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Gosto da Feira do Livro com as barraquinhas. Gosto de ir lá à tarde e de encontrar amigos, gente que não vejo há muito tempo, trocar «notícias» por «notícias». Gosto de ir às barraquinhas de livros velhos, stocks, obras completas de Mao, Escritos Escolhidos de Lenine, A Cozinheira Ideal ou os John Le Carré em hardcover. Gosto de comprar Rex Stouts repetidos. Não gosto de novidades na Feira; prefiro livros de há anos, são esses os que procuro, os que perdi e que quero repor na estante. Gosto de comprar livros por 1€, 3€, 5€. Gosto de encontrar amigos a dar autógrafos e de ir para as filas pedir-lhos. Gosto de churros com chocolate (este ano estão a 2€, o que é um assalto). Gosto das cores das barraquinhas. Gosto dos grupos que se sentam ao sol, na relva do Parque. Gosto de encontrar editores que vão sempre à Feira. Gosto de gente que atravessa a Feira assinalando títulos nos catálogos. Gosto da Feira com ar saudável e relativamente anárquico, com cadeirinhas na calçada onde autores se sentam perto de quem passa, com ar desprotegido (por isso é que se reconhece um editor; é ele que está lá, ao lado, a fazer companhia). Gosto de ir à Assírio & Alvim perguntar se tem o Equador. Gosto da Feira com sol, gosto quando chove. Gosto quando o MJM me telefona a dizer que encontrou um livro meu com uma fotografia que nem vista se acredita. Gosto das sacolas pretas da Tinta-da-China e de ficar por ali. Gosto das cores da Oficina do Livro. Gosto de ir à Guimarães Editores, à Relógio d'Água ou às bancas da Vampiro. Sinto-me um provinciano feliz que está onde quis ir. À Feira.
Antes de outras observações, o seguinte: Manuela Ferreira Leite é a primeira mulher líder de um partido político com expressão parlamentar em Portugal. Sem quotas.
«Tal como a personagem de O Leopardo, de Lampedusa, o velho doutor Homem, meu pai, assistiu à ruína do seu mundo sem ruir com ele. Simplesmente, enquanto a maioria dos leitores de O Leopardo critica a hipocrisia do príncipe, eu vejo nela alguma virtude.
Tentei explicar esta ideia tortuosa à minha sobrinha Maria Luísa. Com a idade, as «novas gerações» vão ficando mais interessantes, livrando-se das enfermidades da juventude. O Leopardo foi uma das suas leituras e, para ela, o príncipe – representando «o velho mundo» – assemelhava-se um tanto aos heróis da máfia que apareceram no cinema como figuras românticas que afrontam o trono, o altar e os seus exércitos, como se fossem herdeiros do Robin dos Bosques. Educada pela história oficial, que trata os derrotados com dureza e obstinação, a minha sobrinha resiste ainda à ideia de que o mundo não está dividido em heróis e facínoras. O século XIX é para ela uma incógnita maior do que a revolução de 1974. O velho doutor Homem, meu pai, é para ela uma lembrança vaga a que o tempo e a idade emprestam agora mais graça e fascínio. Entrando na biblioteca, observando as lombadas dos livros, imagino que se interrogue como pôde aquele homem culto, irónico, céptico e mordaz (de que ela conheceu vagamente a figura) ser um herdeiro da velha ordem e não um revolucionário que combatesse as classes médias, a família e as instituições.
Primeiro, respondo que as coisas são como são, o que não a satisfaz. Depois, lembro-lhe de que Rousseau, que é considerado um grande pedagogo e um pensador revolucionário, abandonou os seus filhos e maltratava a sua pobre mulher. É um argumento descabido, mas diz muito sobre como as coisas são como são.»
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