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O regresso do Dr. António Sousa Homem, 4.

por FJV, em 31.05.08

 

«O velho Doutor Homem, meu pai, tinha pelo romance um desprezo discreto e morigerado. Ele atribuía isso ao facto de, por distracção, se ter fixado na palavra “gentleman” no título de The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman, quando passeava o seu ócio numa livraria de Londres. O meu pai, que tinha lido o Quixote e se compenetrara da importância de Pantagruel, ficou saciado para a vida inteira ao ler Tristram Shandy, como se não precisasse de ler outro livro. Partilhei do seu entusiasmo como se se tratasse de uma Bíblia. Na verdade, li-o toda a vida. E lendo-o durante toda a vida, li nele todos os livros que comenta.
A minha sobrinha acha que eu devia escrever um romance por ter coisas para contar. [...] “Há para aí tanto escritor sem nada para contar”, observa ela, tentando comover-me ou elogiar-me. Defeito de juventude: ela não conhece o poder extraordinário da preguiça, que, não sendo fonte de virtudes teologais, é um vício deste Matusalém minhoto.»

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Defesa do consumidor.

por FJV, em 30.05.08

O caso do vidente 'Prof. Bambo', que o CM tem acompanhado, não é melhor nem pior do que os dos bispos da IURD, que cobram dízimos e 'doações' em nome de Deus, mas é um exemplo a ter em conta. As 'vítimas', sem vergonha, queixam-se por 'terem sido enganadas'. O senegalês inventava amantes aos maridos e catástrofes que só ele podia evitar. No fundo, mais do que uma amostra de crendice, é uma espécie do artesanato africano da indústria 'psi' (que inventa depressões e traumas onde às vezes há só a natural dificuldade de viver) ou do chique astrológico ou tarológico, que tem honras televisivas e aparece bem vestido. Nestes casos (astrologia, tarologia, IURD ou videntes), penso que a DECO tem de intervir com urgência. O consumidor, ao pagar a factura, não pode ser defraudado.

[Da coluna do Correio da Manhã.]

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O regresso do Dr. António Sousa Homem, 3.

por FJV, em 30.05.08

 

«O único membro da família que publicou um livro de versos (de que ninguém leu bastante) teve a sorte de viver num período em que os poetas eram recebidos nos salões e em casa de famílias. O velho doutor Homem, meu pai, que dedicava uma grande parte da sua biblioteca aos poetas românticos ingleses, abomi­nava vates em carne e osso; em seu entender, um poeta não tinha o direito de se apresentar vivo. Essa sua repulsa era conhecida da família, tanto como a sua paixão pela poesia. Conhecia de cor as mais corpulentas estrofes dos nossos poe­tas do século XIX e recitava-as com trejeitos cómicos; eram famosas as suas interpretações de Guerra Junqueiro e de Garrett, dois altíssimos momentos do seu tom jocoso. O meu avô, que conheceu Junqueiro e privou com o velho republicano, não apreciava o género, mas tantos anos de convívio com ingle­ses do Douro fizeram crescer nele o sentido da ironia – e da pro­porção. Ambos consideravam que a poesia de Junqueiro era boa para ensinar métrica e hendecassílabos, mas que se deve­ria reservar para a categoria das coisas rurais e patrióticas, de braço dado com «Leva o regadinho» e o Hino da Carta.
Para evitar problemas, o tio Alberto preferia escrever opúsculos e artigos sobre história da gastronomia, coisa que o distraía das consultas dos pareceres jurídicos com que pagava as suas aventuras e vadiagens. A ideia de que se era escritor ao publicar-se um livro era mal aceite pelos bibliotecários da família, habituados a conviver com a difi­culdade de traduzir o Tristram Shandy, Milton ou os ensaios de Samuel Johnson. Eles não eram eruditos – apenas tinham a noção das coisas.
Essa «noção» perdeu-se hoje em dia. Portugal vive empenhado em pagar direitos de autor a cavalheiros que escrevem uns livros vagamente parecidos com romances, e a senhoras que – se vivessem noutra época – resolveriam o problema com uma ida mais frequente ao confessionário. A minha sobrinha Maria Luísa, a quem contei o achado, pensa que sou um machista empedernido e uma alma penada sem sensibilidade. Ela comove-se facilmente com poetas que desarrumam o dicionário e são considerados humanistas e homens de letras; quanto aos romancistas, tem as suas prefe­rências por histórias familiares que eu li há muito nos romances populares de Mrs. Trollope ou nos folhetins de antanho. A lite­ratura popular enchia as férias de Ponte de Lima e os areais de Moledo e Afife sem cerimónia e sem regras. Eram volumes que não ficariam bem na Biblioteca Geral da Universidade (refiro-me à de Coimbra), mas que ilustrariam qualquer época balnear - liam-se bem, da mesma forma que digeriam bem as cataplanas de Vigo; tinham sabor, vinham ao gosto de todos e tinham marisco em abundância. As senhoras que hoje escre­vem romances de família são excelentes namoradeiras e conhecem a maquineta que comanda as emoções – um casamento desfeito, uma família desorganizada, vícios normais para a idade e interrogações chãs e acessíveis sobre ser adul­to. Melhor do que isso fez a literatura popular de outros tempos, que nos ofereceu O Conde de Montecristo, A Ilha do Tesouro ou, bem vistas as coisas, alguns dos folhetins avulsos de Camilo, com a vantagem de serem bons em gramática e de não se levarem a sério no mais importante.
Diante do vastíssimo número de escritores de hoje em dia, o velho doutor Homem, meu pai, colocaria a hipótese de cha­mar pela polícia de costumes, uma velharia já no seu tempo. Mas a intenção fica.»

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Choraminguice.

por FJV, em 30.05.08

«Quando fui votar no boletim de voto não estava lá o nome do Pedro Santana Lopes (...) Se lá estivesse o nome de Santana Lopes não votava. Só que no boletim estava PSD. E eu sempre votei PSD», disse Manuela Ferreira Leite. Fez bem Manuela Ferreira Leite e, se eu fosse militante do PSD, votaria nela por afrontar a choraminguice de Santana Lopes.

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S. Pessoa.

por FJV, em 29.05.08

O António Manuel Venda descobriu uma aparição de Fernando Pessoa.

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Bafio e mofo. Parecem nomes de sopranos italianas.

por FJV, em 29.05.08

Se não fosse para ficarmos preocupados, podíamos rir com gosto: Ângelo Correia anunciou que a candidatura de Passos Coelho à chefia do PSD é uma “janela aberta”, que há-de afastar o “mofo” e o “bafio” – e deixar entrar “uma lufada de ar fresco”. É uma declaração e tanto mas, vindo de Ângelo Correia, tanto desejo de ventania dá vontade de rir, o que é uma pena. É como se António Calvário aparecesse a defender a renovação da música portuguesa. Depois da honrosa e notável entrevista de Passos Coelho ao CM, que indiciava uma respiração diferente no partido, o candidato teve o cuidado de receber alguns apoios fatais que podem garantir votos da máquina partidária mas que hão-de aprisioná-lo por largo tempo ao “mofo” e ao “bafio”, enquanto apresentam a conta.  É a vida.

[Da coluna do Correio da Manhã.]

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O voto de protesto.

por FJV, em 29.05.08

Houve anteontem muito burburinho sobre mais um artigo do Dr. Soares acerca da catástrofe que aí vem – e que só acontece porque não o ouviram em devido tempo, como de costume. Tal foi o burburinho que o PS teve de vir a terreiro dizer que os discípulos tinham essas mesmas preocupações do mestre, e que nem era preciso ele avisar – já sabiam as notícias. Soares diz que o voto de protesto (que irá parar ao PCP e ao BE, e mesmo ao PSD, que fala do social) faz falta ao PS nas eleições. Assim compreende-se a reacção do PS. Se o voto de protesto contra o governo dá votos, o partido fará campanha a bradar contra o Código de Trabalho, o esmagamento da classe média, as desigualdades sociais e a reforma da Saúde. Ou seja: estará nos dois lados das barricadas, de braço dado com o inimigo.

[Da coluna do Correio da Manhã.]

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A memória do mar.

por FJV, em 29.05.08

 

Para o Onésimo.

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||| O regresso do Dr. António Sousa Homem, 2.

por FJV, em 29.05.08

 

«Os livros de história pátria não deixaram de festejar os vencedores e os heróis do Mindelo, do cerco do Porto, de Angra e do teatro romântico. Portugal está cheio de derrotados que raramente mere­ceram atenção diante da hagiografia dos vencedores. Da desco­nhecida Dona Teresa, mãe do nosso primeiro rei, aos fidalgos que desafiaram o magnífico D. João II e por isso foram supliciados, pas­sando pelos assassinos de Inês de Castro, por D. Leonor Teles e pelo seu conde, ou pelos vícios bonacheirões do nosso trono — há por certo, aí algumas injustiças no juízo dos nossos contemporâ­neos, habituados ao heroísmo das vitórias e à queima de arquivos. Ora, de alguma maneira, o retrato de D. Miguel lembra-nos a virtude da derrota.
O velho doutor Homem, meu pai, assegurava que ninguém no seu perfeito juízo sabia mais do que três ou quatro fra­ses do discurso justificativo de José Acúrsio das Neves em defesa do Príncipe, e que provavelmente isso não teria importância porque as opções do passado não podem alterar-se dois séculos depois. O facto é que os homens não fortalecem o seu carácter colocando-se sempre do lado dos vencedores. Há uma estranha serenidade que só se adquire nas derrotas e, algumas vezes, na reclusão que deve suceder às humilhações. O nosso mundo não se compadece com esta filosofia despropositada - quer vencedores e, podendo, faz deles vencedores absolutos.
Por isso, quando enfrento o velho retra­to do senhor D. Miguel, na casa de Ponte de Lima, iluminado pela penumbra do Verão, fil­trada pelos freixos e pelas cortinas da família, penso que o mundo está bem feito. Não muito bem feito. Mas razoavelmente bem feito.»

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Emails.

por FJV, em 28.05.08

Não me assustam necessidades diplomáticas e conveniências de anglicismos mas, depois do Acordo Ortográfico, não acham que não faz sentido alterar os domínios dos emails portugueses para ingleses?

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O regresso do Dr. António Sousa Homem.

por FJV, em 28.05.08

 

O Dr. António Sousa Homem acaba de publicar o seu segundo volume de crónicas, Os Males da Existência:

 

«Dobrei já aquilo que se chama a idade do século. O mundo não tem para mim, hoje, passados oitenta e quatro anos, menos segredos do que quando o senhor general Craveiro Lopes foi apeado da Presidência. Há quem pense que a idade é uma vantagem. Seguramente não é. Com o tempo vamos ficando maduros e tranquilos; mas com a idade vamos apenas reparando nos defeitos dos outros e quase nunca nos nossos. Reparo que os meus sobrinhos espremem a pasta dentífrica pelo meio e não pela base. Dou-me conta das mudanças de estação quando os pinhais de Moledo mudam de cor. A velocidade das coisas não me interessa, há muito que me conformei com a sua passagem e a ideia, vulgar e triste, de que há coisas novas para experimentar. Sou um conservador, um botânico e um velho. […]

Aprendi com o velho doutor Homem (meu pai), que a abundância de livros não deve fazer-nos pensar na sabedoria mas apenas na vaidade e no prazer. Não na alegria (que raramente se retira deles); antes, no prazer que se retira do silêncio, da contemplação e da pequena vaidade.»

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Manuel Hermínio.

por FJV, em 28.05.08

 

A A.G.F. relembra, no seu blog, que no dia 3 de Junho faz 7 anos que morreu Manuel Hermínio Monteiro.

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D. Vicente, que destruía bibliotecas rivais.

por FJV, em 28.05.08

Histórias de bibliofilia, no Jansenista.

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Manuel Alberto Valente pessoal & transmissível.

por FJV, em 26.05.08

Manuel Alberto Valente é o convidado de hoje de Carlos Vaz Marques. Às 19h10, na TSF.

Para ouvir aqui.

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Alfredo.

por FJV, em 25.05.08

 

Trabalhei com ele. Li os seus livros. Almoçávamos de tempos a tempos. Apresentou um dos meus livros. Apresentei um dos dele. Tinha por Alfredo Saramago um grande respeito, uma amizade cúmplice e malandra -- e a gratidão pelos charutos que trocámos. Outro dos grandes homens cultos da minha terra que desaparece. Aos setenta anos a poeira da terra saberá reconhecê-lo.

Maio está a ser muito pesado para mim.

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Canções que ouvíamos. Léo Ferré, «Avec le temps»

por FJV, em 22.05.08

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Canções que ouvíamos. Jacques Brel, «Le Plat Pays»

por FJV, em 22.05.08

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Canções que ouvíamos. Jacques Brel, «Ne me quitte pas»

por FJV, em 22.05.08

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Canções que ouvíamos. Los Panchos (com Eydie Gorme), «Noche de Ronda»

por FJV, em 22.05.08

 

Uma das canções de J. Augustín Lara.

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Canções que ouvíamos. Ildo Lobo, «Nos Morna»

por FJV, em 22.05.08

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