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O pormenor não é de menosprezar: Manuela Ferreira Leite é a primeira mulher líder de um grande partido em Portugal. Não garantiu o lugar recorrendo à figura das “quotas para mulheres”, que o governo transformou em lei mas não cumpre. Acho que isso irá contribuir para algumas mudanças qualitativas na forma de fazer política nos próximos tempos, sem diminuir o tom e a intensidade. Para quem se recorda das picardias e das piadas “entre homens da política”, o “factor Manuela” é capaz de ajudar a mudar as coisas – e para melhor. Não por trazer um “ar maternal”, que é o modo machista de abordar a chegada das mulheres à política, mas por ser provável que MFL dê atenção aos temas centrais da vida portuguesa com outra sensibilidade e mais atenção. Só isso já é um avanço notável.
Esta é a capa da edição 70 da LER, em distribiuição nacional a partir de hoje.
Quinta-feira, na Bertrand Chiado, Ricardo Araújo Pereira, Rui Zink e Paulo Nogueira, conversam com Carlos Vaz Marques e respondem à pergunta «A literatura portuguesa tem sentido de humor?». Às 18h30.
«Todos os anos, nesta época, o velho doutor Homem, meu pai, suspirava por ostras. Era um queixume surdo e inclemente, que Portugal ouviu durante muito tempo. As ostras não eram propriamente um luxo na orla marítima da Galiza, e a recordação das suas viagens à Corunha ou a Vigo trazia-lhe aquela memória salgada arrancada ao mar frio deste lado da Península. A sua excentricidade chegou a levá-lo a Ribadeo, na fronteira entre a Galiza e o velho reino das Astúrias, porque lhe disseram que Don Álvaro Cunqueiro prezava especialmente essas ostras. Não quis deixar o crédito, inteiro e solitário, nas mãos do académico - e partiu para aquelas falésias, na companhia do então director do Progreso de Lugo, que tinha família perto de Melgaço e era um teórico da culinária galega, para além de ter nascido nos arredores de Mondonedo, a terra de Cunqueiro.
O meu pai insistia que o escritor, por ter nascido no vale, não podia degustar inteiramente as ostras daquelas praias, contaminadas, ao longe, pelo Cantábrico. Era conversa fiada. Mondonedo, famosa pelas suas trutas e salmões, mas também por ser terra «de pão, boas águas e latim», como dizia Cunqueiro, era uma porta aberta na direcção do mar. O jornalista do Lugo (que tinha uma paixão pela ópera desde que escutara Manolo Cortés no teatro de Ribadeo, durante uma récita oferecida pelos Ruiseñores del Eo) visitou por duas vezes a casa de Ponte de Lima, durante o Verão, mas nunca trouxe ostras. Vinha ver o ciumento, como ele dizia, achando graça à perseguição que o velho doutor Homem, meu pai, fazia às enumerações gastronómicas do autor da Escola de Mencineiros.
Tudo isto ocupava uma parte do Verão, a mais cómica e literária. Nessa altura, os areais de Moledo (conquistados para a família, definitivamente, só a partir dos anos setenta, quando a «época balnear da Ínsua» era uma excentricidade) ainda não constituíam uma dependência da Academia Sueca e não se liam best-sellers à beira do mar.
As leituras de Verão disputavam terreno com os chamados «amores de Verão», que nasciam para fazer respeitar a tradição romântica do lugar. Os meus sobrinhos querem, com alguma frequência, saber se naquela altura já havia escândalos amorosos. Se confirmo, logo se abre uma brecha para considerar que as velhas gerações conheciam abundantemente o pecado e não têm razões para lamentar os infortúnios da actualidade.»
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