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Enquanto em Portugal o casamento dos homossexuais se anuncia como uma inevitabilidade que não vai causar polémicas especiais (espero), oito mulheres e um homem foram este fim-de-semana condenados à morte por apedrejamento, no Irão. Elas, acusadas de prostituição, adultério e incesto; ele, de ‘práticas sexuais ilícitas’. As notícias sobre apedrejamentos e fuzilamentos por ‘motivos sexuais’ (adultério ou relações homossexuais), na Arábia Saudita ou na Palestina, no Sudão ou no Irão, acumulam-se umas sobre as outras até se banalizarem. Muitos dos que defendem ‘causas fracturantes’ na Europa (onde é fácil), abstêm-se de condenar as tiranias do Médio Oriente onde se mata com determinação por causa de um beijo roubado. Suspeito que estão à espera de, mais tarde ou mais cedo, encontrar um motivo para condenar Israel.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.
Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?
Manuel António Pina, Os Livros. Assírio & Alvim
Passados alguns dias sobre o episódio da Quinta da Fonte, convém relembrar – para lá da pedagogia do multiculturalismo que está agora a fazer-se pelas ruas – que: 1) foram feitos disparos no meio da rua, segundo imagens transmitidas pelas televisões; 2) as reportagens incluiram abundantes provas de posse ilegal de armas, prática e incitamento à prática de racismo, sem falar de suspeitas sobre tráfico de droga; 3) não se compreende que não tenham sido investigados eventuais abusos em relação ao rendimento mínimo garantido e à recusa em pagar 4,5€ de renda de casa; 4) a questão, aqui, não tem a ver com o multiculturalismo mas com questões básicas de segurança e de cumprimento da lei.
O argumento multicultural tem servido para manter grupos numerosos de imigrantes legais e ilegais em guetos inqualificáveis, onde não há lei, não há segurança e – portanto – não há Estado nem República. Aí, onde a autoridade do Estado se ausenta, nasce a lei da terra de ninguém, ou seja, a de quem tem mais e melhores armas e de quem consegue impor a sua vontade pela violência e pela intimidação. As vítimas não são as comunidades mas sim pessoas que não conseguem viver em paz, que não deixam os filhos sair à rua com medo de cairem nas cadeias de tráfico de droga e que não podem queixar-se à polícia. Isto explicar-se-ia mais facilmente se os teóricos do multiculturalismo andassem mais de transportes públicos e passassem umas noites nas ruas da Quinta da Fonte ou no Casal de São Brás.
Depois, não compreendo o argumento do respeito pelas suas «tradições, culturas e formas de ser diferentes». Nada a ver com isto. Agredir mulheres no meio da rua ou fazer disparos com armas de fogo não tem a ver com «tradições, culturas e formas de ser diferentes». Para mim, são portugueses. Devem ser vistos como portugueses. A começar por cumprirem a lei.
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