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O Conselho Nacional da Educação vem propor que acabem os chumbos até ao 9.º ano – é uma medida e tanto, que o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos festeja com as mãos ambas, uma vez que parece ser ele o encarregado de velar pelas estatísticas. Acho que o Sr. Secretário Lemos está a ser modesto em matéria de “mecanismos de alternativa a chumbos”. Defendo que, na hora do baptismo, perdão, no registo civil, seja atribuído logo o 9.º ano a cada pequeno cidadão. Assim, evitam-se logo os chumbos. Parece, além do mais, que o chumbo é visto como uma tentativa de responsabilizar os alunos e os pais, o que – no entender do Sr. Secretário Lemos e do sempre espantoso Albino Almeida, da confederação dos paizinhos – não pode acontecer. Sim, de facto, onde é que isto se viu? Na Finlândia?
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O ‘caso Esmeralda’ não é folclore. Convém, para pessoas sensíveis e cosmopolitas, pensar que o drama de uma criança dividida por duas famílias é apenas uma coisa provinciana e pouco digna de figurar nas páginas dos jornais – quanto mais da nossa vida. Mas acontece que os tempos modernos não são apenas uma metáfora para nos mostrarmos mais luminosos e agradáveis. Com eles vêm as famílias monoparentais, pluriparentais ou o que quiserem – e novas formas de manifestar em público o afecto que nasce em privado. A história do nascimento de Esmeralda tem a ver com tudo isso e com uma soma de decisões judiciais que acabam por ser contraditórias ou discutíveis, quando pretendiam fazer justiça a todo o custo. Não há justiça nestes casos. Há apenas o sentimento do irremediável.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
José Eduardo Agualusa escreveu um livro notável, O Vendedor de Passados, em que o personagem principal se dispunha a isso mesmo – a inventar o melhor passado possível para cada um dos seus clientes.Quem não quer ter um bom passado, altamente recomendável? A luta política em Portugal, longe de esgrimir argumentos e propostas, vale-se frequentemente da trafulhice de combater o passado dos adversários (se possível esquecendo o próprio). É um método como qualquer outro, disponível nos manuais – mas há-de acabar por rebentar nas próprias mãos do utilizador. Há sempre uma vergonha escondida, uma distracção, um gesto menos próprio, uma coisinha humana e natural que atraiçoa os defensores da moralidade ou os super-homens impolutos. As pobres viúvas de Lorca são o pior da política.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
José Medeiros Ferreira chamou a atenção para este assunto no sábado passado: a Comissão Europeia, para que não a acusassem de não prestar atenção aos detalhes, já enviou para o Parlamento Europeu uma proposta que autoriza a utilização de 'scanners' nos aeroportos. Para quê? Para ver os cidadãos por dentro – uma ideia que faria as delícias dos adolescentes de há uns anos quando se sonhava com câmaras fotográficas que eliminassem as roupas. Pois a Comissão Europeia consegue, por lei, obter aquilo que nós apenas imaginávamos na nossa adolescência cheia de hormonas, libido e apetites. Blimunda, a personagem de Saramago, no Memorial, também via as pessoas por dentro desde que estivesse em jejum. Para a Comissão Europeia basta-lhe uma lei. Não precisa de imaginação nem de juízo.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Não percebo o ambiente de catástrofe iminente. O campeonato, a falar verdade, não começou inteiramente, cheio de interrupções absurdas – mais ainda as que aí vêm em Dezembro. Mas os meus amigos benfiquistas rejubilam, aceitando por excelente a hipótese de serem campeões de Outubro com um ponto de vantagem sobre o FC Porto. Seja: o FC Porto está a jogar mal. Por dois motivos essenciais (fora os tácticos): não há diálogo entre o treinador e os jogadores; a qualidade estratégica dos novos jogadores é muito inferior às dos que partiram (Bosingwa, Assunção, Quaresma). Coisas que se arranjam com o tempo, se o projectista insistir – no modelo, no sistema, na estratégia, na táctica, no que for.
Mas, se o FC Porto joga mal (o que não merece discussão), há um aceitável argumento de hooligan para acrescentar: vejam os jogos de ontem em Paços de Ferreira e na Luz. Que rico futebol. De primeira água. De grande categoria – não é?
Declinava outubro com seu som
de poucas águas. E nem as lágrimas
da virgem da ladeira prometiam,
nesse ano, o sempre aguardado milagre.
E então tu partiste – pelas quebradas
de saibro e cieiro, pelas alturas de pico
d'antónia, tu, infante das planuras,
eterno enamorado do whisky e da maresia.
«Serenata nun luar klaru», «kabral ka more»
«djonzinhu kabral» – que compadecida voz
as recitará de novo nas madrugadas de facas
e despedidas? Quem rogará às ondas do mar
«faze-m un arku ba poiza la riba na krus d´igreja»?
Sin, «notísia tristi N ten pa N da:
fidju tera, barku grandi ka rizisti»,
declinava outubro com seu eco
de vígeis espigas, e lisboa era esse céu
toldado de presságios, tal indemne profecia
soluçando à ilharga da manhã.
Só tu eras a mais alta estrela «na séu di kabu verdi»,
só tu sabias ma «ka ten dia ka ten manhan»,
mas «na porton di nos ilha» bu vos é son
di strubon ta ronka pa iternidadi.
Passam hoje quatro anos sobre a morte de Ildo Lobo.
Há coisas que nos salvam. O regresso do leopardo às páginas da blogosfera é uma delas. Bem-vindo sejas, Filipe, depois destas duas últimas semanas.
E, já agora, fiquem com a capa do novo livro do FNV, nas livrarias no final do mês. Assim mesmo:
Recensão do Washington Post ao The Book of Chameleons (tradução, na Simon & Schuster, de O Vendedor de Passados), de José Eduardo Agualusa.
Coisas que valeu a pena fazer neste Outono:
São os novos livros da Quetzal, e a maior parte deles já está nas livrarias.
O empate de Portugal contra a Albânia é o prenúncio de um desastre apetitoso. Estádios ainda novos, claques excitadas, a pátria em chuteiras e calção, a glória recente, os melhores na bola – e isto? Longe da pátria, limito-me a ver as coisas à distância e a longo prazo: vai poupar-se um tanto se a selecção não for à África do Sul e veremos futebol na televisão sem estarmos dependentes dos habituais especialistas em patriotismo de algibeira. Por mim, impedia estes rapazes de ir à África do Sul – basta-nos esta vergonha caseira vivida em Braga. Devíamos esconder o acontecimento, arquivá-lo e considerá-lo coisa arrumada. Quanto aos jogadores, dar-lhes tratamento e moderar aquele apetite pelo estrelato, que faz de nós parvos. Voltemos à televisão para ver futebol estrangeiro.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Vivemos em turbilhão. Depois da “onda de criminalidade violenta” durante o Verão, veio a crise financeira no Outono, com a questão dos combustíveis pelo meio. Não sabemos o que nos reserva o Inverno (Steinbeck escreveu “O Inverno do Nosso Descontentamento”), mas de uma coisa podemos estar certos: dificilmente iremos encarar o futuro com a mesma leviandade. As crises obrigam-nos a repensar o modo de vida e a forma como lidamos com as coisas banais: o preço da bica, as compras de Natal, a roupa do ano passado, os gestos menores do dia-a-dia. Há quem se lamente de que, assim, ficamos mais conservadores. Se for verdade, é uma vantagem. Os ‘optimistas’ têm mais desilusões; os ‘pessimistas’ estão mais preparados para os dias que aí vêm. É uma verdadeira lição de teoria política.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Enquanto os EUA se iniciam nos mistérios da nacionalização da banca (uma perversidade que vai sair cara), aqui os tempos não estão para minudências. O presidente da Associação de Bancos, por exemplo, diz que a abundância acabou, sem que ninguém lhe tenha chamado astronauta, porque abundância, propriamente, não tem havido. A abundância está sempre a meio caminho da crise num mundo em que se pensa que o crescimento é infinito e que o crédito é o outro nome da riqueza. As pessoas querem uma vida mais fácil. Tem sido, mas para os gastadores, para as companhias de crédito e para os que ganham dinheiro rápido – as empresas e as pessoas têm de trabalhar no duro para sobreviver. É estranho, por isso, que sejam empresas e pessoas a pagar os desvarios de quem esbanjou quase tudo.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
A skyline de Frankfurt e a Römer, o velho centro da velha Frankfurt am Main. De Goethe à Feira do Livro que começa amanhã – e um velho poema já publicado:
O CREPÚSCULO
Carvalhos amadurecidos deixam cair as suas folhas
numa praça de Frankfurt. Por pouco seriam
contemporâneas de Goethe, essas folhas castanhas,
quase secas, sem perfume. As ruas escurecem,
a cidade morre como as outras cidades, entre
cartazes de circo e o odor do frio, as ruas molhadas
como as ruas de outras cidades, o céu negro
como a noite de outros lugares. Carvalhos. Bétulas,
rosas, faias, castanheiros ao longo do Meno,
recordações de passeios e de inclinações – tudo desaparece
com o Outono e a literatura, sem excepção.
Os portugueses de outros tempos dividiam as sardinhas e sabiam que tanta comida devia servir para tantas refeições. Pelas minhas contas, depois de uma pesquisa bibliográfica, o último livro sobre cozinhar com «aproveitamento de restos» é dos anos setenta, e compra-se (vi lá dois exemplares) em Lisboa na Livraria Barateira. António Barreto falava de uma «década prodigiosa» em que os portugueses mudaram a sua vida e compraram electrodomésticos, foram a restaurantes e mandaram os seus filhos à universidade: estavam no seu direito, num mundo que tinha tudo e em que «o tudo era todo nosso». Sou desse tempo, anterior ao paraíso. Havia o assado ao domingo, sabíamos o que era um farnel e não protestávamos muito diante da comida da cantina da escola. Também visitávamos asilos, lares e hospitais. Durante a guerra, a minha avó recriou dezenas de receitas de sopa – são um prodígio gastronómico – e a primeira pasta fresca que comi não foi num restaurante italiano mas na varanda da casa, no Douro, feita por ela (aprendera a prepará-la durante a Guerra). A economia doméstica, desde então, mudou muito e assemelhou-se à «economia pública», com os seus níveis de desperdício, gasto e transfusões bancárias. O princípio a abater era, necessariamente, o da contabilidade salazarista – «não gastar mais do que se ganha», essa moral pequenina. E havia sempre o futuro, essa espécie de ameaça, de incógnita: uma doença inesperada, um filho na universidade, um azar. Antes do paraíso terreno, a vida era muito pequena e modesta. Que me lembre, ao ler os últimos vinte anos da literatura portuguesa (cada um tem as suas fontes), há muito glamour e dívidas aos bancos, viagens ao Índico e a Nova Iorque, casas copiadas das melhores revistas de arquitectura e um linguajar que nos não pertence. Mas não há portugueses modestos, pequeno-burgueses, daqueles que vão à pesca e sonham em passar uma tarde na Ericeira ou em Mira. Todos sonham com iPhone e, segundo me diz o meu merceeiro, já houve quem fizesse reserva de Beluga para o próximo Natal, porque não está para «os problemas do ano passado». Razão tinham os pessimistas de serviço quando Guterres repousava sobre aquele retrato de portugueses a passar fins-de-semana no Algarve e a encher as lojas de telemóveis. Estava escrito.
Os portugueses de antanho tinham depósitos a prazo e juntavam certificados de aforro, precisamente aqueles que desvalorizaram há uns tempos. Cidadãos de economia periférica, as suas arrecadas não flutuavam (julgavam eles) conforme a Bolsa. Por isso, muitos deles (de nós) não percebem o alcance da crise nem imaginam que os seus fundos, resultado de poupanças extraordinárias, parcimónia nos gastos e recusa de excessos, serviam para financiar empréstimos de duvidoso resgate. Esses portugueses, portanto, estão dispostos a tudo para salvar o seu futuro modesto. Ao ouvir Teixeira dos Santos declarar que há falta de liquidez no sistema bancário, eles ouviram bem e traduziram: há falta dinheiro.
José Medeiros Ferreira tem razão na pergunta: «Não será mais barato, e mais eficaz, suspender algumas delas [bolsas] para uma semana de reflexão, e deixar a actividade económica seguir o seu curso, com o papel parado?» Mas a bolsa não pára. Nem a vida. Notam-se festejos a cada anúncio de nacionalização (uma perversidade que se vai pagar caro), porque assim se esmagam os argumentos «dos neo-liberais»; no entanto, a vingança serve-se fria e não a quente. A única coisa que me parece merecer preocupação assistencial são as economias dos cidadãos que não têm culpa dos desvarios em que não entraram. Meia-dúzia de conhecidos fizeram as últimas férias, com viagens pelas Caraíbas e pelo Oriente, com o recurso ao crédito; ainda não estão pagas, pelo que sei, mas fazem planos para as próximas. Os outros, os que não têm culpa dos desvarios em que não entraram, fizeram férias modestas, contaram os cêntimos, seguiram a lei da simples modéstia, geralmente classificada como de contabilidade pacóvia. Também não compraram casas de meio milhão de euros nem reservaram carro a contar com os dias futuros. Deve haver um sentido para isto. Para estes.
O poeta Ramiro Fonte (que era, também, director do Instituto Cervantes de Lisboa) morreu em Barcelona este fim-de-semana.
[Ramiro Fonte em Barcelona,
em Junho deste ano]
PROMESA
Quizá fuesen mejores
Nuestros corazones cuando eran frágiles
Y algún golpe de mar, o la noche de julio
Pudieran abrirles las calladas heridas
Que ahora, y para siempre, llamaremos nostalgias.
Quizá fuesen mejores cuando eran
Cual regatos ligeros o lluviosas tardes
Que mojaban la infancia y partían
Un dominio común; un valle abierto,
Inmensos arenales, aquel balcón
Detenido en la presencia de pulidos geranios.
No eligieron barcos para partir lejos;
Ni la brisa liviana de un verano
Para que los apagase, con su fuego insumiso.
Semejantes a los hombres, desearon
A los árboles antiguos de esta tierra.
Mesa-redonda numa rádio nacional para a habitual revista da semana: eleições americanas, crise dos mercados, etc. E o Nobel. Diz um dos membros do painel: «Não conheço nem sei se está editado em Portugal. É um downgrading do Nobel, atribuí-lo a Le Clézio.»
O Rio de Janeiro tem a oportunidade de se redimir e eleger um bom prefeito. Paes (PMDB) foi secretário-geral do PSDB e Gabeira (Verdes) tem o apoio do PSDB e é um adversário do lulismo. A derrota do bispo Crivella é a coisa mais saudável que aconteceu na política do Rio desde que os Garotinho saíram de cena. Gabeira para devolver o Rio aos cariocas.
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