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Não acredito que «a questão das medalhas» se resolva com investimento e mais dinheiro do Estado, que participou com 15 milhões de euros na aventura olímpica deste ano. A questão é, no nosso caso, sobretudo escolar (basta fazer contas, no secundário, a quantos estudantes participam em actividades desportivas concretas e regulares). Não é um problema de dinheiro, de sapatilhas e de fatos de ginástica. É, antes, da fábrica que falece ao desporto: ambição, discrição, mas também público e promoção. E do desaparecimento da grande escola de fundo e meio-fundo, que muito deve entristecer o Prof. Moniz Pereira.
Fora isso, Portugal raramente se apaixona por modalidades (no sentido em que os argentinos acompanham o rugby e o hóquei em campo, paixões nacionais) – além do futebol, que está cada vez mais longe de ser um desporto, e do Maradona, que é uma referência. O último exemplo foi o rugby, quando descobrimos que uma série de rapazes (logo desvalorizados porque eram do Restelo e de Cascais) estava a competir entre os melhores e sem medo de perder. Emoções dessas fazem parte do ambiente de formação de atletas, como acontecia antes com o hóquei e mais tarde com o atletismo. Basta ver este exemplo do provincianismo lusitano num país que não enche os estádios.
Recomendo esta pequena amostra de interesse olímpico português recolhida pelo Pedro Sales.
Já me esquecia do triunfo da Argentina.
O Rui Bebiano publicou um post sobre quartos de hotel – ou melhor, sobre o que está em desuso nos quartos de hotel. O Rui fala de «papel e envelopes timbrados para escrevermos cartas, e até, como me aconteceu há dias numa cidade do norte, folhas de papel mata-borrão». Acontece que escrevo cada vez menos ao computador e cada vez mais em cadernos e blocos (ou em folhas soltas); e, ao contrário do que o Rui sugere («à excepção de certos dirigentes do CDS, ninguém se sirva já em viagem de canetas de tinta permanente») eu escrevo com canetas de tinta permanente, as três cada vez mais inseparáveis clássicas (Waterman, Pelikan e Parker, nada de Montblanc).
É raro encontrar pessoas que escrevam com tinta permanente (mesmo não sendo «certos dirigentes do CDS...») e que não tenham sucumbido (ou, vá lá, não se tenham adaptado) à regra de escrever tudo no computador. Eu escrevia, sim – mas voltei atrás. Há um prazer raríssimo na caligrafia, no desenho da letra, na própria escolha da cor da tinta permanente (preto, azul ultramarino, azul escuro, sépia), na preparação do acto propriamente dito: o estojo com as canetas, os blocos ou cadernos, o cinzeiro e as recargas ou tinteiro. Curiosamente, foi num desses quartos de hotel que reaprendi a escrever à mão, com maiúsculas e minúsculas, sublinhando, desenhando setas, reenvios.
Um dia dirão que é anti-planeta gastar papel nestas coisas.
Ricardo Quaresma não é apenas um jogador do FC Porto – ele é um artista no meio do futebol de régua e esquadro que os burocratas querem promover a todo o custo. Inconstante, extravagante, mau-feitio – e muito perto do talento puro, o do bandoleiro que de repente começa a dançar no meio do relvado e consegue passes estranhos, trivelas fantásticas. Esse mau-feitio prejudica-o, tal como a ambição fora de tempo. Nada disso o impede de figurar no quadro de honra. Jogadores como ele sentem-se bem no palco da tragédia, que é o do jogo de vida e morte. É um prazer vê-lo jogar; basta dar-lhe um mínimo de confiança. No flamenco, ele é um bailador que também canta, ora a solo, ora em coro mesmo quando desobedece. Vê-lo escondido, no balneário, de castigo – é um desaforo que não mereço.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
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