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Blog CM, 1

por FJV, em 31.01.08
Alguns dos textos publicados na coluna diária do Correio da Manhã:

De repente, Vitalino Canas (o porta-voz do PS) pareceu-me um sujeito simpático: comparou-se a George Smiley, personagem de John Le Carré que se define a si próprio como ‘cinzentão’. E também discreto, silencioso, batalhador – e muito triste, por oposição a Ribau Esteves, secretário-geral do PSD, que fala de ‘gajas boas’ e tem aquele sorriso de quem passou muito tempo a pensar no assunto. Subitamente, Vitalino Canas passou a ter uma aura melancólica, rodeado de memórias amargas, silêncios fatais. Há diferenças, e essas é que são assassinas: o cinzento George Smiley, que é um dos meus personagens literários favoritos, nunca diria o que o cinzento Vitalino Canas é obrigado a dizer para defesa da honra do seu partido. Smiley, por exemplo, nunca vê esperança onde há desastre; já Vitalino Canas acredita que os novos ministros irão reforçar a capacidade governativa. O País, de facto, comoveu-se ao saber da notícia. Está tudo muito entusiasmado com os novos ministros.
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Foi uma pequena revolução em Cuba, sábado: o canal Havana, visto na capital e pouco mais, deu notícias sobre o sucesso dos “desertores” e “traidores” que tinham deixado o país para jogar basebol nos EUA. Tratava-se de um documentário do jovem realizador cubano Ian Padrón, proibido desde há cinco anos. Foi como se os “desertores” Orlando ‘El Duque’ Hernández (dos Mets), o primeira-base Kendry Morales (dos Angels) ou o lançador Jose Contreras (dos White Sox) regressassem às ruas de Havana para um jogo de miúdos. É como se estivéssemos seis anos sem saber do destino de Figo ou de Cristiano Ronaldo. Só por isso valeu a pena Fidel Castro ter adoecido.
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Antigamente, prezava-se o homem público que protegia a sua vida pessoal. Agora, ele expõe os seus beijos para obter votos. A política é um reflexo do espectáculo, onde um presidente e uma cantora trocam de maquilhagem no meio da febre do poder. A multidão, que é machista, ulula. Se Sarkozy fosse mulher, seria apedrejado.
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Para disciplinar a indústria hoteleira, o Governo vai acabar com algumas das 21 designações existentes, como “motel”, “estalagem” ou “pensões”, por exemplo. Trata-se de “civilizar” e de “normalizar” as “unidades hoteleiras”. Quase tudo vai passar a chamar-se “hotel”, como se alterando a designação se mudasse a realidade. De alguma maneira, é um mundo que acaba. Certamente que, se fosse no Brasil, o fim dos “motéis” seria caso de guerra civil, porque aí decorre boa percentagem da sua vida sexual mais divertida. Entre nós, o nome “pensão” evoca um universo de penúria e de humildade que termina, com paredes caindo aos pedaços, escadas sujas e histórias de miséria, solidão e degradação; e também de sobrevivência no fio da navalha. Daqui a uns anos, só haverá “pensões” nos romances e nos arquivos. O Portugal antigo, maneirinho e modesto, vai desaparecendo dos dicionários. O que havia de romantismo nesses nomes fica também entregue à poeira.
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Há uns tempos, o Presidente da República discursou sobre a necessidade de práticas legislativas que castigassem a obesidade e a falta de saúde dos portugueses. Na altura, critiquei a obsessão legislativa, mas hoje compreendo a tendência – em Portugal, há demasiada gente à solta a legislar, convencida de que vai mudar o Mundo por decreto. Seja como for, e mesmo tendo razão, é necessário avisá-los sobre o tom que adoptam nas suas mensagens: além de evangelizador (que já irrita) pode ser malcriado. Veja-se o caso do presidente da sociedade de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, que ontem recomendava “medidas de saúde pública muito agressivas” para combater a obesidade. O que ele defendia era “mudar as mentalidades e a própria cultura”, o que seria óptimo. Como? “Acabar com a ingestão de gorduras, de álcool, com o assado de domingo, os rissóis e o pão com manteiga.” Logo o assado de domingo e os rissóis, justamente. Esta gente tem razão, mas não tem juízo nenhum.
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O comboio Lusitânia, que faz a ligação entre Madrid e Lisboa, descarrilou anteontem. Em Espanha, vá lá. Tinha 38 pessoas a bordo, o que é um número baixo e assustador, se pensarmos nas projecções que se fazem para o TGV. A mim preocupa-me a Linha do Tua, que retomará a circulação na próxima semana. Como ‘maluco dos comboios’, sou contra o seu fecho definitivo. Se pudesse, eu punha o País todo a andar de comboio. Mas, consultando os números, vejo que há composições que circulavam com uma dezena de passageiros, o que torna tudo mais difícil. É uma espécie de não-retorno: o País está coberto de asfalto e de camiões e, tirando o Lisboa-Porto, os comboios fazem parte apenas da nossa geografia sentimental. A vitória do asfalto é um sintoma do nosso atraso conjuntural, substituindo um transporte ecológico, cómodo e seguro pela vaidade automóvel e pela indústria da camionagem. Durante anos, a CP encarregou-se de se autodestruir. Hoje, é uma viúva velha e pobretanas.
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A comissão das actividades religiosas legalizou a Cientologia em Portugal, o que não é absurdo porque a Espanha já o fez. Não na Alemanha nem em outros países, onde se analisa à lupa a empresa criada por Ron Hubbard e onde Tom Cruise espalha a palavra divina. Divina? Para a Comissão, Deus é um parágrafo do relatório de contas.
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A história portuguesa da acusação e da denúncia daria pano para mangas e não seria digna de louvores. Pelo contrário – a Inquisição instituiu a denúncia anónima, a delação abjecta, a perseguição sem justiça. Há, na imprensa do final da monarquia, exemplos bastantes da propaganda pela acusação livre e sem provas. O salazarismo alimentou a perseguição de anónimos com minúcia. Ora, da “denúncia dos nomes” até à “denúncia sem nomes”, o salto não é grande e apenas queima etapas. O espírito permanece, mesquinho, vago e cheio de ressentimento ou desejo de vingança. Daí que a esquizofrenia portuguesa passe por este mundo de suspeita comezinha e provinciana, manchando reputações por desporto e alimentando o mau génio nacional. Em Portugal é fácil acusar, e barato, porque quase nunca se investiga. Uma das figuras mais interessantes da linguagem jurídica é, aliás, a “queixa contra incertos”. Temos medo de apontar o dedo em público, mas nunca perdemos o feitio indignado.
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Segundo o ‘Daily Mail’ de ontem, o governo inglês pondera a criação de uma ‘entidade reguladora’ que vai ‘monitorizar’ os cestos de almoço que as crianças levam para a escola, vigiando a correcta aplicação dos princípios de uma ‘dieta saudável’. No caso de haver uma falha, os pais receberão uma admoestação em casa e o almoço pode mesmo ser confiscado. Não riam. A ‘plataforma contra a obesidade’ portuguesa tem muito que aprender. O ‘big brother’ veio para ficar nas sociedades democráticas e vigia-nos para nosso bem. Os grandes democratas, que olham a sociedade como uma fonte inesgotável de tentações, gostam de defender os cidadãos mesmo contra a vontade dos próprios cidadãos – e não apenas os admoestam como, além disso, apreendem o almoço das crianças. E fazem leis, para que aprendam. Ibsen, que não era só dramaturgo mas um leitor do género humano, escreveu uma peça intitulada ‘O Inimigo do Povo’. O que ele dizia? Isto: que a liberdade é uma grande solidão.

De segunda a sexta, no CM; também aqui, com a paciente generosidade do Sérgio.

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Hoje à noite há acordo ortográfico.

por FJV, em 31.01.08


A polémica tem quase vinte anos mas estava adormecida. Reacendeu-se com o anúncio da ratificação para breve, pelo Estado português, do Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Hoje, nos Livros em Desassossego vai debater-se o Acordo Ortográfico numa sessão com as presenças de Malaca Casteleiro (membro da Academia de Ciências de Lisboa), Vasco Graça Moura (escritor e eurodeputado), José Eduardo Agualusa (escritor) e Ivo Castro (linguista). Um painel que fica completo com a presença do editor Nelson de Matos, que em Fevereiro publica os três primeiros livros de uma nova editora com o seu próprio nome e que falará de três títulos editados recentemente que gostaria de ter no seu catálogo.
Hoje, quinta-feira, pelas 21h30, na Casa Fernando Pessoa. A coordenação é de Carlos Vaz Marques e a entrada é livre.

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Um prémio.

por FJV, em 31.01.08
O Prémio Daniel Faria foi atribuído, por unanimidade,a José Luís Peixoto. Notícia aqui.

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Aprender a rezar.

por FJV, em 31.01.08
Entrevista, longa e útil, de Gonçalo Mira a Gonçalo M. Tavares, a propósito de Aprender a Rezar na Era da Técnica (Caminho).

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