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Se há coisa que não entendo é o ar escandalizado dos vários mandarins e burocratas do Comité Olímpico Internacional diante das restrições à liberdade de circulação e informação impostas aos jornalistas estrangeiros que vão trabalhar na cobertura dos Jogos. Aliás, ninguém deve entender que se esperassem facilidades da China ou que os jornalistas e atletas pudessem, por exemplo, consultar a internet livremente; não podem. Aliás, nem nas cabecinhas dos negociantes dos Jogos Olímpicos isso passou alguma vez – para eles, desde que o negócio se faça e desde que a televisão não passe imagens das misérias e da repressão, os Jogos são um sucesso. Essa gente, habituada a não responder pelos seus actos, não merece confiança. Aliás, bem vistas as coisas, nem merecem os Jogos.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
A propósito do novo computador Magalhães, ler o texto de Pedro Sales -- e esperar que a imprensa deixe de reproduzir press releases e possa esclarecer a novidade.
Vai uma grande orgia pelas praias algarvias. Famílias inteiras, entregues ao prazer do sol e do mar, abandonam-se também – em pleno ‘espaço público’ – a massagens que podem ser perniciosas para o pudor da Pátria. Não sou eu quem o diz: é o comandante da Zona Marítima do Sul, que eu ouvi numa reportagem da TSF. Segundo o comandante sabe-se como uma massagem começa mas nunca se sabe como acaba – o leitor que imagine o despautério e a desvergonha. Uma coisa leva à outra e o comando marítimo tem de zelar pela nossa integridade física, pelo pudor das quinas e da esfera armilar. O Allgarve pode ser cosmopolita mas há massagens e massagens e nunca se sabe como reage esta gente que se estende ao sol para ser friccionada com bálsamo e arnica. Vai uma grande orgia nestas cabecinhas.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O presidente do júri do Prémio Camões disse que o grupo de jurados que distinguiu João Ubaldo Ribeiro “decidiu que centraria a sua discussão em escritores brasileiros”. Salvo erro, isto é sacanagem. Em primeiro lugar, contra João Ubaldo, que não merecia ser escolhido só entre 50% dos candidatos; em segundo lugar, contra o Prémio Camões, que mostra a rotatividade luso-brasileira (com migalhas para África) decidida nos gabinetes políticos. Entre nós, já se sabia que um ano tocava a uns, no ano seguinte a outros. Mas admiti-lo assim, se não é hipócrita, constitui uma idiotice que não devia ser permitida. Um prémio como o Camões deveria ser defendido de oscilações temperamentais e ser poupado a jogadas que não o enobrecem. Ou então que passe a ser escolhido nas chancelarias.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Ilustração de Pedro Vieira. O João Ubaldo não tem culpa nenhuma desta trapalhada.
Why Islam Is Unfunny for a Cartoonist.
The arrest of a controversial Dutch cartoonist has set off a wave of protests. The case is raising questions for a changing Europe about free speech, religion and art.
O Prémio Camões e os equívocos da rotatividade.
Ler Pratical Homicide Investigations, de um Vernon J. Gerberth, que não conheço. Ouvir, em modo repeat as 6 Sonate Da Camera Op.II, de Michele Mascitti, para violino e violoncelo (no intervalo, os Dead Combo). As Practical Investigations são um pretexto.
A neve derrete, dias cada vez mais quentes,
o gelo desaparece, raios de sol inundam a terra,
pouco a pouco os rebentos ganham força.
A Primavera só não desfaz a geada branca em meus cabelos.
Bai Juyi [772-846]
Eu não me importo de pagar 35 euros por ano para financiar estudos e projectos sobre energias renováveis. Na verdade, devemos preparar-nos para substituir o petróleo e o nosso endividamento às más companhias que o comercializam e produzem, bem como insistir na «questão ambiental». É um dever de todos. Mas não quero duas coisas: nem subsidiar essas energias no seu conjunto e por período indeterminado nem favorecer, fora das regras do mercado, esta ou aquela empresa. Além disso não quero que me façam pagar esses 35 euros de forma sacana, às escondidas. Prefiro que me perguntem: queres pagar 2,91 euros por mês aplicáveis no desenvolvimento de energias renováveis? E eu respondo: sim. Mas às claras. Assim, como está (veja-se o CM de ontem), acho que é uma malandrice.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
João Ferrão, que é geógrafo de formação — um bem inestimável, embora fora de moda — introduziu uma nota de bom-senso na questão da Quinta da Fonte. Em boa hora, para acabar com as procissões de velas e outras actividades de floricultura. Finalmente, alguém do governo diz a coisa certa: «A solução tem de sair do bairro. Eu acredito pouco que elementos externos ao bairro, que não são reconhecidos por ninguém, nem têm contactos no bairro, sejam vistos como sendo parte da solução.»
Se há coisa que me irrita a propósito de Tropa de Elite é a colecção de disparates que se dizem a propósito da «marca fascista» do filme e de merdas como o «escape autoritário» que o filme defende e de outras filhas da putice que os meninos aprenderam a escrever contando os dedos dos pés. Eu gosto do filme; não é o meu género mas dentro do género é muito bom e recomendo a todos que o vejam e que o mostrem.
Outra das manias é porem-se a comparar Cidade de Deus e Tropa de Elite como se os dois filmes competissem no mesmo plano ou se limitassem a dar as suas versões do problema. Ou é de gente que não viu Cidade de Deus ou de gente que não conhece o Brasil.
Falamos das coisas e elas acontecem
por isso ciciamos o que nos pede o corpo
não são as coisas só aquilo que dizemos
nossas pobres palavras não as dizem inteiras?
As palavras são coisas, extremas, luminosas,
quando tu dizes porta, há uma porta que se abre
quando tu dizes sexo, há um amor que se cumpre
não sabemos sequer o poder das palavras
nem o poder das coisas nem o poder dos rostos.
As coisas são palavras feridas pela morte
são agulhas finíssimas que trespassam a noite
os teus lábios dizem coisas os teus lábios cintilam
por eles fala o mundo, por eles se faz o oiro
pois o mundo acontece sempre que o pronuncias.
Apesar de ter sido arquivado, o caso Maddie não terminou. Há aquela dúvida. Aquela – saber o que aconteceu com Maddie. A dúvida permanecerá por anos, inspirará várias ficções e será um caso estudado pelas polícias. Numa sociedade cheia de crispação e ressentimento, como a nossa, o caso acrescenta mais combustível aos sinais de revolta evidente contra as instituições (o Estado, as polícias, a justiça, a família, o jornalismo, por exemplo), que se acusam mutuamente mas em surdina. Poucos casos como este evidenciaram ódios e desleixos tão profundos e o perigo de misturar convicções e evidências no mesmo saco. O que mais sobram, agora, são dúvidas – e custa a crer como o poder político, manhoso, se distancia do assunto como se não fosse nada com ele. O caso não terminou.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Enquanto em Portugal o casamento dos homossexuais se anuncia como uma inevitabilidade que não vai causar polémicas especiais (espero), oito mulheres e um homem foram este fim-de-semana condenados à morte por apedrejamento, no Irão. Elas, acusadas de prostituição, adultério e incesto; ele, de ‘práticas sexuais ilícitas’. As notícias sobre apedrejamentos e fuzilamentos por ‘motivos sexuais’ (adultério ou relações homossexuais), na Arábia Saudita ou na Palestina, no Sudão ou no Irão, acumulam-se umas sobre as outras até se banalizarem. Muitos dos que defendem ‘causas fracturantes’ na Europa (onde é fácil), abstêm-se de condenar as tiranias do Médio Oriente onde se mata com determinação por causa de um beijo roubado. Suspeito que estão à espera de, mais tarde ou mais cedo, encontrar um motivo para condenar Israel.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.
Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?
Manuel António Pina, Os Livros. Assírio & Alvim
Passados alguns dias sobre o episódio da Quinta da Fonte, convém relembrar – para lá da pedagogia do multiculturalismo que está agora a fazer-se pelas ruas – que: 1) foram feitos disparos no meio da rua, segundo imagens transmitidas pelas televisões; 2) as reportagens incluiram abundantes provas de posse ilegal de armas, prática e incitamento à prática de racismo, sem falar de suspeitas sobre tráfico de droga; 3) não se compreende que não tenham sido investigados eventuais abusos em relação ao rendimento mínimo garantido e à recusa em pagar 4,5€ de renda de casa; 4) a questão, aqui, não tem a ver com o multiculturalismo mas com questões básicas de segurança e de cumprimento da lei.
O argumento multicultural tem servido para manter grupos numerosos de imigrantes legais e ilegais em guetos inqualificáveis, onde não há lei, não há segurança e – portanto – não há Estado nem República. Aí, onde a autoridade do Estado se ausenta, nasce a lei da terra de ninguém, ou seja, a de quem tem mais e melhores armas e de quem consegue impor a sua vontade pela violência e pela intimidação. As vítimas não são as comunidades mas sim pessoas que não conseguem viver em paz, que não deixam os filhos sair à rua com medo de cairem nas cadeias de tráfico de droga e que não podem queixar-se à polícia. Isto explicar-se-ia mais facilmente se os teóricos do multiculturalismo andassem mais de transportes públicos e passassem umas noites nas ruas da Quinta da Fonte ou no Casal de São Brás.
Depois, não compreendo o argumento do respeito pelas suas «tradições, culturas e formas de ser diferentes». Nada a ver com isto. Agredir mulheres no meio da rua ou fazer disparos com armas de fogo não tem a ver com «tradições, culturas e formas de ser diferentes». Para mim, são portugueses. Devem ser vistos como portugueses. A começar por cumprirem a lei.
O retrato do primeiro-ministro é o de um gestor em dificuldades, e é pena. Enquanto deixa aos outros – medíocres – a tarefa de fazer política, ele anda de malas aos tombos, a fazer negócios aqui e ali, em Angola e na Líbia, onde estão mercados ao nosso alcance. A política está pobre e ele aproveita para captar fundos. Longe do PS doméstico, uma espécie de rumor distante e cacofónico, Sócrates distribui elogios a Eduardo dos Santos e a Khadafi, como se isso não tivesse importância. Não deve ter, porque daqui a nada vem Hugo Chávez e os dois darão um forte abraço em nome dos negócios e do petróleo. Portugal transforma-se num cenário atípico da política de emergência, flutuando e vendendo ao melhor preço. Não é isso que ela, a política, tem sido nos últimos tempos?
[Da coluna do Correio da Manhã.]
A insónia regular voltou. O livro é Os Livros que Não Escrevi, de George Steiner (edição Gradiva).
O Público on line trazia uma notícia sobre «a substância química que regula a fixação da atenção em determinados objectos e faz desviá-la dos que são irrelevantes». Quem tem filhos adolescentes sabe o bom que seria injectá-los com acetilcolina, o nome da substância. Mas o mais surpreendente não é a notícia em si, mas o sinal dado pelos comentários à própria notícia. O povo não anda bom. Vão lá.
Umas doses de acetilcolina a cada português ( ou pelos menos à grande maioria) e o panorama político nacional mudaria radicalmente. Com certeza que esta investigação vai morrer por aí. Não vá o diabo tecê-las!
É desta que vamos ser todos génios! Falta saber se génios do bem ou génios do mal...
Conseguir manter concentrados os indivíduos de forma mais eficiente e durante períodos de tempo mais longos parece-me uma boa forma de levar a carneirada toda para o matadouro. Ou de pôr o burro a correr atrás da cenoura durante mais tempo. Ou de impedir um gajo de mudar de canal quando começa a publicidade.
Há dias, o ministro da Cultura prometeu que iria digitalizar todo o espólio de Jorge de Sena para que fique “ao alcance de todos os portugueses”. Há semelhantes propostas em relação ao espólio de Fernando Pessoa, evidentemente. Em breve alguém prometerá a digitalização do espólio de Teixeira de Pascoaes, de Vitorino Nemésio ou de Vergílio Ferreira. A febre digitalizadora promete ser democrática e vital para a cultura portuguesa – mas não é. Na verdade, Sena continua a ser ignorado enquanto autor impresso e Pascoaes, Nemésio ou Vergílio afastados da escola secundária. O ‘choque tecnológico’ pode disponibilizar os papéis dos escritores, antes apenas acessíveis aos investigadores e estudiosos – mas não providencia nem mais leitores nem mais leitura. É a tentação dos novos-ricos.
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