conselheira para a igualdade»; «planos para a igualdade»; «integram a perspectiva de género na autarquia»; «fóruns regionais para a igualdade».
No Top 100 Twingly, o 31 da Armada ocupa o primeiro lugar entre os blogs portugueses seguido do Blasfémias, O Caderno de Saramago e Jugular. Em quinto lugar está o Origem das Espécies.
Obrigado pela preferência, como se dizia nas mercearias de antigamente.
Os autores devem estar atentos à indústria que só existe por causa deles. Falo de escritores, na generalidade sitiados entre os 8, 10 ou 12 % de direitos de autor cobrados por cada exemplar vendido. Está longe de ser um pagamento confortável, se pensarmos que são eles que escrevem os livros. Com o advento do e-book (o livro em formato digital, que pode comprar-se pela internet e não tem de ser impresso), autores como Ian McEwan ou Martin Amis pedem o dobro ou mais do que recebiam até aqui, até aos 60% nos livros eletrónicos. Inteiramente justo. A indústria fala de autores como quem fala de embaladores de charcutaria, dispensáveis e substituíveis – apenas um elemento nas folhas de cálculo. Pois se a indústria quer e-books e lucros, tem de pagar. Vai começar o combate.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Fez cinco anos que Manuel Lopes (1907-2005) morreu em Lisboa. O seu nome merecia mais porque é um dos autores maiores de Cabo Verde – na prosa, é autor de ‘Os Flagelados do Vento Leste’ e de ‘Chuva Braba’; na poesia, vale a pena ler-lhe a antologia ‘Falucho Ancorado’, um bom repertório. Fundou no Mindelo, com Baltasar Lopes ou Jorge Barbosa, a revista ‘Claridade’, um farol da literatura. Leiam-no, juntamente com outros autores maiores da nossa língua, como os poetas João Vário, Corsino Fortes, Arménio Vieira, ou José Luís Tavares, o autor de uma pérola intitulada ‘Paraíso Apagado por um Trovão’. A nossa ignorância da literatura de Cabo Verde é um pecado capital. Comecemos por Eugénio Tavares; todos os seus poemas são mornas belíssimas, irrepetíveis, grandiosas.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Em O Fiel Jardineiro, John Le Carré elege a indústria farmacêutica como o demónio omnipresente, omnisciente e malévolo. O atual debate sobre a Gripe A (existiu, não existiu?) lembra um pouco essa demonologia – que a indústria farmacêutica é capaz das piores torpezas. Certamente, é capaz de muitas. Mas a OMS, um organismo da ONU, não pode ser poupada com ligeireza e amenidade. Primeiro, espalhou o terror e o alarmismo, falando de mortos aos milhões. Depois, insistiu – quando já tinha dados para duvidar. Os governos, empurrados pelas previsões, montaram centrais de propaganda anti-catástrofe e hoje devem sentir-se envergonhados. Como se vê, o medo é uma ciência dos tempos de hoje, intimidando-nos com um simples espirro. Na dúvida, lança-se o alarme. Nunca falha.
[Na coluna do Correio da Manhã]
Vasco, só um pormenor: as declarações do responsável da PSP, no dia a seguir ao jogo, foram transmitidas pela TSF e pela Rádio Renascença (pelo menos), e inexplicavelmente, nunca mais foram referidas no inquérito e nas fugas de informação da justiça do Costa. Quem os conheça, que os compre. Burros nunca foram, pelo menos nos últimois tempos.
Veja-se como a Brisa acabará por lucrar com o fecho da CREL. Em primeiro lugar, os «utentes», segundo o porta-voz da Brisa, não têm que ser compensados: «Não faz qualquer sentido falar em indemnização aos utentes por uma coisa que eles não estão a utilizar nem há um contrato para usarem.» Depois, a Brisa «irá apresentar a factura dos trabalhos de remoção, e pedirá uma indemnização pelos prejuízos, aos proprietários dos terrenos da encosta que desabou sobre a via». Soma e segue; aprendam.
Este sujeito, de quem sou editor e que conheço de ginjeira (bastou-me vê-lo duas vezes no mesmo ano, e não uma, como ele sustenta), em vez de se aplicar no seu próximo livro de que estou à espera, continua a insistir em falar de bola sem saber distinguir um clube de futebol de uma agremiação de mamarrachos. Com o pretexto, vagamente metafísico, de embonecar o benfiquinha e as suas vergônteas, distribui galanteios e amabilidades conforme convém à tarefa. Deixo de lado as imbecilidades que me atribui porque almocei supimpamente em sua casa, e casa onde comi com largueza e gosto é para mim território sagrado, a salvo de ataques à honra. Adiante, que a bola é só bola. Mas o talento não lhe vale de grande coisa porque o objecto dessa dedicação não o merece, no meio das niquices que lhe hão-de restar se se aproximarem do título deste ano. Fia-te nos gregos, que são indulgentes. De resto, percebe-se a tua estratégia: o que está em causa não é a bola, sobre a qual falamos se vier a propósito. O que te mói são estes anos de míngua e a necessidade de ganhar em todos os apertos — nos tribunais, na mercearia, nos conciliábulos, nos foras-de-jogo e nas malandrices que fizemos e de que o benfiquinha já tem saudades porque as fez durante os cinquenta anos em que embelezava o regime, com faduncho e mão de ferro. Estamos em terceiro, é essa a novidade? Descansa, donairoso lampião. O que te mói são os andrades, eu sei. Acontece.
Para alguma gente, J.D. Salinger já tinha morrido há muito pela simples razão de que se recusava a aparecer em público. Afastado das luzes, o autor de The Catcher in the Rye foi mais importante para a transformação dos costumes, da cultura e da vida de milhões de pessoas, do que muitas pantomineirices das causas fraturantes desta época de espetáculo. Quem leu The Catcher in the Rye compreendeu melhor as mudanças na sociedade do que folheando ideias feitas. Vem tudo lá: a solidão das famílias, a febre dos inadaptados e uma linguagem que foi absolutamente revolucionária. Salinger, ao contrário dos políticos, sabia que as revoluções não se fazem com revolucionários (geralmente profissionais) mas com revoltados. É esse o segredo dos autores que mudaram a vida de milhões de leitores.
O Luís M. Jorge foi visitar o site Empresa na Hora e descobriu um nome disponível, o de Paelha de Oportunidades, entre muitos outros nomes de firmas pré-aprovadas. Recomendo, em especial, Acalentasonho, Acordes na Pauta, Adviróscopo, Afecto & Diálogo, Afogar Em Ideias, Alegre Metáfora, Alisayafaga, Amena Valada, Ampulheta Certa, Apogeu dos Frescos, Aroma Paceiro, Arrojo Na Imaginação, Artimodilhão, Aventura Quente, Bolas Largas, Brotar Doçuras, Cacho Único, Canela Angelical, Catálogo de Desejos, Composição Fascinante, Cume da Vontade, Cúpulas Enormes, Década Gloriosa, Desabrochar de Sonhos, Desempenho Perfeito, Diabruras Originais, Diálogos Frescos, Dissimular Rubores, Eixo Filosófico, Engraçada & Amorosa, Enlaces Do Pensamento, Enredo Contagiante, Espólio Filosofal, Essências Telúricas, Estatuto de Sucesso, Estimula o Intelecto, Exigência ao Rubro, Fenómeno Popular, Folhos e Tendências, Força & Paixão, Forte Turbilhão, Fuga do Pensamento, Galões Distintos, Gente Divertida, Gomos De Sabedoria, Gordas Chuvas, Harmonia Sustentável,Inebriantes Melodias, Jogo De Metáforas, Libelinha Catita, Liberal & Conservador, Madrugada Poética, Manobras da Brincadeira, Memória Espiritual, Mescla de Inspiração, Momentos Profundos, Mundo Burilado, Natureza em Fúria, Questão Moral, Ratices e Traquinices.
Exemplos colhidos na enorme lista disponível. E ainda dizem que o Estado não ajuda as pequenas e médias empresas. Com nomes assim, nem se compreende como estamos nesta situação.
Primeira tradução mundial.
Lançado em simultâneo em Portugal (Quetzal) e em Espanha (Anagrama).
Edição inglesa (Picador) em Janeiro de 2011; edição americana em espanhol (Vintage), em Março de 2010 .
«Com quem estou a falar? A suspeita de que fosse Frau Else a fingir outra voz instalou-se no meu peito como um filme de terror com piscinas cheias de sangue. Com Nuria, a recepcionista, disse a voz. Como é que está, Nuria? Cumprimentei em alemão. Muito bem, obrigada, e o senhor?, respondeu ela igualmente em alemão. Bem, bem, lindamente. Não era Frau Else. O meu corpo, agitado de tanta felicidade, rodou pela cama até cair e magoar-se. Com a cara mergulhada na alcatifa dei vazão a todas as lágrimas acumuladas durante a tarde. Depois tomei banho, fiz a barba e continuei à espera.»
Primavera de 44. Perco Espanha e Portugal, Itália (salvo Trieste), a última cabeça de ponte no lado oeste do Reno, Hungria, Koenigsberg, Danzig, Cracóvia, Breslau, Poznan, Lodz (a Leste do Óder só mantenho Kolberg), Belgrado, Sarajevo, Ragusa (da Jugoslávia só mantenho Zagreb), quatro corpos blindados, dez corpos de infantaria, catorze meios aéreos…»
«Verão de 44. Como Krebs, Freytag-Loringhoven, Gerhard Boldt, escrevo as notícias da Guerra apesar de sabê-la perdida. A tempestade não tardou a rebentar e agora a chuva fustiga a varanda aberta como uma mão muito longa e ossuda, obscuramente maternal, que gostaria de me avisar sobre os perigos da soberba. As portas do hotel não estão vigiadas, pelo que o Queimado não teve qualquer problema em subir sozinho ao meu quarto. O mar está a subir, murmura ele no interior da casa de banho para onde o arrastei, enquanto ele seca a cabeça com uma toalha. É o momento ideal para lhe bater mas não mexo nem um músculo. A cabeça do Queimado, metida na luva da toalha, exerce sobre mim um fascínio frio e luminoso. Sob os seus pés forma-se um charquinho de água. Antes de começar a jogar obrigo-o a tirar a t-shirt molhada e a vestir uma minha. Fica-lhe um pouco apertada, mas pelo menos está seca. O Queimado, como se nesta altura oferecer-lhe uma coisa fosse o mais natural, veste-a sem dizer nada. É o fim do Verão e é o fim do jogo. A frente do Óder e a frente do Reno desfazem-se à primeira investida. O Queimado move-se em volta da mesa como se dançasse. Talvez seja isso precisamente o que ele faz. O meu último círculo defensivo está em Berlim-Stettin e Bremen-Berlim, o restante, incluindo os Exércitos da Baviera e o norte de Itália, fica desguarnecido. Onde vais dormir esta noite, Queimado?, perguntei eu. Na minha casa, responde o Queimado. As outras perguntas, que são muitas, ficam engasgadas na minha garganta. Depois de nos despedirmos instalei-me na varanda e contemplei a noite chuvosa. Suficientemente forte para nos engolir a todos. Amanhã serei derrotado, não há dúvida.»
Terceiro Reich, inédito. || Terceiro Reich, 2010 || Two more novels
Trabalhos dos últimos tempos; a chegar às livrarias.
Amin Maalouf, Leão, o Africano; Gerald Messadié, A Senhora Sócrates; Vergílio Ferreira, Aparição; Bruce Chatwin, Os Gémeos de Blackhill; Gonzalo Castro, Hidrografia Doméstica; Pablo Ramos, A Origem da Tristeza; Hector Abad Faciolince, Receitas de Amor para Mulheres Tristes; Milton Fornaro, Cadáver, Precisa-se; Eduardo Pitta, Aula de Poesia.
Ou seja: dois portugueses, um libanês, um francês, um inglês, três argentinos, um uruguaio e um colombiano.
Adenda, especial para este cavalheiro: tens razão. O livro de Pedro Passos Coelho não está «no mosaico» porque já está nas livrarias há quase uma semana, como sabes. E acaba de entrar em 2.ª edição. Ça va de soi. Coisa que, já agora, é boa notícia para um editor — como foi bom editar o teu livro há cerca de um ano. Escusas de andar à caça, de pingalim; quando quiseres discutir o que queres discutir, é só dizer.
Se é verdade que «em cada 40 contratos que o Estado celebra 39 são ajustes directos», só razões de fé explicam a tranquilidade das autoridades judiciais. Isto passa-se depois de uma década de vigilância militante sobre os contratos celebrados pelo Estado com empresas privadas, fornecedores de alcatifas e de papel A4.
O Conselho de Disciplina da Liga de Futebol, o mesmo que castigou Lisandro López com um jogo de castigo por ter simulado um penalti, multou Pablo Aimar em €750 nas mesmas circunstâncias. O CD não se limita a julgar factos; interpreta-os abusivamente, «porque o penalti de Aimar não foi tão importante como o de Lisandro», ou coisa semelhante. A justiça do CD interpreta genialmente os argumentos do Benfica. Está lá para isso, valha a verdade — e como não tem vergonha, é porque deve valer a pena.
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